TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 27 de junho de 2008

A SAGARANA DE SIBITO DA SERRA DO ARARIPE

E dadonde mermo é qui tu é?

Eu de riba, donde a trampa do cotôco da serra mais arta fica. Ali adonde a caixa da terra sorta os ventos nos rumos dos cardeais. Eu sô da terra qui o mé da jandaíra num foi bordado prú gosto da língua. É mé da ponta dos das abeia qui faz varanda, cuma fia noite e dia as aranhas bem no canto dos teiado. Seu moço eu bebu água do barreiro adonde mija as cabras e as vacas, tenho nin mim o sargado qui os bichu tirum do miolo das pranta. Minha vida é cheia de vereda no carrasco, de modo e vez eu chupo um maracujá peroba, numa tarde de fome um araticum sob os gai de um visgueiro. E teim o piqui e o abacaxi, o frii da madrugada qui gela os osso cum a lembrança da morte, naquele instantim mermo entre o fogo do inferno e o resfrigério do céu. Eu todo os dias luito com os milhão de coisa que na terra há e quando é para descansar, vem o céu estrelado cum tanto milhão de brilho que é munto prum sujeito sozim.

E qui diacho tuaqui fazeno?

Eu tava cum as oiça puxada no rádio e ouvi uma notiça do mundo de fora qui entrou deu a dentro feito um mungangá voando quano num devia. Ói seu moço, foi escretim sortar uma caixa de arapuá no meu juízo. Eu saí de casa cum os seiscentos mil demon-in, deixano pau de porteira aberto, pisano em poçaágua, nem prestando atenção na bosta verde dos animais. Na casa de Mané Cocô pru mais qui o povo de preguntasse prá donde ia na desembestadura deu no rumo da beira da serra, eu num tive tempo de dizer do tempo qui não tinha pru modi dizer as coisa. Chupando um taco de rapadura eu botava fogo na fornaia do corpo, cum as currulepes açoitando meus calcanhar e nem prestano atenção aos pedaçoseu qui ia deixando nos rastros da estrada. Na baixada qui o mundo se adivide, entre o rumo das Guaribas e as terra de Santa o rádio não tinha me dito a mão que devia seguir. E dos cipós do Jatobá uma caipora me oiava pitando seu fumo e nem uma mão me ajudava. Os pobri de espírito eu sempre soube, são cuma eu tava, com dois camim pru modi tomar sem saber qual deve pisar. As alma da mata tavum tudo ali brincando com a encruziada sem quarqué vontade de viajante. Pois, seu moço, uma tria de formiga de roça que apontou o rumo das guaribas e eu tirei o atraso da incerteza se botando num xote tão forte chega a bufa se espaia.

E quanto tempo tu levou pru modi descer a serra?

Eu vim cuma barranco caindo. Sartando vala feito cabrito, deixano os carrapichos levar as lembranças de seus espim, pisando pega-pinto, chutando caroço de gajarana e vim mexeno o mundo de arto a baixo. Cuma as águas descendo ladeira, drobando pedra, arrastando garrancho, espantando calango, muiando a surperfície mas alagando longe. Eu vim cuma homi apaixonado varando as noite sem medo, se esquecendo do meio entre a distância da partida e a janela prefumada de seu amor. Vim feito a necessidade que espera cuma fazem os açudes na parede, mas basta as bicha quebrarem para que o dilúvio se espante feito boiada perseguida por fogo. Eu vim cuma muié parindo, as dores do parto falando que o nascente se avermêia no horizonte, feito minino mamador com farta de leite. Eu vim e num instantin cheguei.

E pru modi de qui tu veio?

Eu vim pru modi dizê que a luz da nossa casa quem acende somos nós. Que a musica que as oiça dança é aquela que brota da semente que nóis plantou. Que as festa que nos festeja é festa que nosso pedaço tem, quando nós é que, cum as ferramentas da melodia, os pulmões do canto e o coração que bate neste peito. Pois mermo quando nóis recebe um coração do outro, logo nóis domina nas coisas dentro de nóis.

E foi pru isso?

E pelo João de Guimarães Rosa qui dizia palavras qui eu num entendia, mas sabia tudo qui ele dizia.

