TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

domingo, 4 de novembro de 2007

Vem aí o feriado de 15 de novembro



Amigos: em meio a rumores da possibilidade de um terceiro mandato para o presidente Lula, vem aí mais um aniversário da Proclamação da República. Como sempre a efeméride não vai despertar nenhum interesse na população. Não existem comemorações para a data, nem mesmo no âmbito oficial, diferente do que ocorre, por exemplo, com o 7 de setembro. Se eu estiver errado, por favor, corrijam-me...

Cento e oito anos depois da “Proclamação” parecem atuais as palavras do republicano Aristides Lobo, em carta de 15 de novembro de 1889, ao "Diário Popular", de São Paulo:
"O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada".

A rigor a instauração da República não representou avanço nem progresso para o Brasil. Antes, foi um retrocesso sob vários aspectos. O sociólogo Gustave Le Bon foi enfático: "Um só país, o Brasil, tinha escapado a essa profunda decadência dos povos sul-americanos, em virtude de um regime monárquico que colocava o governo ao abrigo das competições. Depois o País ficou entregue a uma completa anarquia, e em poucos anos a gente incumbida do poder dilapidou de tal maneira o Tesouro, que os impostos foram aumentados em proporções desmedida"

Nenhuma forma de governo é perfeita. Todas têm suas falhas. Mas a grande maioria dos historiadores reconhece que o Brasil, à época do 2º Reinado, era uma das nações mais respeitadas do globo. Estava incluído entre os países mais importantes do mundo. Nossa moeda – o mil-réis – era cotada a par com o dólar e a libra esterlina; nosso Parlamento (“uma escola de estadistas” como reconheceria anos depois o “republicano desiludido” Ruy Barbosa) estava ombreado com os mais importantes legislativos da época como o da França, Inglaterra e Estados Unidos.

Caberia uma análise do que tem sido o regime republicano no Brasil. Apesar de alguns avanços no exercício da cidadania, é inegável que a República vai se exaurindo e algumas medidas terão de ser implementadas, por pressão da sociedade organizada. Dada a exiguidade de espaço vamos limitar essa análise apenas a dois aspectos da vida republicana:
1 - Crise institucional e instabilidade política; 2 - Uma máquina administrativa ineficiente e corrupta.

1 - A República foi implantada através de um golpe militar, o primeiro de uma série que a história do Brasil viria a registrar. Rasgou-se a Constituição do Império e baniu-se a Família Imperial. Sob Dom Pedro II vivíamos uma exitosa experiência do sistema parlamentarista, com os liberais e conservadores se alternando no poder. Talvez fosse o início da evolução política que iríamos ter em longo prazo. Com o golpe que implantou a República copiou-se o sistema presidencialista norte-americano (desconhecido no Brasil até então) e totalmente fora da nossa realidade. Cento e oito anos depois muitos vêem no retorno ao Parlamentarismo uma esperança para a sobrevivência da atual República. A Constituição do Império durou de 1824 a 15 de novembro de 1889 e nunca fora rasgada. Aliás, o Imperador Pedro II dizia freqüentemente: "Eu jurei a Constituição. Mas mesmo que não tivesse jurado ela seria a minha segunda religião". O jurista Afonso Arinos afirmou que a Constituição outorgada pelo Imperador Pedro I foi a melhor que tivemos. Depois da Proclamação da República já tivemos 7 Constituições. 6 foram violadas. A última, a de 1988 (já sofreu tantas modificações que pouco lembra a original) até agora foi respeitada. A República nos trouxe, enfim, a instabilidade política que não havia no Império. A partir de 1889 tivemos 12 estados de sítios, 17 atos institucionais, 6 dissoluções do Congresso, 19 rebeliões militares, 2 renúncias presidenciais, 2 presidentes impedidos de tomar posse, 4 presidentes depostos, 7 Constituições diferentes, 2 longos períodos ditatoriais, 9 governos autoritários, um sem-número de cassações, banimentos, exílios, intervenções nos sindicatos e universidades, censuras à imprensa, torturas e assassinatos políticos. Nada disso aconteceu no 2o Reinado, pois vivíamos num Estado de Direito Democrático. A imprensa era livre. Circulava até um jornal republicano defendendo a queda da Monarquia...

