O Diário do Nordeste de hoje publica entrevista com Tiago Araripe
ENTREVISTA
´Uma grande viagem´
Em entrevista ao Caderno 3, Tiago Araripe conta detalhes de sua trajetória nos anos 70, do Crato a São Paulo, onde atuou com músicos como Tom Zé e integrou a banda Papa Poluição, antes de começar carreira solo. Nos bastidores da produção do disco ´Cabelos de Sansão´, memórias da cena alternativa e do Lira Paulistana. Confira:
O Zeca Baleiro diz que foi muito influenciado pelo "Cabelos de Sansão", após ter encontrado o LP há muito tempo, em um sebo de discos. Como foi que surgiu o primeiro contato entre vocês, que acabaria levando a esse relançamento do disco?
O primeiro contato há uns sete anos, ou um pouco mais. Ele estava aqui em Fortaleza, e perguntou por mim a algumas pessoas, que falaram comigo, e eu então fui no site dele e mandei um e-mail informando meus telefones. Outra vez que ele veio, ele tava até em férias com a mulher dele, ele me ligou e aí nos encontramos. E foi uma sinergia muito interessante, porque ele havia conhecido o meu disco, quando era estudante de jornalismo, num sebo no Rio de Janeiro. Quando nos encontramos, houve uma sintonia muito forte. Percebemos muitas coisas em comum, tanto em termos do nosso universo de amigos da área musical, que na época chamavam de a Vanguarda Paulistana, as pessoas de São Paulo, onde eu morei 23 anos. Pessoas que ele também tem uma boa afinidade. Iniciou-se então uma boa amizade entre eu e ele, e nos tornamos também parceiros. Fizemos já algumas músicas juntos, vamos ver quem é que vai ter oportunidade de gravar primeiro. Eu tenho esperança que esse relançamento do disco abra algumas portas pra fazer um trabalho novo. E com certeza essas parcerias estão na relação das músicas que eu vou querer gravar. Então, o contato surgiu assim, e desde então sempre que ele vem a Fortaleza a gente dá um jeito de se encontrar. Quando tem show, geralmente a produção liga, disponibilizando bilhete. Em suma, a gente se aproximou muito, e essa amizade tem crescido.
O que o Zeca mais costuma destacar sobre o disco, sobre que impacto teve pra ele?
Ele é muito ligado no aspecto criativo da composição, nas letras... Ele comentou também a respeito da minha voz, que achou interessante. Mas eu mesmo falar disso, não me sinto muito à vontade.
Além da identificação estética, um ponto em comum a ambos é que os dois viveram em São Paulo e enfrentaram muitos desafios pra correr atrás de espaço para um trabalho musical próprio. Em outras entrevistas, ele já comentou como chegou a enfrentar uma barra pesada em alguns momentos. O mesmo aconteceu com você? Como é que se deu essa sua chegada em São Paulo, ainda no inicio dos anos 70?
O Zeca Baleiro diz que foi muito influenciado pelo "Cabelos de Sansão", após ter encontrado o LP há muito tempo, em um sebo de discos. Como foi que surgiu o primeiro contato entre vocês, que acabaria levando a esse relançamento do disco?
O primeiro contato há uns sete anos, ou um pouco mais. Ele estava aqui em Fortaleza, e perguntou por mim a algumas pessoas, que falaram comigo, e eu então fui no site dele e mandei um e-mail informando meus telefones. Outra vez que ele veio, ele tava até em férias com a mulher dele, ele me ligou e aí nos encontramos. E foi uma sinergia muito interessante, porque ele havia conhecido o meu disco, quando era estudante de jornalismo, num sebo no Rio de Janeiro. Quando nos encontramos, houve uma sintonia muito forte. Percebemos muitas coisas em comum, tanto em termos do nosso universo de amigos da área musical, que na época chamavam de a Vanguarda Paulistana, as pessoas de São Paulo, onde eu morei 23 anos. Pessoas que ele também tem uma boa afinidade. Iniciou-se então uma boa amizade entre eu e ele, e nos tornamos também parceiros. Fizemos já algumas músicas juntos, vamos ver quem é que vai ter oportunidade de gravar primeiro. Eu tenho esperança que esse relançamento do disco abra algumas portas pra fazer um trabalho novo. E com certeza essas parcerias estão na relação das músicas que eu vou querer gravar. Então, o contato surgiu assim, e desde então sempre que ele vem a Fortaleza a gente dá um jeito de se encontrar. Quando tem show, geralmente a produção liga, disponibilizando bilhete. Em suma, a gente se aproximou muito, e essa amizade tem crescido.
