A árvore de Natal da casa mais rica de minha cidade tinha vinte e quatro lampadinhas coloridas que acendiam e apagavam. As outras casas possuíam instalações elétricas com seis, doze e até dezoito lâmpadas; mas, vinte e quatro luzinhas e um pisca-pisca somente no bangalô de primeiro andar. Tanta luz realçava o poder e orgulho da família rica. Assim que escurecia abriam-se as portas da casa, deixando a árvore miraculosa à mostra para deslumbre das crianças e inveja dos menos poderosos.
A cidade se chamava Crato, ficava na região verde do Cariri, no seco Ceará. Apesar de ser banhada por nascentes d'água e cercada de matas, no mês de dezembro fazia calor e nada lembrava pinheiros ou neve. As pessoas inventavam simulacros de árvores de Natal com papel celofane verde, cobertos de capuchos brancos de algodão.
O mais comum entre os pobres era enfeitarem as casas com pequenos presépios de gesso ou argila, confeccionados pelos artesãos locais. A imagem de um Menino-Deus deitado numa manjedoura andava de casa em casa para adoração e recolhimento de esmolas. O dinheiro, é claro, engordava os cofres da Igreja. Não devia ser nenhum tesouro, pois tudo era modesto naquele mundo, exuberante apenas em água e florestas.
Naquele tempo e naquela cidade, ainda se vivia o Natal como a celebração do nascimento de um Menino, que veio salvar a humanidade. Ele era o personagem absoluto da festa, nenhum outro competia com ele. Papai Noel não chegara montado em seu trenó, nem tinham inventado ainda o peru da Sadia. A árvore com vinte e quatro lampadinhas piscando representava o primeiro alienígena a nos seduzir para um mergulho sem volta na barbárie do consumo. Desde então, as vinte e quatro luzes se multiplicaram por milhares e milhões no mundo inteiro, apagaram o brilho das estrelas e da lua, tornando a noite igual ao dia.
As cidades brasileiras se repetem, imitam um modelo americano, facilitado pelos baixos custos da indústria chinesa. É tanta luz por todos os lugares que cansa os olhos e a paciência. Casas, apartamentos e lojas competem nos balangandãs, em caixinhas sonoras, guirlandas, velas, bonecos de neve, Papais Noel, sininhos e outros barulhos. Cada vez mais ausente da festa natalina, o Menino Jesus é imagem apagada, quase relegada ao esquecimento, sobretudo nas novas gerações. Num tempo em que o catolicismo já não possui tanto significado ou poder, as crianças e jovens foram mais doutrinadas no catecismo do consumo do que nas regras de pobreza, modéstia, castidade e obediência.
O Natal se transformou numa festa de comilanças e presentes, um novo carnaval. É impossível reconhecer nele os festejos amados por São Francisco de Assis, o santinho pobre de Deus, que inventou o presépio e pôs toda a natureza, os animais e os astros em adoração ao Menino Deus. Vaquinhas e boizinhos agora aparecem nas mesas na forma de deliciosos presuntos e lingüiças. O galo, galinhas e patinhos da manjedoura, todos os que adoravam Jesus, arreganham as pernas em assados cobertos de ameixas. E os porquinhos, essas criaturas de Deus? Do presépio para o forno, transformados em suculentos pernis.
E o mais supremo de todos os personagens natalinos, o peru, Rei do Natal, arregala os olhos das pessoas quando surge despudorado numa bandeja de prata ou cristal da Boêmia, enfeitado com frutas, amêndoas e nozes. Dá de dez a zero no Menino Jesus, tão humilde na manjedoura. Poucos sabem quem ele é. Só por teimosia de uma avó conservadora, deixaram que o pusessem num cantinho escuro de um armário da sala. Essas avós que deseducam os netinhos! Deixa pra lá! Quem liga pra Menino Jesus em festa de Natal?!
Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca e Livro dos Homens. Assina coluna na revista Continente.
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