2 - Os governos republicanos aumentaram exorbitantemente os impostos para custear a dispendiosa máquina estatal e a voracidade da corrupção. No Império havia 14 impostos, e uma norma de Dom Pedro II que dizia: "Enquanto se puder reduzir a despesa, não há direito de criar novos impostos". Hoje o Brasil tem 74 impostos e a máquina administrativa é ineficiente. A todo o momento surgem propostas para aumentar a carga tributária, que é uma das maiores do mundo. O último imposto criado foi a CPMF (Comissão Provisória sobre Movimentação Financeira) que abocanha 0,38% de qualquer importância que sacamos, do nosso próprio dinheiro, depositado nos Bancos. As autoridades justificaram a criação da CPMF como necessária para o funcionamento da saúde pública. Mas a saúde pública piorou, apesar dos milhões arrecadados. O último relatório anual da Organização Mundial de Saúde classificou o Brasil em 125º lugar entre os 191 países listados. Oitava economia do mundo, o Brasil, em termos de sistema de saúde perde para países miseráveis como: Albânia, Cazaquistão, Bangladesh e Índia.
Basta ligar uma televisão para ver que a República atravessa a pior crise da sua história. A corrupção se alastra nos três poderes; a educação e saúde pública funcionam precariamente; a violência urbana e rural cresce assustadoramente; Segurança Pública? Nem nos presídios a polícia domina a situação. A previdência social faliu; a distribuição de renda é uma das piores do mundo; nossos políticos não têm credibilidade. A crise moral atinge todas as camadas sociais, afetadas pelo desemprego, pelas drogas e pela falta de civismo... Rui Barbosa, um dos articuladores da proclamação da República, cedo se desiludiu com o novo regime. Em discurso pronunciado no Senado, em 17/12/1914, afirmou:

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar de virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime, (a Monarquia) o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre - as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, (Dom Pedro II) de cuja severidade todos se temiam e que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade".

Pois Rui continua atualíssimo...

6 comentários:

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Armando: seu relato é preciso e sua argumentação cuidadosa. A comparação entre séculos, especialmente após a Revolução Inglesa, Americana e Francesa ficou particularmente difícil. Meio século já é passível de tantos saltos que fica ímpossível conservar as instituições no mesmo patamar. Na Corte Portuguesa transplantada para os trópicos temos o impacto inegável no mundo todo das guerras Napoleônicas e a rapidez com que instituições foram criadas. No primeiro reinado a paz nos mares e no continente europeu, abrindo o comércio mundial, o algodão, a carne, as lutas libertárias da América Latina, os movimentos sedicionistas pelas províncias brasileiras, isso inclusive na Regência. Quando começa de fato o Império do segundo reinado, estamos vivendo o momento mais exitoso do liberalismo econômico mundial, a consolidação da burguesia em todo o mundo, a abertura da tecnologia de base científica e a produtividade dando saltos num mercado mundial exuberante. O Brasil, inegável, ficou relativamente prá trás. O império foi capaz de manter a situação até o final do século, quando o liberalismo começava a sofre abalos, a Belle Epoque era um clímax em véspera de catástrofe até o grande susto da primeira guerra mundial. Quando o império cai não foi apenas por atos de força (aliás como demonstras bem pequena era o fogo da ação)foi essencialmente pelo esgotamento do modelo e pela necessidade de novas instituções. O momento da urbanização, da criação das classes médias, da classe operária, de novas formas de comércio mundial, de novas estruturas de financiamento, do nascimento do público em sentido mais ampliado (educação, segurança, saúde etc.), da industrialização para o mercado interno e mundial e, principalmente, pela instituição de direitos sociais ao lado do econômico. Por isso a primeira república inteira é um caldo fervente de movimentos revolucionários até descambar em 30. A instabilidade política e social foi a tônica do século XX nos países a Ocidente e a Oriente e independente da forma de governo e do regime. Mesmo no país mais estável segundo o modo comum de visão, além de serem a potência mundial em formação, nos EUA a quebra da bolsa de N.York, o desemprego fulminante e depois N. Deal foram marcas de uma era de figuração mundial. Mesmo levando em consideração esta dificuldade comparativa, acho que tens na ponta da língua a crise atual, necessitando novas instituições. Estimo que a aprofundes e a siga para tentar vizualizar onde chega. Ps. temos todos, a nossa geração, o gosto político e ideológico, argumentamos com estes valores. Por isso chamo a atenção para o teu rigor argumentativo em relação aos impostos. Os impostos são uma marca do século dos direitos sociais, do Estado como instituição estratégica da economia e da inserção mundial soberana de um povo. Imposto no quadro atual não serve apenas à corrupção e nem à manutenção pura e simples de uma corte privilegiada como foi em alguns reinados absolutistas. Ao lado de toda a sujeira, o gasto público é um elemento de valor societário e coletivo na individualidade cujo limite é o céu.

