TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 11 de julho de 2008

EX-PÔ / CRATO



Amanhã se inicia a mais importante festividade cratense e , certamente, a mais charmosa, tradicional e concorrida festa do Cariri : a EXPÔ/CRATO. O evento de há muito deixou de contemplar apenas a esfera Agro-Pecuária, tornou-se um acontecimento social da maior importância, ponto de encontro de muitas tribos. A face de entretenimento aos poucos passou a avantajar-se e , hoje, a EXPÔ é muito mais espetáculo social do que um mero balcão de negócios. Ela já não tem a simples e primal missão de apresentar as melhores matrizes , os melhores grãos, as últimas novidades no campo da agricultura e da pecuária, busca ser um amplo mostruário da cultura caririense.

Encabeçada pelo Governo do Estado, este ,há já alguns anos, resolveu simploriamente terceirizar o evento na quase sua totalidade, sob a justificativa de custos. Hoje o parque é totalmente loteado e as empresas que vencem a licitação tem o claro e previsível intuito do lucro. Assim um acontecimento do vulto da EXPÔ/CRATO passa a ser um mero evento contábil.

Esta deformidade parece mais visível na área dos Shows, hoje, com certeza, a mais vistosa faceta da Exposição. Terceirizado o espaço dos shows, as empresas que ganham a licitação contratam as bandas que podem lhes trazer mais lucros. E, claro, elas não têm nenhuma responsabilidade de fazer política cultural. Assim, por incrível que possa parecer, os artistas caririenses há mais de dez anos são simplesmente alijados da maior festa regional, isto tudo acontece num município que ainda enche o peito para se ufanar de : “Cidade da Cultura”.

Ano após ano, os shows vão se tornando cada vez mais pobres, agora somos assolados mais uma vez pelas péssimas e gasguitas Bandas de Forró. Não há nenhuma preocupação com a diversidade cultural própria do Brasil e nenhum cuidado a Exposição tem de expor , aquilo que devia ser sua missão : A riquíssima Cultura Caririense. Quem não quiser transformar os ouvidos em bacia sanitária , vai ter que ficar ali por cima, respirando poeira e bebendo cerveja quente.

Pela primeira vez, os artistas do Cariri se mobilizaram, foram à Câmara de Vereadores, planfetaram e amanhã vão sair em cortejo pelas ruas do Crato protestando contra a injustíssima exclusão. Estão exercendo o único direito que lhes sobrou: o de espernear.

Meditemos um pouco sobre este momento. Aproveitemos o sábado que antecede nossa festividade para pensar um pouco sobre os novos tempos, antes que o poder da tradição da EXPÔ acabe por nos enebriar.

O primeiro ponto a ser comentado. Alguns intelectuais do Crato são da opinião que os artistas locais não precisam ter espaço na EXPÔ, já que esta é um evento meramente Agro-Pecuário e que se devia promover outros momentos para tanto, como festivais, por exemplo. Ora, já comentamos, a EXPÔ hoje é muito mais social que rural. E ela é o único evento de importância que temos. Já que pensam ser tão fácil organizar outros acontecimentos de importância, porque não se abre espaço agora até que estes fabulosos festivais apareçam ?

O monopólio das bandas de forró, por outro lado, não é só do interesse das empresas que compraram o espaço. O Governo cearense entende como Cultura Cearense, isto que está aí. Música para turista ver e se divertir. A criação da indústria da OXENTE MUSIC surgiu como uma necessidade de confrontar a AXÈ Music e criar um espaço de entretenimento para a política turística cearense desencadeada justamente pelos detentores atuais do poder político no estado.

Os artistas caririenses, por outro lado, devem compreender que de nada adianta lutar por espaço no palco principal da Exposição, se esta continuar terceirizada. Os empresários poderão até dar uma esmolinha a eles, mas os boicotarão de todas as maneiras: o som será péssimo, não haverá iluminação, o horário terrível e , também, tocarão para um público totalmente alheio à sua arte.

O ideal seria o estado administrar o evento, através de um Projeto amplo, com variadas parcerias, inclusive a do Ministério da Cultura que até o presente momento não gastou sequer 20% do orçamento da pasta para 2008. Abrir a possibilidade de diversos palcos, como em Garanhus. Já temos o da Cultura Popular, faríamos outros como de Música Instrumental, Forró/Brega, Techno, Rock/Reggae e MPB, com ampla e preponderante participação dos artistas caririenses, sem qualquer nível de preconceito e exclusão. Aí cada tribo , a seu gosto, busca sua oca . E mais: todos os Shows abertos, mas perfeitamente pré-pagos com os nossos impostos e as parcerias.

Em permanecendo a terrível mania e preguiça administrativa de lotear o Parque de Exposição, que se crie, então, uma concha acústica no espaço próximo ao atual parque de shows, onde os artistas locais possam se apresentar , até mesmo nos horários que antecedam aos shows pagos, inclusive havendo espaço para a visibilidade das mais diversas formas de arte : plástica, cinema, teatro, etc. Este palco inclusive poderia ser programado para o uso durante todo o ano e não apenas no período da EXPÔ/CRATO. É um absurdo um espaço precioso como aquele ficar totalmente sem função durante todo o ano, para funcionar da maneira que está funcionando por apenas 07 dias.

Os artistas cratenses não estão lutando apenas por sua arte e por seu pão. Os artistas têm o poder de ver mais longe, eles estão lutando pela liberdade de todo povo brasileiro. É que para discernir o bom e o ruim, o bonito e o feio, o criminoso e o ético é imprescindível ter uma visão holística da vida. Talvez seja por isso mesmo que se tire o acesso da população a esta diversidade. É que , de repente, ela vai ter a capacidade de perceber quem é o charlatão e quem é o político de verdade.

J. Flávio Vieira

2 comentários:

Jayro F. Starkey disse...

Caro Dr. Zé Flávio,

Lí o seu artigo "Ex-pô Crato". Permita-me fazer um pequeno comentário sobre o termo "Oxente" music. Acho "oxente" muito nordestino, de raiz, até sublime demais para se referir a essa coisa que ainda teimam chamar de música. Há muito tempo se vem usando uma expressão que indica tudo de ruim que esse estilo chulo representa: FULEIRAGEM MUSIC. Este acha-se mais condizente com o que eles fazem.

Jairo

Dihelson Mendonça disse...

Dr. José Flávio, um intelectual de verdade, que conhece bem todas as culturas. Como sempre, sabe escrever como se fora assim um Johhann Sebastian bach a compor uma fuga. Nem mais, nem menos notas. Nem mais, nem menos palavras. O texto matematicamente preciso. Ele escolhe as palavras e a força exata para usá-las, como uma ferramenta tão natural do pensamento, quanto um grande pintor tem habilidade para com um pincel.

Texto irretocável e muito válido, consegue sintetizar tudo aquilo porque passamos e pensamos e sofremos ( o "e" demasiado é proposital ).

Nenhum comentário da minha parte. Tudo foi dito. Apenas uma pitada de humor, que ao invés de chamar essa exposição de EX-PÔ / CRATO, bem que poderíamos cognominá-la de COCÔ/CRATO por inúmeras razões, não só a fedentina que emerge dos esgotos a céu aberto de lá...

Abraços,
Parabéns a esse Intelectual DE VERDADE, e a um texto verdadeiro.

Dihelson Mendonça