TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

VALE ?


O prefeito Sanderval Bandeira pareceu preocupado naqueles dias. Seus secretários imaginaram que podia se tratar de alguma pendência familiar, alguma infuca de D. Generosa que, apesar do nome, virava uma cascavel de guizo cheio quando descobria alguma tramóia do nosso edil. O prefeito mantinha algumas gambiarras na redondeza, mas eram mais escondidas do que quenga de pastor. Seu secretariado nunca imaginou que as preocupações tivessem alguma causa ligada à administração de Matozinho. Sanderval simplesmente tinha o Fundo de Participação da cidade, como uma mera extensão da sua conta bancária. Montara uma quadrilha e saqueava os cofres matozenses sem nenhum pudor. O contador arrancava todos os cabelos da cabeça para fechar as contas no final do ano, tanto que era conhecido na vila pelo apelido de Mandrake. No último final de ano, já louco com tanto exercício de prestidigitação e ilusionismo , deu com a compra de um touro de raça para fazenda de Sanderval, além de um calção de banho caríssimo, coisa de mais de setecentos reais,feita, como sempre com dinheiro público. Como diabos ia colocar legalmente aquelas aquisições em meios aos afiados dentes da Lei de Responsabilidade Fiscal ? Mandrake procurou o edil e lhe explicou a impossibilidade de enquadrar aquelas compras nas pautas de Contabilidade Pública. Sanderval , resolveu salomonicamente a questão:
--- Que besteira é essa Mandrake ? Você é ou não contador ? Coloque a compra do touro na Secretaria de Tourismo e o calção coloque como gasto da Secretaria de Edu-calção! Pronto !
Com tamanha capacidade de contorcionismo, ninguém sonhou que os motivos da sisudez de Sanderval tivessem causa ligada à administração da cidade. À tardinha, o prefeito resolveu, por fim, reunir todos os correligionários que ocupavam cargos de confiança, naquela administração que carregava o auto-explicativo slogan : “Governando para Nós”. Portas fechadas e travadas, um Sanderval com cara de chupão de groselha abriu a alma. Lembrou a todos que há exatamente dois anos, para facilitar os gastos da máquina pública matozense, havia criado o Vale-Vale. De posse de um cartãozinho padronizado, assinado pelo prefeito, todos os secretários podiam fazer vales no comércio de Matozinho e arredores e a prefeitura se comprometia a pagar, após os devidos empenhos, a cada final de mês. Estava implícito que os gastos deveriam ser para as necessidades básicas de cada secretaria , já que Sanderval acreditava , piamente, nos seus funcionários. A experiência havia sido tão boa que aos poucos o Vale-Vale foi se estendendo para os demais escalões administrativos e até Pedro Tripa Velha que era auxiliar de limpador de tripa no matadouro da cidade, possuía um daqueles cartãozinhos mágicos. O problema, explicou Sanderval, é que vereadores da oposição, numa ciumeira danada, denunciaram o Vale-Vale no Tribunal de Contas da capital e como Sanderval não se bicava com o atual governador, mandaram vários auditores para fazer uma devassa miserável nas contas da sua administração, por mera perseguição política. Recebera , naquele dia, uma cópia do Relatório Final da Auditoria e, o pior, os vereadores de oposição tinham em mãos uma outra cópia há mais de dez dias e tinham enchameado em toda Matozinho as pequenas irregularidades encontradas.
Abriu uma resma de páginas que mais parecia uma apostila de Direito Constitucional e começou a enumerar as deformidades. A Secretaria de Igualdade Religiosa , criada para diminuir a briga entre o pessoal do Candomblé, da Igreja Católica e os Protestantes, encabeçada por Pedro Incelença , ligado à Seita dos “Zabelês Encarnados”, emitira em vales, só no ano passado, mais de sessenta mil reais, a maior parte em bares e na Boate Piriquitão , ali na Rua do Caneco Amassado. A Secretaria para Extinção da Pobreza, liderada pela elegante Sra. Matilde Bandeira, lançara mais de cem mil reais em vales , principalmente na compra de maquiagem, de vestidos , perfumes e sapatos e em salões de beleza. A Secretaria de Educação soltara mais de setenta mil reais em vales na compra de Revistas Masculinas, Aluguel de Filmes Pornôs e na aquisição e distribuição de CD´s de Bandas de Forró. O Secretário de Cultura e Esportes , Zequinha Bilu, por sua vez, largou mais de oitenta mil reais em vales principalmente na aquisição de quebra-queixo, passa-raiva, cavaco chinês e cavalos, possivelmente pensando em implementar o hipismo na região. O mais esquisito, no entanto, aconteceu na Secretaria de Saúde, Mundim Cibalena, o Secretário, torrou mais de cento e vinte mil reais em vales na compra de cigarro, pinga e , pasmem vocês, dois milhões de supositórios.Sanderval , então, explicou que o problema maior não se atinha às compras, mas ao desgaste político, pois a oposição já contava e aumentava as peripécias acontecidas com o Vale-Vale , em toda Matozinho. Pediu, então, que todos encontrassem, rapidamente, explicações convincentes para os gastos.
A elétrica língua do povo já chamuscava, àquelas alturas, as autoridades políticas da cidade. À noite, na praça da matriz, Rui Pincel, o filósofo da vila, fez o mais abalizado apanhado da questão do Vale-Vale :
--- Só um doido ou um cabra sabido demais, para criar um negócio desses. Estes secretários não têm condição de fazer vale nem com o dinheiro deles, quanto mais usando o dos outros, a fundo perdido ! Com pólvora alheia ninguém toma chegada ! O prefeito Bandalheira desta vez se superou ! A coisa foi tão feia que até Antonio do Vale, dono daquela oficina de consertar bicicleta, depois do Vale-Vale, resolveu mudara o nome, agora só quer ser chamado de Tõin das Bicicletas . De todas estas compras doidas feitas com os vales, pelos apaniguados do prefeito, só existe uma que eu acho que foi extremamente necessária: a dos dois milhões de supositórios. Depois de tanto fumo no povo de Matozinho, é bom um refresquinho no fiofó, num é seu Mundim Cibalena ?

J. Flávio Vieira

2 comentários:

Dihelson Mendonça disse...

Ô, Zé, já tava sentindo a sua falta. Que sumiço foi esse ? resolveu emendar do Carnaval de Olinda?

Aliás, eu ia passar lá no consultório nesta semana, para conversar um pouco, tirar seu escasso tempo e pegar aquela "receita" do remédio, mas acabou sem dar certo. Meus horários estão muito esquisitos. Mas devo passar na próxima semana.

Como novidade, estou querendo enviar o Frevo que compus ( e dediquei à você ), para a orquestra SPOK FREVO, realmente uma orquestra maravilhosa. vamos ver no que dá.

Um grande abraço,

Dihelson Mendonça

Marcos Vinícius Leonel disse...

excelente! você é realmente um grande contador de causos. Ainda esta semana, digo a de 18 a 22, estarei postando a rezenha crítica do seu livro, aliás, do seu grande livro!
um abraço!