Este blog acaba de ganhar novo colaborador. Modesto, ele optou por assinar como "O Bruxo do Sítio Rosto". Talvez para valorizar um dos locais mais bonitos do bairro Lameiro, já que o cronista reside nas suas imediações. Abaixo - a seu pedido - estou postando sua primeira colaboração:
O Bruxo do Sítio Rosto
Aqui no Sitio Rosto a vida continua quase a mesma. Digo quase, porque Antônio de Braz me convenceu de que essa estória de o homem ter ido à lua é pura balela. Como o homem pôde ter pisado na lua? A lua é longe e não se vai para lá assim de qualquer jeito - disse o baixinho Antonio de Braz, do alto de seus quase noventa anos. E disse ainda: eles levaram uns homens lá para o Amazonas, tiraram umas fotos e disseram que foi na lua. E tem mais, continuou: lá na lua é tão claro que encadeia quem chegar lá. O sujeito fica é cego quando lá entrar.Neste momento da conversa eu me lembrei do feio Ramiro, aliás, o segundo homem mais feio do Ceará, como ele mesmo gostava de se dizer. Ramiro do Seminário, como fora Ramiro do Cemitério, Ramiro do Colégio Diocesano...Como sempre vivera nas imediações clericais, Ramiro também possuía uma convicção contrária à idéia de a lua ter sido ultrajada pela presença do homem. E de tanto se comentar – naqueles idos de 20 julho de 1969 em diante – da grande proeza humana, Ramiro Feio foi conversar com todo o clero. De todos da confraria, só um lhe demoveu da terrível idéia de nunca mais sentar-se, à noite clara, à frente do sobradão, e dedilhar seu velho Gianinni, presente de Pe. Ágio. Esse único foi o glorioso Padre Francisco Salatiel, que acabara de vir da Europa, mestre em filosofia, homem sábio. E por ter tendo vindo da Europa, Ramiro não tinha como não acreditar na palavra do jovem padre. Dizem que Ramiro Feio, de uma feiúra feia e cândida, se convenceu da terrível verdade, após ter visto e ouvido do Padre Salatiel:
– É tudo verdade, Ramiro.Olhe aqui, a capa da revista Veja.
Dizem, ainda, que o sacerdote teria mostrado aquela capa em preto e branco, onde Ramiro soletrara, titubeante, as palavras do comandante Neil Armstrong: “Um pequeno passo para um homem, mas um gigantesco salto para a humanidade”. A lua era minguante, nova e crescente ao tempo em que Ramiro, era capiongo, ensimesmado e triste, a circular pelos corredores do velho casarão, metendo medo, pela sua compleição suntuosa e cadavérica, aos já excitados e assombrados pupilos. Eis que numa noite de lua cheia, quando ela, a pino, num céu puríssimo, clareava o soturno mosteiro, Ramiro Feio, de uma feiúra linda e comovente, abriu o portão, sentou-se no seu banquinho, empunhou o violão e cantou as suas melodias em homenagem àquela que surge cor de prata. E olhou bem para ela e num laivo de desabafo e ironia disse:
–Pois é, os homens foram pra lua... inda bem que não mexeram nas instalações dela.
E fechando seu repertório cantou, de sua autoria, a música preferida do clero cratense, uma valsa dolente e bem marcada por uma letra que, em duas partes, insistentemente dizia:
“Meu pai casado com minha mãe
E Minha mãe casada com meu pai,
Meu pai casado com minha mãe
Minha mãe casada com meu pai"
Dá tristeza quando se ouve, se é que se ouve, uma coisa parecida na voz do comediante Tiririca, cujo registro diz ser de sua autoria.
Mas o velho Antonio de Braz, que mora ali na embocadura do Sítio Rosto, tem razão. Eu concordo com ele. Os homens não foram à lua, assim como não devem ir. O mundo precisa dos homens aqui, e enxergando bem, para cuidar da terra, da água e do ar, e garantir a aposentadoria de Antonio de Braz e de sua esposa Cacilda, uma mulher muito valente... Mas aí é outra estória.
2 comentários:
Bem-vindo, Bruxo do Sítio Rosto!Sirva-nos sempre desses ingridientes esdrúxulos com os quais tempera as porções mágicas preparadas no grande caldeirão da cultura, da história e da antropologia.
RODRIGO DISSE:
"Crônica pra mim é isso. despretensiosa de eruditismo intelectualóide mas pró-tensa à sinceridade, bem dosada de imagens e palavras certas no lugar certo. É a impressão de um ponto dentro da linha da existência, que depois de materializada no papel já não importa mais pra quem escreve, é fato consumado, que fica pra reflexão ou não de quem lê. Se eu fosse dudu arriscaria um livro de crônicas desde onde se entendeu por gente, porque sei que tem coisa que fica "mais bem dizida" escrita do que falada além de existir pano pra manga dentro da vossa cachola".
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