TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 3 de julho de 2009

A BELEZA, A SENSIBILIDADE E A HIGIENE DA ALMA



"O que distingue o homem ordinÁrio e o homem gênio é que, para ser feliz, o primeiro tem de se esquecer de si mesmo e de perder a consciência da sua individualidade, o segundo tem de se concentrar em si mesmo e de tomar posse do seu ser" (FEUCHTERSLEBEN,1914,pp.186).
FEUCHTERSLEBEN, BARÃO DE - Higiene da Alma, 8ª ed., Lisboa, Parceria Antonio Maria Pereira, 1914, p.205. trad.: Ramalho Ortigão.


DA SENSIBILIDADE
(trechos do livro ENSINAR E APRENDER - KRISHNAMURTI)

"Alguns dos professores daqui falavam comigo, há alguns dias, sobre a importância da sensibilidade, como é necessário ter-se um corpo sensível, uma mente ágil. O homem que está cônscio do ambiente em que vive, assim como de cada movimento do pensar e do sentir, é um todo harmonioso, é sensível. Como surge tal sensibilidade? De que maneira, é possível um completo desenvolvimento do corpo, das emoções, da capacidade de pensar profunda e amplamente, a ponto de o ser inteiro tornar-se surpreendentemente alerta a tudo à sua volta, a cada desafio, a toda influência? E será isto possível em um mundo como este, um mundo em que o conhecimento técnico, por ser bem remunerado, é de grande valor, e no qual um engenheiro ou especialista em eletrônica assume tal importância? Será isto viável? Os políticos, os técnicos em eletrônica, transformam-se em maravilhosas máquinas humanas, porém levam vida muito limitada. São pessoas atribuladas, sem qualquer profundidade. Tudo o que sabem pertence a seu pequeno mundo; o mundo determinado pela sua especialidade.
Uma vida baseada em conhecimentos tecnológicos é uma vida estreita, sem amplitude. Está fadada a gerar angústia, sofrimento. Poderá a pessoa, com tal habilitação, realizar seu trabalho, ganhar a vida, e ainda viver com intensidade, clareza, visão? Eis o problema. A vida não é meramente ir ao escritório dia após dia. A vida é extraordinariamente rica, importante, mas para isso o ente humano tem de ser perceptivo, possuir uma sensibilidade capaz de apreender a beleza. Como sabem, há algo de admirável em relação ao belo. A beleza nunca é pessoal [individual], embora nós a tornemos assim. Enfeitamos o cabelo com flores, vestimos requintados sáris, usamos bonitas camisas e calças, somos elegantes e procuramos mostrar-nos tão atraentes quanto possível; mas essa é uma beleza bem limitada. Não digo que não devam usar boas roupas, mas isto não é apreciar a beleza. A apreciação da beleza está no ver uma árvore, um quadro, uma estátua, no ver as nuvens, os céus, os pássaros a voar, a estrela matutina e o ocaso por trás daquelas montanhas. Para contemplarmos a grandiosidade da beleza temos de superar nossas insignificantes vidas.
Pode ser que vocês tenham gosto. Sabem o que significa ter bom gosto? É saber combinar as cores, não usando aquelas que se choquem, não dizer coisas cruéis sobre os outros, ser bondoso, perceber os atrativos de uma casa, ter belos quadros, salas com proporções exatas. Tudo isso revela bom gosto, que é cultivável. Mas ter bom gosto não eqüivale a apreciar o belo. Este nunca é pessoal [individual]. Quando a beleza é personalizada [individualizada], incorpora-se ao eu. O interesse próprio é a fonte do infortúnio. A maioria das pessoas, sabemos todos, não são felizes. Elas têm dinheiro, boa posição, poder, mas só há vacuidade em seu coração. A fonte desse vazio, desse desespero, desse conflito e profunda angústia, é um sentimento de culpa e medo.
Apreciar verdadeiramente a beleza é ver uma montanha, é extasiar-nos com o encanto das árvores; ver o fluir de um rio e com ele seguir do princípio ao fim; perder-se na magnificência, na pujança, na rapidez do rio. Porém, nada disso se acha ao nosso alcance se apenas nos preocupamos com o poder, com o dinheiro, com uma carreira. Esta é apenas uma parte do viver, e quando só nos interessamos por uma fração da existência, tornarmo-nos insensíveis, o que leva a uma vida oca e infeliz. Uma vida insignificante sempre produz angústia e confusão, tanto à própria pessoa, como aos que lhe são próximos. Não estou pregando moralismo, apenas expondo os fatos existenciais.
Cabe a seus professores não só educá-los, parcialmente, senão também de maneira total; e fazê-lo de modo que não sejam sugados pelo mesquinho sorvedouro da existência, habilitando-os, assim, a terem uma vida plena. Esta é a função do educador. A correta educação aprimora o ser inteiro, a mentalidade do homem. Propicia à mente e ao coração uma certa profundeza e a capacidade de apreciar e sentir o belo".

2 comentários:

Dihelson Mendonça disse...

De certo modo, é uma ironia do destino que enquanto alguns buscam o esplendor da alma, com todas as suas belezas e poderes infinitos, outros tantos almejam a beleza fugaz dos corpos físicos, que hão de se degradar nos cemitérios.

Isso me faz lembrar uma marchinha de Carnaval do Tio de um amigo meu, dos anos 30:

Daqui a 20 anos

Daqui a 20 anos
o que será de nós
sete palmos de terra
pra cada um talvez
vamos gozar a vida
enquanto não chega o fim
daqui a 20 anos
ai meu Deus que coisa ruim

Quem nao goza neste mundo
não sabe levar a vida
cada dia que se passa
a gente vai envelhecendo
com reumatismos, diabetes em profusão
daqui a 20 anos,
ai meu deus que confusão...

==================
Tem mais algumas estrofes, mas o mote é por aí...

Abraços,

Dihelson Mendonça

Marta F. disse...

Professor Bernardo, numa fase zen da minha vida foi meu livro de cabeceira "a arte da libertação" deste mesmo autor, já deves ter lido, muito bom.

Um abraço.