Cd para curar remela de ouvido
Marcos Leonel
“Luiz Carlos Salatiel lança o cd “Contemporâneo”, avisando que a vida inteligente na música cearense sobreviveu”
Em meio à letargia mambembe da música cearense, em pleno sol de outubro, Luiz Carlos Salatiel lança no Cariri o seu primeiro registro sonoro: “Contemporâneo”, caloroso como urge o tempo. Assim Craterdam anuncia a sua inquietação, cria referenciais e alimenta velhos questionamentos sobre a música e a arte em tempos atuais.
Marcos Leonel
“Luiz Carlos Salatiel lança o cd “Contemporâneo”, avisando que a vida inteligente na música cearense sobreviveu”
Em meio à letargia mambembe da música cearense, em pleno sol de outubro, Luiz Carlos Salatiel lança no Cariri o seu primeiro registro sonoro: “Contemporâneo”, caloroso como urge o tempo. Assim Craterdam anuncia a sua inquietação, cria referenciais e alimenta velhos questionamentos sobre a música e a arte em tempos atuais.
Os altruístas do imediato afirmam que a arte é para todos e que assim ela deve ser estimada em todas as suas dimensões, desde as quinquilharias da canastrice imbecilizante até os anseios criativos de libertação. Não sei se é corroborando o socialismo de camelô, que prega a igualdade tendo como padrão o medíocre, mas o fato é que no passo dessa assertiva intelectualóide a música cearense vem chafurdando na farofada amarela do passadismo, em que genial é ser cover de mala e cuia debaixo de uma tenda com musca escrivida in ingrês, ou sair tocando sanfona em qualquer bodega de beira de estrada, fazendo apologia de cabaré, montado num jegue aprimorado com ar-condicionado. Esse não é o caso de “Contemporâneo”, e é justamente por isso que Salatiel incomodará, por ser esse cd indicado para curar remela de ouvido.
“Contemporâneo” tem 12 músicas enxutas e bem arranjadas, com duas exceções, e aqui cabe uma digressão sobre Manel d’Jardim, que prefiro louco do que cafuçú banhado pelo mar. O cd começa com Limite e termina com Craterdam, já sem portas e janelas, livre e criativo. O repertório escolhido por Salatiel privilegia parcerias inspiradas com Geraldo Urano, o poeta do estranhamento, e Pachelly Jamacaru, compositor universal e sofisticado. Além deles comparecem Cleivan Paiva, José Nilton, Abidoral Jamacaru e Tiago Araripe, estrelas autênticas e raras. Esse apanhado praticamente conta a história de uma época, em verdadeiras visões do paraíso, em que flutuam bacalhaus, baleias, caravelas, jangadas, homens-pássaros, Rutes e revoluções, todos amalgamados pelo bom gosto. As exceções ficam por conta da letra de "Canção Cristalina", que parece ter sido extraída do diário secreto de Gonçalves Dias, e do arranjo capenga de Melquíades, conservado nas geleiras dos barzinhos.
A linguagem do cd é realmente contemporânea e o elenco de músicos é de primeira linha, com as presenças mais do que providenciais de Miguel, Hugo Linard, Bonifácio e Naílton. A magia dos arranjos faz com que o ouvinte viaje do regional para o universal através de sotaques diversos, com direito a citações pianísticas de Ibertson, cada vez mais moderno, acordes radicais de Manel, e uma interpretação inesquecível de Hugo e Leninha Linard, além, é claro, da polifonia inebriante de Craterdam, com seus pedais arquetipais e seus contra-pontos desconcertantes.
Em “Contemporâneo”, respira-se ar puro, sem a fedentina rotineira das letras do oxente music. A força das letras de “Contemporâneo” transcendem através da interpretação versátil de Salatiel, dono de leituras essencialmente autorais das composições alheias e suas. Se no instrumental falta um certo leque maior de timbres, isso não falta na voz, que passeia do irônico em “Seu olhar no meu” ao suspense sentimental em “Cine Cassino”, pequena obra prima de Tiago Araripe, ex-Papa Poluição, lendária banda brasileira dos anos 70, além de explorar as nuanças misteriosas de uma heroína, na impagável “Dona Rute, meu amor”, com Geraldo Urano nos ajudando a viver melhor com a sua nobre visão peculiar da realidade.
Esse é um lançamento imperioso pelo seu porte e pela sua intenção. O valor do artista se dá pelo valor que ele atribui à arte. Se o juízo final da economia das trocas simbólicas é agora, fique tranqüilo, pois “Contemporâneo” chegou, vindo de Crato Cósmica, com as graças de Kuan Yn e o poder dos querubins.
Essa resenha foi publicada no Jornal do Cariri no período do lançamento do cd de Salatiel. Estou postando agora no Cariricult por dois motivos, primeiro motivo é que o cd não perdeu nada da sua importância e segundo motivo é que essa postagem faz parte dos meus registros, agora coletados, e ainda vários por serem coletados, no meu blog: http://marcosleonel.blogspot.com/. Aproveito para convidar a todos para uma espiadinha, lá você encontrará artigos, resenhas, poesias, fotos, vídeos e curiosidades diversas.
3 comentários:
� interessante como essa foi a �nica cr�tica escrita dessa obra. Marcos, de forma competente, decodifica todos os signos desse nosso tempo "contempor�neo".
Um abra�o,
Tudo que Salatiel faz é muito bem cuidado. Não percebê-lo é descuido !
Sou suspeito pra opinar, pois tenho uma relação de amizade/irmandande com Salatiel que já dista, desde que o vi ao vivo pela primeira vez, em 1984, façam as contas...
Esse CD é antológico, pelas qualidades reunidas: letras, músicas, arranjos, cast of musicians, etc
Quando acordo meio down, não tenho dúvida: contemporâneo na caixa (e a minha preferida é ... Dona Rute).
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