4 comentários:

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Amigo Zé do Vale,

Com a sua " SAGARANA DE SIBITO DO ARARIPE" você vai dando mostra de que, embora materialista, domina com maestria mediúnica a prática da psicografia. Incorpora o feitiço do palavrório nativo das gerais, com a naturalidade de filho do Cariri, posto que de lá já se divisam os umbrais do cerrado.

Conheces minhas restrições pessoais à grafia fonética do linguajar rude do nosso povão, mas no caso do feiticeiro de Cordisburgo, com seu dialeto dos grotões, tens 100 anos de perdão, enquanto que a ele concedo o prêmio da completa remissão dos pecados e a vida eterna, amém, diante do que esses 100 anos são apenas o comecinho.

Glória ao pai de Sagarana e ao seu discípulo das faldas do Araripe.

Abraços
Giacomo Mastroianni


P.S.- Feitos os elogios, agora a crítica: seu texto me lembrou aquela história do gaúcho que diz qualquer coisa parecida assim: "Lá vem o gaúcho imponente em seu cavalo, galopando altivo sobre a sela, cruzando a planície com coragem indômita
e fúria de herói. Para quê? Para nada!" A conferir com o original.

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Seu Jácomo: no Seminário São José havia um sujeito que só explicava os alicerceres causais por um defectivo: pru mode. O reitor do seminário após tantos ensaios educativos já não suportava a permanência medular daquele pru mode. Resultado: pôs o moço em pé junto à uma das colunas do pátio da casa. O castigo pretendia apagar da alma daquele cristão os seus "pru mode". Nisso passa um outro padre, também mestre do aluno castigado e pergunta: por quê o castigo? Ao que o rapaz, rápido e eficiente, apresentou a causa do efeito reparatório: e num é pru mode "pru mode".

Entonces seu dotô, pur mais qui o amargô dos ditos aleijados se infie no tutano dos seus ossos cuma aguia, pur mais qui as maia do seu juízo peguem as palavras torta, é tanta escoia nestas maia qui o mais mió mermo é o sin-ô sortar a táuba do celeiro e deixar os caroços rolarem no chão. E cuma o sin-ô se apegou no seu conterrano Ascenso Ferreiro é pru mode de quê o sin-ô pescou o qui aconteceu no murundu da serra e desta de ladeira abaixo e quando chegô lá debaixo nada mais entendeu. E neim de cara podia, embora podia.

Podia seu ingratu da ailma nordestina. Qui sabi que a musga é o que bole com as fibra que trançum tudo aquilo que nóis é. A musga seu Jácomo, esta danada feiticêra, qui encanta poeta, derrete a coragem do celibatário e leva o sujeito para o altar do amor. A musga seu Jácomo esta danada qui é conversa de nóis mermo cum nossa ailma. Esta merma musga qui os produtô das Exposição do Crato num querim deixá o povu do CRATO SE APRESENTAR. Só querim qui pur lá cante estas tá de Olodum murucutum da Bahia; os de mé com bosta das banda eretrônica de forró.

Entonces seu Jácomo, tá lá na baixada da chegada de sibito: Que a musica que as oiça dança é aquela que brota da semente que nóis plantou. `FOi pru mode isso qui Sibito se rolou de riba a baixo e o sin-ô dizendo qui ele se bandeou do norte para o Rio Grande do Sul?

Seu Jácomo eu inté sei. O Sin-ô caiu na min-a Arapuca e despois se viu achado e botou as perna prá fora. Eu tinha mermo é que citar seu João. Era um doce prá amenizar corações que detestam meu linguajá. Cum seu Guimarães até um Sibito vira Rosa.

abraços

José do Vale

Marcos Vinícius Leonel disse...

Bem dizido!
abraços

Amanda Teixeira disse...

Aaah, só agora vi o texto.
Um belo exercício, viu?

Mas devo dizer que o linguajar me lembrou mais aquela canção bonita, "cuitelinho" que o Rosa:

"A tua saudade corta
Como aço de naváia
O coração fica aflito
Bate uma, a outra faia
E os óio se enche d´água
Que até a vista se atrapáia, ai..."

Parabéns a todos os inventores da língua!