As mudanças no mundo são tão rápidas que conhecimentos já cristalizados precisam de permanente revisão. O que sabemos da realidade global é de tal ordem, que não é incomum que se tornem anacrônicos ou até mesmo preconceituosos. A mente aberta, mesmo para aquilo que não se gosta, é necessidade para aquele que pretende entender o curso da história contemporânea. História que nem sempre responde a um adjetivo de mágoa ou uma interjeição de xingamento.
Hoje não é improvável que alguém esteja perorando numa roda, apresentando a novidade do emprego globalizado. As grandes multinacionais carregando seus galpões produtivos através dos mares em busca de salários baixos e de quadros técnicos abundantes e ociosos. É rotina que Call Centers dos EUA e da Inglaterra tenham seus postos de trabalho na Índia. Durante o dia o pessoal de arquitetura de sistemas de informações da Alemanha preparam seu projeto e enquanto dormem, programadores na Índia escrevem os sistemas, para que no amanhã alemão a solução lá esteja. Os médicos de imagem morando na Índia que dão laudos para os americanos que realizaram o exame no dia anterior.
O sucesso da economia mundial nos anos 90, especialmente a oferta de consumo americana, se deveu à produtividade com baixos salários na China, na Índia, no México, na América Latina e Leste Europeu. O preço de banana de produtos industriais foi fruto dos galpões migrantes que andaram sempre em busca de maiores vantagens. O Ceará, por exemplo, deve seu sucesso naqueles anos ao incentivo fiscal e a oferta de mão-de-obra a baixo salário comparativamente ao Sudeste e Sul do país. Pois bem, a novidade deste emprego globalizado começa a sofrer suas inflexões e a mostrar o verdadeiro papel das pessoas, que podem temporariamente ser escravas ou exploradas, mas jamais peças de utilização mecânica. A verdade é que mesmo as pequenas vantagens mudam a vida e a vida mudada não aceita o velho padrão. Foi assim com os regimes socialistas, capitalistas liberais e social-democratas em todo o século XX. /div>
Se o teu assunto é o emprego globalizado junte uma novidade à tua conversa. As multinacionais estão em busca de talentos nos países emergentes. Isso se deve ao fato de que era uma ilusão aquela idéia da mão-de-obra infinita. Na verdade já faltam engenheiros qualificados na Índia e na China. Os grandes estoques de mão-de-obra para o chão de fábrica que estavam nas zonas rurais daqueles países já compreenderam que não é vantagem a migração para favelas desassistidas, largando a vida comunitária que os protege em suas aldeias. A grande rotatividade da mão-de-obra requisitando enorme esforço de treinamento ao lado de aumentos salariais reduziu o lucro das empresas. O mais importante, os salários, em termos do poder de compra local, estão ficando cada vez mais semelhantes ao dos países centrais.
Além do mais o mercado global ao criar duas economias em locais antes muito atrasados, em que prevalece a dicotomia entre o arcaico e o moderno, o empregado qualificado e o desqualificado, tem sido fonte de tensões sociais. A violência, por exemplo, que cidades como Petrolina atrai, é fruto desta enorme migração em busca de oportunidades esgotadas. Não será fácil para as multinacionais enfrentar a emergência destes conflitos.
Aí se retorna a um fator esquecido do pensamento atual. A contradição entre trabalho e capital nem sempre é percebido como uma constante. O socialismo na velha União Soviética e a Social-Democracia na Europa disfarçaram muito bem a contradição. O advento do capitalismo global, por outra via, pois foi em busca dos países relativamente atrasados também funcionou como um redutor da organização da força do trabalho. O capitalismo moderno, informatizado, com forte base técnico-científica e especialmente financeiro, nadou de braçada nos últimos 17 anos. Mas agora já se inicia o que sempre se imaginou.
Afinal não era uma ficção a internacionalização. A própria dinâmica expansiva do capitalismo a realizou. Se o capitalismo não chegou aos países atrasados seja pela ação do Estado, por revoluções burguesas ou pelo liberalismo do século XIX, ele o realizou no pós-guerra com o fim das colônias, as revoluções sociais do terceiro mundo e a globalização dos últimos 30 anos. Enfim a canção da vitória mundial do capitalismo é também, por outro lado, o renascimento do movimento operário internacional. As centrais sindicais dos países avançados já estão em busca de alianças supranacionais e junto com a crise social e outros conflitos, tudo leva que a globalização deixa de ser uma ficção para se tornar uma realidade de fato histórica. Então não é improvável que com versos atualizados e uma canção mais moderna, ouçamos, novamente, o Hino da Internacional do Trabalho.
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