O que o Zeca mais costuma destacar sobre o disco, sobre que impacto teve pra ele?
Ele é muito ligado no aspecto criativo da composição, nas letras... Ele comentou também a respeito da minha voz, que achou interessante. Mas eu mesmo falar disso, não me sinto muito à vontade.
Além da identificação estética, um ponto em comum a ambos é que os dois viveram em São Paulo e enfrentaram muitos desafios pra correr atrás de espaço para um trabalho musical próprio. Em outras entrevistas, ele já comentou como chegou a enfrentar uma barra pesada em alguns momentos. O mesmo aconteceu com você? Como é que se deu essa sua chegada em São Paulo, ainda no inicio dos anos 70?
Com certeza. Eu comecei a fazer música em Recife, tinha um grupo aqui, com uma característica muito experimental. Algo mais próximo do que o Arrigo (Barnabé) começou a fazer com aquela "Diversões eletrônicas", no início da carreira dele. A gente navegava muito naquela temática, uma coisa de ficção científica, que eu lia muito e marcou aquele início. Uma coisa juvenil também, porque eu era muito jovem na época, e tinha muita vontade, influenciado por uma pessoa que se tornou depois um parceiro musical, veio a integrar o Papa Poluição, grupo que eu cheguei a integrar em São Paulo. É o José Luiz Penna, hoje presidente nacional do Partido Verde. Ele era ator e trabalhava no "Hair", e a peça teve uma temporada no Teatro do Parque, em Recife. Eu já conhecia ele, e todas as noites ia assistir ao "Hair", a gente conversava muito, e ele começou a me incentivar a morar em São Paulo, porque sabia que eu estava compondo. É engraçado: ele me influenciou a morar em São Paulo e eu o influenciei a sair do teatro e ir pra música. Ele largou do teatro, e formamos o Papa Poluição, que foi um grupo muito importante de 75 a 80, enquanto durou. Antes disso, eu iniciei trabalhando com o Tom Zé, foi a célula que deu origem ao grupo. Falávamos da possibilidade de ele dar uma característica mais pop pro trabalho dele. Aí introduzimos uma característica mais de guitarra, porque ele trabalhava mais com violão. Fui pra São Paulo, na verdade, com o objetivo definido de estudar na escola de música do Tom Zé. Pra isso larguei tudo, faculdade, que fazia Arquitetura aqui em Recife... Fui realmente picado pelo mosquito da música, disse 'Agora é isso que eu quero fazer'. Só que, quando cheguei em São Paulo, o Tom Zé já tinha fechado a escola. Mas conseguimos marcar uma conversa no estúdio do Rogério Duprat, onde depois chegaríamos a gravar um compacto simples, Tom Zé e Tiago Araripe. Esse estúdio ficava ali no Centro, na Bela Vista, e nós conversamos, ficamos a tarde inteira conversando e tocando. Houve uma afinidade muito grande e o convite pra trabalharmos juntos. Durante um ano, mais ou menos, trabalhamos juntos e fizemos shows nos mais diversos lugares de São Paulo.
Chegando a São Paulo, você foi morar na Vila Madalena. O bairro já tinha a aura de reduto de intelectuais e artistas que têm hoje? Quais são as lembranças do dia-a-dia na época?
Quando eu cheguei, em 73, morei no Butantã, mas foi muito pouco tempo. Depois fiquei na casa do José Luís Penna, próxima à Vila Madalena, na rua Patápio Silva – por sinal, nome de um flautista. Era no Sumarezinho, perto da Vila Madalena, onde depois eu aluguei uma casa, que dava pra ir a pé pra casa do Zé Luiz Penna, onde a gente ensaiava no quarto de casal, na época do Papa Poluição. A mulher dele com uma santa paciência... E o Papa contribuiu muito pra essa fama do bairro. Lembro de revistas nacionais, como a 4 Rodas, que fizeram matérias sobre o Lira Paulistana, colocando como pioneiro desse movimento dos artistas irem pro bairro. A gente ativou tudo isso. Chegamos a tocar na calçada, o que de certa forma originou aquela Feira da Vila. O José Luís se tornou presidente do Centro Cultural da Vila Madalena, enfim, a coisa começou a ganhar projeção. O Hermano Penna, que dirigiu o "Sargento Getúlio", filme que nós fizemos a trilha, também tinha um escritório na Vila Madalena, com outros cineastas. Enfim, tinha vários pólos, de várias linguagens, convivendo ali.