Anônimo disse...

Meu nome é Vital Correia Braga. Apesar dos meus mais de 80 anos gosto de navegar na Web.Parabéns pela reflexão do Sr.Armando e pelo comentário do Sr.José do Vale Pinheiro Feitosa(este manteve o bom nível, deve ser um homem de boa cultura), mas permita-me lembrar a pergunta feita pelo Ministro da Economia da Argentina, Roberto Frankel, ao seu colega brasileiro, o economista André Lara Rezende: "Já lhe ocorreu que um país pode não dar certo?"
É este o sentimento que muitos brasileiros carregam em relação à república brasileira.Para mim, a monarquia foi o único sistema político da história brasileira capaz de preservar o interesse público.
Afinal, ostentarmos, após 118 anos de República ( e não 108 como o Sr.Armando escreveu) uma das piores distribuições de renda do mundo o que é um fato-síntese mais do que representativo desse descaso pelo bem comum em mais de um século do regime republicano. Mas - brasileiro, profissão esperança - não nos conformamos em o Brasil não dar certo. Daí a perplexidade de Lara Resende ao pensar que este possa ser o caso do Brasil.
Diante de tudo isso, os brasileiros,os melhor informados, pelo menos, deveriam
indagar, no mínimo, se houve algum período de seu passado em que as instituições vigentes foram capazes de preservar o interesse público. E examinar, em caso afirmativo, que fatores teriam permitido que tal acontecesse. Podemos, com essa finalidade, distinguir dois grandes períodos de nossa história, marcados por profunda diferença no trato da "res publica": a monarquia e a república.
A realidade brasileira é esta: a "res publica", tão intrínseca nos regimes monárquicos, é substituída pela "res própria", tão comum nos regimes republicanos nos quais o Parlamento é transformado em praça de negócios. A barganha impera, como norma para aprovar qualquer medida, quer do Executivo como do Legislativo.Este o grande mal dos dias presentes na república brasileira...

Armando Rafael disse...

Meu Caro José do Vale,

Seu comentário enriquece a despretensiosa análise deste aprendiz de escrevinhador...
Acredito que sob o ponto de vista do progresso e do desenvolvimento material do País, o Império do Brasil não foi o atraso e a estagnação como ainda é erroneamente acusado – nas universidades públicas – por professores que não se querem dar ao trabalho de estudar e conhecer a realidade histórica daquela época.
Conforme escreveu outro dia Dom Luiz de Orleans e Bragança: “Mais de 100 anos já se passaram, e os contrastes entre o Brasil - república e o Brasil - Império só têm crescido. No tempo do Império havia estabilidade política, administrativa e econômica; havia honestidade e seriedade em todos os órgãos da administração pública e em todas as camadas da população. Havia credibilidade do País no exterior; havia dignidade, havia segurança, havia fartura, havia harmonia”...
Na verdade, o Império do Brasil era – de fato e de direito – a primeira nação da América Latina, hegemonia que foi conservada até o último dia da Monarquia”...

