Meus dois avôs tiveram influência musical decisiva na minha vida. Antônio, o pai do meu pai, tinha um baú de preciosidades no sertão do Piauí: um rico acervo de longueplêis de talentos como Luiz Gonzaga, Marinês e Jackson do Pandeiro. Só música nordestina, que a gente ouvia de vez em quando numa radiola de pilha.
(A primeira vez que escutei de novo velhas gravações de Luiz Gonzaga no Ceará, 23 anos depois de morar em São Paulo, foi inevitável a garganta apertada, os olhos úmidos, a memória acesa...)
José, o pai da minha mãe, tinha mais que um baú: tinha um aparelho de rádio daqueles antigões, lindo, diante do qual se concentrava com prazer para sintonizar estações do mundo todo. Lá ouvia de música mexicana a tangos argentinos, de canções russas a foxtrotes norte-americanos. Esse gosto musical ecumênico, que incluía de peças do folclore caririense a sinfonias e óperas, sempre me causou muita admiração.
Eu era o operador voluntário do seu gravador de som, daqueles de fita. Aliás, o aparelho era do museu que funcionava na sala de sua casa, na rua Miguel Limaverde, e depois se transformou no Museu do Crato. Gravávamos a Banda de Pífanos dos Irmãos Aniceto, o maneiro-pau, os reisados... Mais tarde encontrei minha forma de retribuir apresentando as canções dos Beatles, que ele passou a pedir para escutar sempre que ia à minha casa. Tinha suas predileções, como If I Feel, And I Love Her e outras composições de John Lennon e Paul McCartney.
Como os ouvidos sem fronteiras do meu avô José, as canções dos Beatles sempre me soaram feito uma espécie de esperanto musical, acessível em qualquer parte do mundo. Certa vez aproveitei essas percepções numa composição ainda inédita em disco, que diz:
“Quando meu ouvido encontra o seu / todos os ruídos tornam-se um som / Todos os signos, todos os indícios / O Atlântico bebe onde bebe o Pacífico / Feito Beatles / Esperanto / Entre nossas línguas já não há Babel / Eu em São Paulo / Escutando o mar / No búzio que você me deu / Em tudo que você me dá”...
Aos meus avôs Antônio de Alencar Araripe e José de Figueiredo Filho (foto), onde estiverem, à maneira de Zé Ramalho saúdo: Avôhai!
Tiago Araripe
5 comentários:
Tiago,
Muito legal essas suas recordações, que você nos revelou de forma tão poética. Bastante interessante, igualmente, foi a revelação de que o grande "folclorista" J. de Figueiredo Filho, seu avó materno, curtiu também os Beatles. Uma prova de que a boa música não tem fronteiras nem barreiras etárias.
No mais, seja bem-vindo ao Cariricult, que a partir de agora passa a contar com um colaborador que tem boas histórias para contar.
Grande Tiago,
Conheci J.de Figueiredo Filho. Seu escrito trouxe-me, também, saudade dele. Outro dia via uma matéria que ele escreveu para o jornal "O Povo", na década 40, quando falava sobre os fósseis e dissertava sobre sociologia da Chapada do Araripe. O homem tinha valor. Era visionário. Continua sendo o grande intelectual da Cidade de Frei Carlos...
Caros Carlos e Armando,
O blog CaririCult é muito dinâmico e diversificado. Parabéns a todos que o fazem.
Meu avô José foi uma das pessoas mais marcantes de minha vida. Quando eu era criança, ele me propunha exercícios de versos e rimas que - acredito - auxiliaram no desenvolvimento da minha veia poética. Era muito generoso com as pessoas, e um estudioso permanente das coisas do Cariri.
Agradeço a oportunidade de poder trazer à tona essas memórias que, acredito, possam mostrar novos ângulos das pessoa que ele foi - e do espírito que ele é.
Grande abraço
Tiago Araripe
Tiago,
Que bela homenagem, rapaz!
Um grande abraço,
Positivo, Salatiel. Tem alguns textos bem interessantes de J. de Figueiredo Filho. Vou procurar nos meus papéis, para reproduzir. É importante as novas gerações terem acesso a essa memória.
Grande abraço.
Tiago Araripe
Postar um comentário