TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

...


Minto pros que amo. Escondo as sombras que acobertam meu olhar – providenciais segredos e acertos de contas vencidos; fossos de incompreensão do que acontece na rotina exasperante. Converto esse amor numa mentira, enquanto ouço o ronco do velho no quarto abafado. Penso numa garota que sumiu entre brumas que só serviram para dar o tom de um poema inacabado.

É hora de dar um final indigno para quem me fez esmurrar as paredes, onde fotos anunciavam uma felicidade de gesso: a matarei num poema raivoso.

Fumo meus cigarros brutos, enrolados escrupulosamente na mesa de jantar já vazia. Dou braçadas em piscinas sujas pela manhã, na intenção de me igualar aos tontos; na incansável busca de manter um elo com o que se considera normal.

Escuto a música dos trovões futuros. E percebo que os outros se recolhem em casa com medo. O suor que me desce a coluna é prenúncio de uma noite longa, assombrosamente produtiva quando o assunto é largar faíscas no teclado – digito o que me surge em convulsão, tento reter o segundo, a existência, o pequeno caos particular. Mastigo o resto de fumo entre os dentes e esqueço que ser bucólico é algo impraticável pros que já nasceram sem sonhos prontos.

Onde está meu rock and roll, meu quinhão de sonho? Onde estará minha utopia reluzente e cálida?

Invento-a. De qualquer jeito. Desesperado por sacar que o tempo, coisinha abarrotada de promessas, não cede. Invento o que posso: um amor, o passado confuso, as tatuagens idealizadas tomando o corpo, o silêncio. Leio Maiakovski no coletivo e evito encarar uma tesuda que me ri de soslaio, pra que ela não se coloque à frente do universo que crio enquanto as avenidas fervem e os camelôs vendem o trabalho escravo de chinesinhos desesperançados.

Reduzo tudo à alguns takes confusos. Uso a camisa amarela do poeta russo. Adquiro o cinismo dos antiquados futuristas, enquanto reafirmo meu ódio aos boçais bucólicos e desprezo, com vigor, as linhas mortas dos Campos. Sigo radiante na Praça da Piedade, onde velhinhos blasfemam com as dentaduras frouxas. Sacando que eles não sabem que irão ser meros figurantes sem importância. Assim como você, assim como os que finjo amar de forma convincente nas noites em que escuto os tais trovões que ainda nascerão.

5 comentários:

Lupeu Lacerda disse...

chamaria de polaroide esquizóide. um maço de fotogramas doloridos. nem por isso menos belos, letais, desleais. ducaralho. poético. impactante como sempre. beat solamente beat.

LUIZ CARLOS SALATIEL disse...

Domingos, Lupeu e Gustavo! O Triunvirato da poesia contemporânea deste Cariricult.

LUIZ CARLOS SALATIEL disse...

Domingos, Lupeu e Gustavo! O Triunvirato da poesia contemporânea deste Cariricult.

Gustavo Rios disse...

Lupas, sempre meio doídos. Mas é a arma que tenho.


Mestre Sala, valeu pela colocação. Tenho parceiros dignos de notas aqui neste blog.

Carlos Rafael Dias disse...

"...esqueço que ser bucólico é algo impraticável pros que já nasceram sem sonhos prontos."

Duca, meu!