No Cariri, este grupo musical é conhecido por banda cabaçal. Já em Pernambuco o chamam de banda de pau-e-corda e em Alagoas, de esquenta mulher.
O primeiro relato conhecido de uma banda cabaçal no Cariri é de George Gardner, feito em 1838: “No terraço em frente ao templo, reunira-se grande multidão e meia dúzia de soldados descarregava seus mosquetes. A pouca distância tocava uma banda de música, com dois pífanos e dois tambores, mas a música era desgraçada, bem à altura dos fogos de artifícios então exibidos.”
Essa impressão negativa do naturalista escocês não representa nenhuma surpresa e coloca em debate a questão da relação entre cultura erudita, tida pela visão eurocentrista prevalecente no século XIX como cultura maior, e a cultura popular. A erudição era sinônimo de civilização, enquanto que a cultura popular era uma manifestação de um estágio cultural inferior, chamado, segundo o esquema civilizatório de Lewis Morgan, apresentado no seu livro “Anciety Society”, publicado em 1877, de barbárie. Então, a música cabaçal, na visão de um europeu, em pleno século XIX, era tida como música da pior categoria, típica de sociedade bárbaras, incultas.
No processo de colonização, a cultura dominante européia impõe seus valores como sendo absolutos, incutindo nos colonizados o fenômeno de mimetismo cultural, onde a tendência é assumir os elementos enxógenos como referências de civilização.
O próprio Figueiredo Filho conta um episódio protagonizado por seu pai José Alves de Figueiredo que, quando prefeito do Crato, na década de 1920, tentou proibir as tocatas das bandas cabaçais nas ruas da cidade, por ser bisonha e primitiva aos ouvidos e olhos dos visitantes.
É impossível deixar de lembrar a Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto, com seus ritmos envolventes, cores, alegorias e coreografias que reproduzem o trabalho camponês e o seu habitat, o sertão.
Mas, aí já é outra história...
7 comentários:
Bem, Rafael, já que começamos a discutir esse assunto no outro Blog, é importante salientar que existe a cultura universal e a cultura popular.
Sem desmerecer nenhuma.
Cada uma tem seu espaço.
Só o que complica nessas análises é o fator ARTE.
A ARTE visa ao engrandecimento, a aprofundação daquilo que já se faz. Quando beethoven compôs a nona sinfonia, ele já havia absorvido toda uma geração de predecessores, como a música de Haendel, Vivaldi, Mozart e claro, seu professor Haydn.
Quando Stravinsky compôs o Pássaro de Fogo e a Sagração da Primavera, este já veio como um salto a mais na estrutura harmônica, melódica e até rítmica de homens como Claude Debussy, e toda uma plêiade de compositores conhecidos como impressionistas. Mas estava criado o expressionismo.
O grande entrave que vejo no CULTO ao folclore, é que ele é como a religião: Dogmática.
Seria muito interessante ver as novas gerações ( a exemplo do que um Hermeto Pascoal já faz ), reunir o som da banda cabaçal à música Japonesa. Fundir elementos do canto gregoriano com o côco das mulheres da batateira, ousar aproveitar o ritmo dos anicetos e construir uma sinfonia inteira.
Isso é objeto da Arte.
A Arte não pode se basear numa mera tradição repetitiva como uma missa.
Não se pode recriar o passado!
A história da arte se baseia no princípio de que a cada era, cabe sua música, suas tendências. E cabe ao verdadeiro artista explorar da melhor maneira possível o seu tempo.
Assim como detesto o culto a uma tradição folclórica, também abomino o culto exagerado que se faz à Mozart.
Acho que os papagaios de conservatório fazem um desserviço à música quando não a entendem em sua plenitude, e insistem em repetir deuses mortos.
A música pode ser ouvida como um quadro estático. O que Mozart fez, está aí, todo mundo vê. Daí a pensar que nada pode ir além disso, é o que eu chamo de BABAQUICE mental. pois a cada dia, nasce um novo mundo para quem souber viver nele. E o homem contemporâeo saberá aproveitar todas essas coisas em sua arte.
Da mesma forma, não vejo sentido a se tentar recriar um passado que já existiu por mera tradição.
Patativa do Assaré morreu e ninguém mais pode ser patativa do Assaré, senão ele mesmo. Não adianta ficarem imitando Patativa que não dá certo.
O rumo não é imitar nem repetir, é inovar e usar a criatividade. Por isso, eu particularmente, abomino muita coisa ligada à tradição. Tem muita tradição burra! Como reza a Sante Madre Igreja.