Nesse tempo, você não manteve contato com o Pessoal do Ceará, que andava por São Paulo exatamente nessa época e já gravava seus primeiros discos?
Não, não tive contato. Acho que pelo fato de ter saído do Crato e ter ido pra Recife. As pessoas que conheci depois já foi em São Paulo. Conheci o Fausto Nilo, o Belchior. Mas vim ter contato com as pessoas do Ceará mais na época do Papa Poluição, mais com o Belchior, que numa determinada época fizemos um circuito de shows juntos. Nós abríamos o show e depois o Belchior entrava com a banda dele. Foi muito bem-sucedido o show, o Belchior tava num momento de muita popularidade, os shows dele até hoje são muito concorridos. Fizemos o circuito da rede Sesc e houve uma aproximação muito boa. Tanto que depois ele gravou um dos nossos hits, "Comentário a respeito de John", dele e do Penna. Era uma música que a gente tocava antes de ele colocar no repertório dele, mas a versão do Papa Poluição era diferente. O Penna tinha letra e música, depois o Belchior deu uma contribuição na letra, e surgiu a parceria. Era um dos nossos hits, se é que se pode falar isso de um grupo que era meio marginal. Marginal sim, porque a gente fazia um trabalho um pouco diferente dos padrões, fazia muitas fusões. Depois isso se tornou comum, mas na época a gente fazia fusões de rock com baião, coco, ritmos nordestinos. Uma coisa muito irreverente, brincalhona. Os shows tinham uma dinâmica muito forte, a gente saía do palco, brincava com a platéia. Eram performances, uma coisa muito viva. E tínhamos na platéia pessoas que viriam a ser importantes pra música popular. Os músicos gostavam de ir assistir, porque os arranjos eram muito inventivos. O Guilherme Arantes costumava ir pros nossos shows, o próprio Belchior cogitava de em algum momento lançar um LP do trabalho com o Papa Poluição. Por algum motivo, a coisa não aconteceu. Quando ele conseguiu (viabilizar), o grupo tinha acabado.
O Guilherme Arantes já havia tocado no seu compacto com o Tom Zé...
É, o Guilherme era músico de estúdio. Quando o Tom Zé quis gravar aquele compacto, a primeira pessoa que veio na cabeça foi o Guilherme Arantes. Ele queria uma cosia diferente, uma sonoridade diferente. O Guilherme introduziu a coisa de sintetizadores, que na época era novidade também. Lembro bem quando ele lançou "Meu mundo e nada mais" , nós estávamos num barzinho em frente à Chantecler, gravadora ali próxima à Rua Aurora, e o Guilherme passou em direção à Sicam, a sociedade arrecadadora. Ele tava muito feliz, porque esperava receber um dinheiro significativo, já que a música tava estourada em tudo que era rádio. Daqui a pouco vem ele meio triste, porque recebeu uma ninharia. Tava esperando comprar uma casa, acabou comprando um Fusca.
E por que o Papa Poluição acabou?
Chegando a São Paulo, você foi morar na Vila Madalena. O bairro já tinha a aura de reduto de intelectuais e artistas que têm hoje? Quais são as lembranças do dia-a-dia na época?
Quando eu cheguei, em 73, morei no Butantã, mas foi muito pouco tempo. Depois fiquei na casa do José Luís Penna, próxima à Vila Madalena, na rua Patápio Silva – por sinal, nome de um flautista. Era no Sumarezinho, perto da Vila Madalena, onde depois eu aluguei uma casa, que dava pra ir a pé pra casa do Zé Luiz Penna, onde a gente ensaiava no quarto de casal, na época do Papa Poluição. A mulher dele com uma santa paciência... E o Papa contribuiu muito pra essa fama do bairro. Lembro de revistas nacionais, como a 4 Rodas, que fizeram matérias sobre o Lira Paulistana, colocando como pioneiro desse movimento dos artistas irem pro bairro. A gente ativou tudo isso. Chegamos a tocar na calçada, o que de certa forma originou aquela Feira da Vila. O José Luís se tornou presidente do Centro Cultural da Vila Madalena, enfim, a coisa começou a ganhar projeção. O Hermano Penna, que dirigiu o "Sargento Getúlio", filme que nós fizemos a trilha, também tinha um escritório na Vila Madalena, com outros cineastas. Enfim, tinha vários pólos, de várias linguagens, convivendo ali.
