TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

ALGUMAS ANOTAÇÕES PARA VOCÊ NO FUTURO - por José do Vale PInheiro Feitosa


Infelizmente não posso olhar nos teus olhos, tocar tuas mãos, ouvir tua voz, dizer-te palavras. Igualmente não posso comentar sobre o teu tempo, o desconheço totalmente. Não sei se contigo o futuro será mais óbvio, pois nestes tempos em que vivo, o futuro não passa de desejos de pessoas ou grupos sociais, tomando como referência o nosso presente. Pois bem, não posso ter presença física, mas terei estas linhas escritas em falsa tinta, a tinta eletrônica que não é tinta, apenas, nestes tempos, um feixe sobre uma tela de cristais líquidos. Poderia ter o recurso da gravação tanto para evoluir sobre teus ouvidos como sobre a tua visão. Mas preferi a dos códigos escritos, mesmo sabendo que contigo poderá ser um código arcaico e difícil de interpretar.

Não passarei um panorama geral dos tempos nos quais vivo. Falarei de duas características destes tempos e para mim, imagino, que sejam suficientes para compreenderes tal qual são estes tempos. A primeira delas é que vivemos um tempo em que as pessoas migram constantemente. Se locomovem distâncias incríveis em termos de alguns séculos atrás, não sei se será igualmente espantoso, mas centenas de milhões de pessoas estão neste exato momento de um lado para outro das cidades, entre cidades e continentes. A cada ano os aviões levantam vôos o suficiente para transportar uma vez e meia a população inteira da terra. Isso numa divisão social e econômica em que milhões jamais se transportaram ou se transportarão em aviões.

A segunda característica. A noção exata da transitoriedade da vida. A vida não é mais um processo integral como foi. De tantos apetrechos, penduricalhos, falsas noções de integridade, fatuidade de princípios ditos imutáveis, o humano virou um teatro com alguns entreatos, mas todos muito fugazes e em vias de desfecho final. Por isso estamos sempre mudando de lugar como dito e trocando de referências a cada tempo. Tanto nas emoções, quanto no cenário da vida, as pessoas estão perdendo um status e adquirindo outro.

Veja o meu exemplo. Daqui a três dias viverei as duas características. Irei me deslocar milhares de quilômetros e mudarei todas as referências da vida prática. Irei de avião do Rio de Janeiro, uma cidade localizada no hemisfério sul das Américas, num país chamado Brasil, até uma outra cidade a nordeste do referido país, chamada Fortaleza. Desta cidade, por veículos automotores que queimam combustíveis fósseis não renováveis, irei até uma cidade menor chamada Paracuru. Aqui trabalho numa Agência do Estado Nacional, serei apenas um morador em gozo de férias, entre um lugar e outro sou duas pessoas.

Na primeira vivo o jogo das representações sociais, políticas e econômicas. Existem os que pensam em outras esferas com os quais os seres humanos são caracterizados: psicológicas, culturais, intelectuais e tantos retalhos que deste modo nos sentimos fragmentos costurados um ao lado do outro. Tem a questão do trabalho, hierarquizado, com tarefas a cumprir, o controle de teu tempo, os jogos políticos de poder e as frustrações que sobrevêm ao eterno incompreensível dos "por quês" de tudo isso.

No segundo mundo, deixo aquele para trás, sou outra pessoa. Com outras representações, mais enxutas, menos retalhos. Ali posso representar até para mim mesmo. Ser um tanto "irresponsável" no jogo do poder, relaxar na disciplina intelectual e cultural, falar outros verbos, adjetivar as coisas de modo diferente. É que em Paracuru, os substantivos são outros: o mar, o sol, a terra e o vento. É como se dentro de uma edificação fechada todas as paredes caíssem e o teto sumisse. Neste momento, nos rápidos feixes de sentimentos, que disseram ficam guardados na mente de uma geração a outra dos humanos, entre em contato com a materialidade de quem sou em relação à natureza planetária e terráquea da vida.

Um comentário:

socorro moreira disse...

Uma casa sem teto é sempre muito engraçada , como dizia o poeta !
Um céu , onde o chão é mar ...
Um homem sem becas , a vadiar ... Ah ... Tudo que há !