TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 9 de abril de 2010

De Lírios Ex-Piritum de Clélio Reis

Depois de muita conversa, eu e Clélio nos tornamos amigos e hoje confiamos um no outro. Sabia da sua verve poética em tempos idos e insistia para que voltasse a escrever com a intensão de publica-lo aqui no CaririCult. Me enrrolou um pouco até que hoje surpreendeu-me com uma agenda do ano de 1995 contendo uma espécie de “diário” com reflexões a respeito da vida e que escreveu de forma esparsa a partir do ano 2000. Não é nada acadêmico. É inteligente, sutil, leve e de uma sinceridade extrema.
Batizamos os textos, que a partir de hoje publico aqui, com o nome “De Lírios Ex-piritum de Clélio Reis”. Nem sei o que significa mas ficou bacana e rimos dessa nossa brincadeira.

Então lá vai:


“De Lírios Ex-piritum de Clélio Reis”

CANTO I

"Então eu lhe falei da noite escura e do dia de sol; lhe falei da mansidão e da brutalidade; lhe falei da água e da sede de amar; lhe falei de Jesus e de Buda; do desejo e do ímpeto contido; lhe falei da fome e da eternidade das noites; lhe falei do tudo e do nada; lhe falei do café da manhã e da maçã; do copo e do livro; lhe falei do poder das trevas; lhe falei de Gabriel e de Israel; lhe falei dos templos e do tempo; lhe falei de Zumbi e da cancela escancarada dando passagem para Francisco menino sedento de sonho; falei do trabalho e da ociosidade; falei do relógio assinalando o tempo e a noite; falei da televisão querendo que todo mundo a assistisse; falei do vale do Cariri e da chapada do Araripe; falei de tudo e ainda não esgotei a vida. Falei do sonho e da eternidade de Deus; falei da infância na lagoinha lá no fundo da memória do sertão solidão; falei da brilhantina dos cabelos de Elvis; falei de Sansão e de Dalila e da colonização da Lua; falei da natureza e da máquina arrogante; do silêncio e do ruido e ainda não esgotei a vida. Falei do futebol e da palhaçada; das mentes consideradas superiores e da ignorância; falei de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”; falei dos terremotos que aqui ainda não chegaram; falei de tudo e ainda não esgotei a vida. Falei da poluição envenenando o ar que respiramos; falei do gozo de uma trepada e até da masturbação; falei que todo mundo era louco, um louco varrido contendo sua animalidade; falei que os normais eram feras furiosas por dentro; que nas igrejas só tinham tolos; falei de tudo e ainda não esgotei a vida. A vida é inesgotável. Falei desse Deus que não impede que envelheçamos e morramos; falei que a vida eterna é uma ilusão; falei que a calça boca de sino tinha voltado; falei que a vida é aqui e agora. Pois quem sabe do amanhã?"

Datado: Fevereiro-2001

3 comentários:

Calazans Callou disse...

Cléio Reis, pessoa admirável, porém incompreendido. Gostei. Espero por mais.

Domingos Barroso disse...

Estrondosa e reveladora gargalhada.
Só tenho mágicas lembranças.

Clélio, forte abraço.

joão alberto lupin disse...

texto gostoso de se ler!