Nesse tempo, você não manteve contato com o Pessoal do Ceará, que andava por São Paulo exatamente nessa época e já gravava seus primeiros discos?
Não, não tive contato. Acho que pelo fato de ter saído do Crato e ter ido pra Recife. As pessoas que conheci depois já foi em São Paulo. Conheci o Fausto Nilo, o Belchior. Mas vim ter contato com as pessoas do Ceará mais na época do Papa Poluição, mais com o Belchior, que numa determinada época fizemos um circuito de shows juntos. Nós abríamos o show e depois o Belchior entrava com a banda dele. Foi muito bem-sucedido o show, o Belchior tava num momento de muita popularidade, os shows dele até hoje são muito concorridos. Fizemos o circuito da rede Sesc e houve uma aproximação muito boa. Tanto que depois ele gravou um dos nossos hits, "Comentário a respeito de John", dele e do Penna. Era uma música que a gente tocava antes de ele colocar no repertório dele, mas a versão do Papa Poluição era diferente. O Penna tinha letra e música, depois o Belchior deu uma contribuição na letra, e surgiu a parceria. Era um dos nossos hits, se é que se pode falar isso de um grupo que era meio marginal. Marginal sim, porque a gente fazia um trabalho um pouco diferente dos padrões, fazia muitas fusões. Depois isso se tornou comum, mas na época a gente fazia fusões de rock com baião, coco, ritmos nordestinos. Uma coisa muito irreverente, brincalhona. Os shows tinham uma dinâmica muito forte, a gente saía do palco, brincava com a platéia. Eram performances, uma coisa muito viva. E tínhamos na platéia pessoas que viriam a ser importantes pra música popular. Os músicos gostavam de ir assistir, porque os arranjos eram muito inventivos. O Guilherme Arantes costumava ir pros nossos shows, o próprio Belchior cogitava de em algum momento lançar um LP do trabalho com o Papa Poluição. Por algum motivo, a coisa não aconteceu. Quando ele conseguiu (viabilizar), o grupo tinha acabado.
O Guilherme Arantes já havia tocado no seu compacto com o Tom Zé...
É, o Guilherme era músico de estúdio. Quando o Tom Zé quis gravar aquele compacto, a primeira pessoa que veio na cabeça foi o Guilherme Arantes. Ele queria uma cosia diferente, uma sonoridade diferente. O Guilherme introduziu a coisa de sintetizadores, que na época era novidade também. Lembro bem quando ele lançou "Meu mundo e nada mais" , nós estávamos num barzinho em frente à Chantecler, gravadora ali próxima à Rua Aurora, e o Guilherme passou em direção à Sicam, a sociedade arrecadadora. Ele tava muito feliz, porque esperava receber um dinheiro significativo, já que a música tava estourada em tudo que era rádio. Daqui a pouco vem ele meio triste, porque recebeu uma ninharia. Tava esperando comprar uma casa, acabou comprando um Fusca.
E por que o Papa Poluição acabou?
A gente bateu muita cabeça. A gente criticava o mercado e ao mesmo tempo queria fazer essa crítica de dentro, não queria ficar falando só de fora. Tinha um show que chamava "Mamãe rádio não toca meu disco"'. Teve uma gravadora, a Top Tape, que quando nós estávamos gravando uma música no estúdio Eldorado, na época o melhor de São Paulo, com 16 canais e tudo, as pessoas da gravadora se encantaram com a música. E propuseram produzir o disco, forneceram mundos e fundos pra nós. Eles lançaram um compacto simples, aí passamos a fazer um trabalho de rádio, tinha um divulgador deles que se esforçava bastante... Mas um dia descobrimos que a gente conseguia as coisas no rádio, na TV, e eles vinham por trás e tentavam colocar o casting internacional deles. Ou seja, a própria gravadora tava nos boicotando. O Penna e eu fomos na gravadora um dia, pichamos todas as paredes deles, os quadros. Aí foi a ruptura. E daí pra frente a gente meio que... Era uma batalha muito intensa, de quebrar ponta de lança, e a gente não tava tendo condições nem de sobreviver com esse trabalho. Eu e o Penna éramos, digamos, os operários do grupo. A gente acordava cedo, ia em jornal, ia atrás de conseguir show, era uma batalha grande. Os outros tinham ainda os seus trabalhos. Chegou um momento que ficou muito desgastante, a gente precisava tocar a vida.