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Armando Rafael e Vital Correia Braga: um pouco agastado com a ocupação desse espaço na internet que poderia ser de outros, volto ao tema com vocês. Tem um aspecto da nossa crítica histórica de natureza pendular, ora vai ao ufanismo e por outro desce a um sentimento despojado. Não me refiro ao que defendem do momento imperial, mas à essência da nossa crítica. Em parte a crítica ao atraso relativo tem referência histórica em qualquer nação que pretendeu, no seu horizonte imediato, atingir o avanço institucional que significou a Revolução Industrial e a instalação do capitalismo, especialmente o mecanismo financeiro. Estas nações para superar os estratos de seu tempo, arrumar capital para investir em máquina e ter forças militares para a conquista do comércio mundial, sempre tiveram um forte discurso crítico em relação ao atraso. É o caso da Alemanha, da própria Revolução Americana e outras mais pela Europa. Mas no Brasil esta crítica é um páthos da narrativa. Por esse páthos nossos erros não inamovíveis, nossas diferenças são irredutíveis, maldizemos o presente pelo nosso passado e lamentamos o passado pelo nosso futuro. É tipicamente uma lamentação, melancólica e triste. Temos motivos para sermos diferentes frente ao quadro que vemos, acho que sim, mas muitos não pensarão assim. Então onde poderíamos dialogar? Acho que olhando para essa marcha urbana, a mobilidade social que trasformou os filhos de pequenos agricultores do interior em classes médias, o filho do vaqueiro em operário e os filhos dos pescadores em algo diferente socialmente do que foi o pai. A mobilidade é pequena, a urbanização é com serviços precários, a educação pública é deficiente, a segurança pública um covardia,tudo isso é dado da realidade. Mas comparativamente ao tempo de nossas vidas, mudanças profundas ocorreram e continuarão a ocorrer. Nada descerá dos céus como chuvas de bonanças, tudo brotará do chão com o vigor da fertilidade e os ajustes necessários ao crescimento. Sei da ocorrência da injustiça, da corrupção e da violência. Sei da instabilidade dos governos democráticos, assim como sei da instabilidade dos gabinetes do império e do parlamentarismo. Sei de tudo isso e por isso entendo que devemos analisar o momento com os elementos dele, mesmo que algo estrutural nele exista. A nossa decepção nunca foi matéria projetada para o futuro, sempre foi em relação ao passo anterior. Lembro que quando médico jovem aqui no Rio fui trabalhar com a cara e a coragem numa Favela. Bem no meio dela, junto ao povo abominado pela classe média da Zona Sul da Cidade. Muito professor universitário da época e muito jovem estudante se dedicavam á denúncia do que mal que se fazia àquele povo. Eu também achava que faltava política pública, faltava luta para superar aquela situação inerte. Fui ficando anos, fiz minha tese de mestrado estudando a epidemiologia da tuberculose e vendo o quanto os indicadores eram infinitamente superior aos do asfalto. Mas da permanência é que me veio algo novo. Foi quando descobri que a tese dos professores estava errada: o povo não era perdedor, exatamente ao contrário era vencedor. Recolhi inúmeras lutas na adversidade, eram aqueles mesmos que pegaram um pau-de-arara como na Triste Partida do Patativa do Assaré e sem parente, aderentes e amigos se implantaram na megalópolis. Tinham uma casa, tinham algo para viver e tinham uma família de qualquer forma. Foi com a história desta gente que meu futuro pessoal se ampliou e penso em manter a aridez do meu trajeto, mas pensando em ajudar a ser uma sociedade muito melhor e mais justa. Pode ser fantasia, ingenuidade, tudo isso aceito, menos dizer que somos perdedores.

Carlos Rafael Dias disse...

Eu perdôo tudo: 70 anos de monarquia, 119 anos de república, 28 anos de ditadura, 5 anos de Sarney, 8 de FHC. Mas 12 anos de Lula, com a possível ameaça de uma ditadura petista - isso não! Prefiro morrer lutando.

O Brasil, com todo "karma" que tem, não merece esse azar...

Armando Rafael disse...

É Carlos,
quando escuto hoje petistas que, no passdado, condenavam
as monarquias alegando - erroneamente - que os reis governavam por vários anos seguidos (quem governa na verdade são os gabinetes que se revezam e caem por um voto de desconfiança do Palamento a qualquer momento) e agora defendem o governo perpétuo do ditador Hugo Chávez e querem um 3º mandato para Lula eu vejo como essa gente é incoerente...