O DESPONTAMENTO DA VIGÍLIA
Há muito que a contemplação nos deixou, que o devaneio andava de mãos dadas com chapeuzinho-vermelho, e que o homem não se travestia de lobo do homem. A partir do momento em que a primeira cápsula de comunicação foi lançada ao hipertexto, houve naturalmente a inclusão dos objetos cotidianos da vida na concepção de arte contemporânea, fundando um novo convite mítico: o da fusão fragmentada e descontínua da vida com a arte. É a práxis em detrimento da contemplação.
Entre os vários aspectos dessa exposição pública e privada do ser humano, ainda mais com o auxílio irrecusável dos instrumentos cibernéticos, o que mais chama a atenção é a dicotomia vivida pelo ser humano entre a vigilância e a exposição. A vaidade humana lança a civilização em um ludismo sarcástico, e muitas vezes pernóstico, de confundir o público e o privado, o receptor em receptáculo, o espectador em espetáculo, o composto pelo decomposto. Tudo em nome do poder, em nome da posse da verdade, da posse da informação, da ideologia dominadora, e do prestígio maior no mercado das trocas simbólicas. Em uma busca determinista pela superexposição social, o banal e o trivial valem muito mais do que qualquer possibilidade de integração, é quando o ego se infla e proclama o descontínuo e a fragmentação como rei e rainha de um império decadente, esvaziadamente intolerante. É quando eu falo e tutelo o direito do outro falar. É quando eu calo para que o meu silêncio seja demolidor. É quando eu transgrido, para que apenas o outro seja transgressor. É quando eu maculo o grande cânone central, para que a minha nova voz seja fortalecida pela eternidade de poder ser ouvida unicamente É quando eu vigio para não ser vigiado. Assim vou dando ênfase ao paradoxo do panótico, um sistema de vigilância criado por Jeremy Bentham. Na concepção de FOUCAULT, o panótico é o dispositivo do poder disciplinar, como sistema arquitetural constituído de torre central e anel periférico, pelo qual a visibilidade/separação dos submetidos permite o funcionamento automático do poder: a consciência da vigilância gera a desnecessidade objetiva de vigilância. Assim, a escatologia humana cria a perversão do anonimato, que é capaz de se travestir de exposição, uma arma fundamental em tempos de comunicação virtual.
No entanto, prefiro quebrar a arquitetura da máquina anônima, do grande olho do poder e da dominação, bem como da minha inelutável tendência agonizante de ser intocável, de estar distante da mesmice, de estar além do que é discutível. Prefiro recriar a minha identidade e minhas identificações a partir das relações com o outro, da bisbilhotice do outro, da fanfarronice do sorridente. Prefiro os dentes cruéis da boca de cena, do que o beijo vernáculo da premissa, da conformidade, do empório ultrajante da exposição incólume.
Marcos Leonel
Há muito que a contemplação nos deixou, que o devaneio andava de mãos dadas com chapeuzinho-vermelho, e que o homem não se travestia de lobo do homem. A partir do momento em que a primeira cápsula de comunicação foi lançada ao hipertexto, houve naturalmente a inclusão dos objetos cotidianos da vida na concepção de arte contemporânea, fundando um novo convite mítico: o da fusão fragmentada e descontínua da vida com a arte. É a práxis em detrimento da contemplação.
Entre os vários aspectos dessa exposição pública e privada do ser humano, ainda mais com o auxílio irrecusável dos instrumentos cibernéticos, o que mais chama a atenção é a dicotomia vivida pelo ser humano entre a vigilância e a exposição. A vaidade humana lança a civilização em um ludismo sarcástico, e muitas vezes pernóstico, de confundir o público e o privado, o receptor em receptáculo, o espectador em espetáculo, o composto pelo decomposto. Tudo em nome do poder, em nome da posse da verdade, da posse da informação, da ideologia dominadora, e do prestígio maior no mercado das trocas simbólicas. Em uma busca determinista pela superexposição social, o banal e o trivial valem muito mais do que qualquer possibilidade de integração, é quando o ego se infla e proclama o descontínuo e a fragmentação como rei e rainha de um império decadente, esvaziadamente intolerante. É quando eu falo e tutelo o direito do outro falar. É quando eu calo para que o meu silêncio seja demolidor. É quando eu transgrido, para que apenas o outro seja transgressor. É quando eu maculo o grande cânone central, para que a minha nova voz seja fortalecida pela eternidade de poder ser ouvida unicamente É quando eu vigio para não ser vigiado. Assim vou dando ênfase ao paradoxo do panótico, um sistema de vigilância criado por Jeremy Bentham. Na concepção de FOUCAULT, o panótico é o dispositivo do poder disciplinar, como sistema arquitetural constituído de torre central e anel periférico, pelo qual a visibilidade/separação dos submetidos permite o funcionamento automático do poder: a consciência da vigilância gera a desnecessidade objetiva de vigilância. Assim, a escatologia humana cria a perversão do anonimato, que é capaz de se travestir de exposição, uma arma fundamental em tempos de comunicação virtual.
No entanto, prefiro quebrar a arquitetura da máquina anônima, do grande olho do poder e da dominação, bem como da minha inelutável tendência agonizante de ser intocável, de estar distante da mesmice, de estar além do que é discutível. Prefiro recriar a minha identidade e minhas identificações a partir das relações com o outro, da bisbilhotice do outro, da fanfarronice do sorridente. Prefiro os dentes cruéis da boca de cena, do que o beijo vernáculo da premissa, da conformidade, do empório ultrajante da exposição incólume.
Marcos Leonel
2 comentários:
o olho de sauron né?
quem usa o anel
sabe que tem de se esconder
o anel é a chave que diz:
informação disseminada! essa é a chave que abre a porta da cabeça.
e que calem-se para todo o sempre os que querem a informação como uma velha roupa nova escondida no baú.
seja.
quero teu livro.
um grande abraço cara.
A fragmentação com certeza veio das
trevas para nos aprisionar,nos governar,assim escrito no anel.
Talvez esteja aí também um pedaço de FOUCAULT, afinal antes da vigilância ser ação ela é discurso,
tanto pode ser todos quanto nenhum e apenas um Hobbit destruiu o "Poder", aí a práxis foi irmã da contemplação,lugar utópico :D
As profecias de Tolkien...
Não sei porque me lembrei do Lima Barreto agora, nessa de literatura e história ficou muito no que o Sevcenko escreveu aqui no Brasil e muito bem escrito.
E o Lima escreveu assim, +ou- , "nada mais fantástico que a realidade".
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