Então, pra resumir, vou colocar assim: vamos conhecer o trabalho dos Anicetos, ( que tem mais 300 bandas de pífaros também de 90 anos de idade tocando - outro dia eu encontrei uma ótima na Paraíba e um disco chamado PIFONIA, cheio dessas bandas ), vamos conhecer seu trabalho, mas não nos limitemos a mumificar a expressão artística.
E nisso segue sempre a minha dura crítica aos homens do poder, que, sem conheciemnto da história da arte, ou com más intenções mesmo, só promovem a cultura popular, exatamente para ganhar votos entre a população numerosa, cultuando seus ídolos, suas tradições, seus costumes. É horrível ver um político querendo prestigiar uma banda cabaçal, pegando uma criança no colo, e se benzendo na missa!
Abraços,
Dihelson Mendonça
Meu caro Dihelson,
Começo e termino aproveitando uma afirmação sua:
"O rumo não é imitar nem repetir, é inovar e usar a criatividade. Por isso, eu particularmente, abomino muita coisa ligada à tradição. Tem muita tradição burra!"
E complemento: muita burrice também é cometida em nome da modernidade (ou contemporaneidade ou vanguarda). O bom É AQUILO QUE É BOM OUVIR, E QUE NOS FAZ INTEGRANTE À OBRA, INDEPENDENTE DE SER BOM OU NÃO (C0NFORME O QUE CADA UM ENTENDE DE CONCEITO DE QUALIDADE).
Não quero prolongar a polêmica, pois acho-a desnecessária...
É, Rafael. Esse terreno é muito árduo para discutirmos aqui, e já passei grande parte da vida nessa dicussão, que seria bom se um dia a gente pudesse conversar sobre todas essas coisas, que acho muito pertinentes.
Vc tem toda razão quando diz que crimes são feitos em nome da modernidade e contemporaneidade. prova disso, - ao meu ver - foi aquela outra banda de gente daqui do Crato que inventou aí uma mistura de technofunk com outras babaquices.
Não pela mistura em si. É LOUVÁVEL a idéia de se misturar, criar coisas novas. O que ficou ruim foi o resultado, porque dependeu de quem realizou.
Mas, também não quero me alongar muito, pelo menos por enquanto, senão pode dar a impressão que eu poderia ter algo contra a cultura popular, o que não é verdade! Tenho algo contra aqueles que endeusam a cultura popular como se fosse a última flor do deserto.
O mundo é grande, e nele podem coexistir muitas culturas diferentes, dentro e fora dos padrões. Mas uma coisa tem de permanecer: O esmêro, a Sinceridade do artista na hora de realizar um trabalho, e o conhecimento daqueles que o antecederam, até para não querer reinventar a roda.
Viva Anicetos, viva Stravinsky, viva Monet, Renoir, Bach, Rodin, Hermeto, Azuleita e Asa branca...
Um grande abraço.
Ah, e hoje vai ter o lançamento do livro do Zé Flávio. Estaremos lá, né ?
Viva Dihelson Mendonça!
Sim estaremos lá com certeza. Hoje é dia de nos inflarmos de contentamento, uma trégua nesta batalha diária contra as mesmices e babaquices que assolam nossa existência (pelo menos as que somos obrigados a aguentar, mesmo sem querer querendo).
Um grande abraço,
E por falar em Irmãos Aniceto, vocês já ouviram a banda formada pelas crianças (5 meninos)? É uma beleza! Os meninos são umas "figuras" que estou conhecendo agora no filme do Rosemberg.
Se estamos no cariri, semi-árido do nordeste, o que uma criança naturalmente deveria escolher como sua expressão musical: uma banda de pífanos ou uma de Jazz?
Se as crianças daqui tocassem jazz as crianças americanas tocariam pífanos?
Muito providencial, Luiz, sempre...
Meu caro Salatiel,
Seria ótimo ver as crianças Americanas tocarem pífaros. Imagina só, unir o universal ao regional. Unir o antigo no contemporâneo.
Levar Beethoven à batateira, Chopin ao morro, levar um piano de cauda pra tocar com os Anicetos!
Isso que tá faltando!
Fazer a contemporaneidade com elementos do universal e do regional. Não adianta mais criarmos casulos para se proteger da cultura do mundo achando que ela vai destruir a cultura local. Esse pensamento é retrógrado. Pelo contrário, o mundo passa a absorver o local e o universal. A palavra hoje é convergência, fusão das culturas, mantendo as características de cada região, mas buscando a interação entre todas elas.
Um grande abraço.
Lutemos por isso.
Sucesso aí nas filmagens.
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