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domingo, 24 de fevereiro de 2008
'Renúncia de Fidel é derrota para imperialismo norte-americano’, diz Coggiola
Por: Najla Passos
A renúncia de Fidel Castro à presidência de Cuba vem suscitando especulações diversas em todo o mundo. Confira, na entrevista abaixo, como o professor titular da Universidade de São Paulo - USP, Osvaldo Coggiola, um importante intelectual trotskista da academia brasileira, analisa o fato e tenta antever seus desdobramentos. Argentino radicado no Brasil, Coggiola é reconhecido por pesquisar temas relacionados ao comunismo e à economia marxista. Possui graduação em História e Economia pela Universite de Paris VIII, onde também concluiu sua especialização em história. Mestre e doutor em História pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, cursou o pós-doutorado na USP.
1 - Qual o significado prático da renúncia do presidente Fidel Castro?
Ele pode, ainda em vida, aprovar a sua “sucessão”. Se morresse sem fazê-lo, a questão se tornaria mais polêmica (como aconteceu com a morte de Mao Tse Tung, na China, em 1976). O novo governo será eleito pela Parlamento e Fidel deverá indicar a cúpula desta nova composição política. Serão eleitos ao todo 31 membros do Conselho de Estado, além do presidente. O mais provável é que Raúl Castro, seu irmão, seja eleito presidente do Conselho de Estado. Fidel se retira do poder político por própria vontade, depois de 49 anos de bloqueio imperialista de Cuba, de uma invasão (Baía dos Porcos) e de inúmeras tentativas de assassinato por parte da CIA. Isso é uma derrota do imperialismo norte-americano.
2 – Como isso afetará o socialismo real de Cuba? Existe, de fato, uma pressão popular pelo retorno ao capitalismo, como faz parecer a imprensa convencional?Não existe “pressão popular pelo retorno ao capitalismo”. Essa pressão existe, mas não é popular. Na verdade, em Cuba já se vêm os sintomas de um processo de mobilização popular, em cujo caso, América Latina passaria a ter em Cuba seu principal cenário político. Os estudantes da Universidade de Informática interpelaram o presidente da Assembléia Nacional, Raúl Alarcón. O estudante Eliécer Ávila apresentou suas posições com toda energia, reivindicando liberdade de informação e o direito de viajar ao exterior, recebendo aplausos entusiastas. Alarcón respondeu como um burocrata fossilizado. Os meios imperialistas se apressaram em informar que Eliécer tinha sido detido; era uma noticia falsa e interesseira: o jovem não poderia ser sancionado sem suscitar uma mobilização popular. E, nas recentes eleições, com chapa única, a 20 de janeiro passado, vários secretários gerais (do partido comunista) encabeçaram a lista dos menos votados em suas regiões. O repúdio à burocracia e a um regime de cerceamento das liberdades políticas começa a ter uma expressão massiva. Os “cantautores” Pablo Milanés e Silvio Rodríguez, socialistas 100%, reclamaram mais liberdades culturais e políticas nos últimos meses. Esta é a verdadeira chance do socialismo em Cuba, com repercussões para toda América Latina.
3 – E existe o risco de uma intervenção externa, essencialmente norte-americana, em Cuba? O imperialismo aposta num processo de reversão política, de restauração “pacífica” do capitalismo, aproveitando as contradições do regime, mas conserva na manga (e prepara) uma eventual intervenção militar. O imperialismo nunca aposta numa carta só - por isso domina o mundo, caso contrário já estaríamos no socialismo. Várias das reivindicações democráticas que estão se apresentando representam aspirações das camadas superiores da sociedade cubana, por exemplo o direito de sair ou entrar no país. Podem sim converter-se em palavra de ordem de uma política de restauração capitalista. Os socialistas revolucionários - e é claro que em Cuba eles existem - defenderão a responsabilidade e revogabilidade dos funcionários estatais e dos legisladores, a paridade de salários; a liberdade de reunião política, de assembléia e de manifestação; a abertura das contas das empresas privadas internacionais e das empresas estatais, o controle da produção pelos trabalhadores. Isto se opõe à burocracia e também à restauração capitalista.
4 - Do ponto de vista simbólico, a saída de Fidel Castro pode significar o fortalecimento de movimentos contra-revolucionários, tanto em Cuba como nos demais países, como por exemplo a Venezuela?Não. O envelhecimento, e eventual morte, de Fidel, são processos naturais. É claro que se os movimentos revolucionários se limitassem a reivindicar lideranças carismáticas (Castro, Chávez ou qualquer outro) eles não teriam futuro. O poder dos trabalhadores não se confunde com o culto a “salvadores”. O papel revolucionário de Fidel na revolução Cubana de 1959-1961 já está na história. E quem quiser devolver Cuba à situação prévia a 1959, aquela que se vê no filme “O Poderoso Chefão II”, pode mudar de planeta.
5 – Desse mesmo ponto de vista, o fim do governo de Fidel afetará o sindicalismo latino-americano, e em especial o brasileiro?Não vejo como. O movimento dos trabalhadores latino-americanos tem raízes muito profundas. A questão cubana, sua defesa contra o bloqueio e agressão dos EUA é, e será cada vez mais, latino-americana e internacional, de todos os trabalhadores.
6 - Qual o legado que a figura de Fidel Castro deixa para a América Latina e para os povos em geral?Que só é possível se libertar do imperialismo através do socialismo e que, se o imperialismo pôde ser derrotado numa ilha situada a poucas milhas de suas costas, ele pode também sê-lo no continente e no mundo todo. Com coragem, decisão e direção política.
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