TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Zé Brasil

Por - Monteiro Lobato

Zé Brasil era um pobre coitado. Nasceu e sempre viveu em casebres de sapé e barro, desses de chão batido e sem mobília nenhuma _ só a mesa encardida, o banco duro, o mocho de três pernas, os caixões, as cuias... Nem cama tinha. Zé Brasil sempre dormiu em esteira de tábua. Que mais na casa? A espingardinha, o pote d’água, o caco de cela, o rabo de tatu, a arca, o facão, um santinho na parede. Livros, só folhinhas - para ver as luas e se vai chover ou não, e aquele livrinho na Fontoura com a história do Jeca Tatu.

A vida de Zé Brasil era a mais simples. Levantar de madrugada, tomar um cafezinho ralo ("escolha" com rapadura) , com farinha de milho (quando tinha) e ir para a roça pegar no cabo da enxada. O almoço ele o comia lá mesmo, levado pela mulher; arroz com feijão e farinha de mandioca, as vezes um torresmo ou um pedacinho de carne seca para enfeitar. Depois, cabo da enxada outra vez, até a hora do café do meio dia. E novamente a enxada, quando não a foice ou o machado. A luta com a terra sempre foi brava. O mato não para nunca de crescer e é preciso derrubando as capoeiras e os capoeirões porque não há que se entregue tão depressa com as terras de plantação.

Na frente da casa, o terreirinho, o mastro de Santo Antônio. Nos fundos, o chiqueirinho com capadete engordando, a árvore onde dormem as galinhas e a "horta" - umas latas velhas num jirauzinho, com um pé de cebola, outro de arruda e mais remédios - hortelã, cidreira e etc.No jirau, por causa da formiga.

A gente da cidade _ como são cegas as gentes da cidades !... Esses doutores, esses escrevedores nos jornais, esses deputados, paravam ali e era só critica: vadio, indolente, sem ambição, imprestável... não havia o que não dissessem do Zé Brasil.

Por que, Zé ?

3 comentários:

João Ludgero Sobreira Neto Ludgero disse...

Zé Brasil é uma denúncia contundente contra as condições sociais responsáveis pela miséria e pela falta de ânimo dos trabalhadores rurais.

O fenômeno é explicável: povo educado como rebanho mole e automático, sob o açoite do poder absoluto, vibrada pelos governadores, vice-reis, capitães-mores...; povo sofrido, flagelado por todas extorções. O moderno constitucionalismo é uma comédia vulgar, corrupta e sandia, que nos envergonha, quer no Império, quer na República.

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

João,

Veja que você vai para um texto de mais de quarenta anos e lá encontra a mesma aberração social e econômica dos dias atuais.

João Ludgero Sobreira Neto Ludgero disse...

É isso mesmo José do Vale, o pior é que bem antes era mais fácil de se resolver, hoje se tornou quase impossível uma reforma agrária.