Você ainda mantém contato com o outro cearense do grupo?
O Xico Carlos, cearense do Crato, como eu, atualmente tá morando em Salvador, tá meio arredio, é a única pessoa do grupo que eu não consegui fazer contato. Ele tá arredio com todas as pessoas daquela época, não sei bem o que houve. Mas sei que ele continua tocando. Nos conhecemos desde o Crato, e o Penna é primo dele. A gente se conhecia desde o Crato.
Você ainda mantém contato com o outro cearense do grupo?
O Xico Carlos, cearense do Crato, como eu, atualmente tá morando em Salvador, tá meio arredio, é a única pessoa do grupo que eu não consegui fazer contato. Ele tá arredio com todas as pessoas daquela época, não sei bem o que houve. Mas sei que ele continua tocando. Nos conhecemos desde o Crato, e o Penna é primo dele. A gente se conhecia desde o Crato.
Por falar no Crato, que memórias você tem de lá, quanto ao seu início na música?
Eu saí do Crato com 15 anos. Ficava estudando em Recife e voltava pra lá. Mas o Crato sempre teve essa coisa muito pulsante. O Cariri todo. A própria cultura da região, cultura popular, aquilo mexia muito com a gente. Na época da minha adolescência, juventude, tinha grupos fantásticos por lá, como um grupo chamado Águias de Barbalha, que tocava aquela música que a gente gostava, dos Beatles, dos Rolling Stones... Tinha um guitarrista muito bom lá, o Narcélio. Tinha o Cleivan Paiva, que até hoje tá lá, participou agora da organização de um festival da canção. Em suma, tinha muitos bons músicos, e pessoas inquietas. Eu ouvia um pouco de tudo. Mas as coisas que me chamavam mais atenção eram os Beatles, no rádio. E as coisas da cultura popular, banda cabaçal. E Luiz Gonzaga também, teve uma influência muito forte.
O violão foi seu primeiro instrumento, nessa época?
Foi, no Cariri ainda. Foi uma coisa muito intuitiva, praticamente autodidata. Nunca me considerei um bom instrumentista não, porque, antes de tudo, o que eu queria mesmo era compor, fazer alguma coisa nisso.
E como é que a sua família reagiu quando você decidiu sair de Recife pra São Paulo, pra tentar viver de música?
Na realidade eu anunciei que ia fazer jornalismo em São Paulo, coisa que nunca cheguei a fazer. Meu pai, claro que não gostou disso, mas com o tempo ele foi se acostumando um pouco com a idéia. E eu também assumi, de certa forma, os ônus disso, de começar a ter uma certa independência. Meus irmãos são quase todos ligados de alguma forma à coisa das letras. O Flamínio Araripe, jornalista, que mora em Fortaleza, a Cíntia Araripe, que morou muito tempo, trabalhou em jornal e tudo, agora mora em Brasília. Tem um mais novo, que é formado em Letras, e uma que se especializou em agricultura, mas edita um jornalzinho. Nossos avós escreviam, têm livros publicados a respeito de histórias do Cariri, assim como o pai do meu pai, Antônio Araripe.
Eu saí do Crato com 15 anos. Ficava estudando em Recife e voltava pra lá. Mas o Crato sempre teve essa coisa muito pulsante. O Cariri todo. A própria cultura da região, cultura popular, aquilo mexia muito com a gente. Na época da minha adolescência, juventude, tinha grupos fantásticos por lá, como um grupo chamado Águias de Barbalha, que tocava aquela música que a gente gostava, dos Beatles, dos Rolling Stones... Tinha um guitarrista muito bom lá, o Narcélio. Tinha o Cleivan Paiva, que até hoje tá lá, participou agora da organização de um festival da canção. Em suma, tinha muitos bons músicos, e pessoas inquietas. Eu ouvia um pouco de tudo. Mas as coisas que me chamavam mais atenção eram os Beatles, no rádio. E as coisas da cultura popular, banda cabaçal. E Luiz Gonzaga também, teve uma influência muito forte.
O violão foi seu primeiro instrumento, nessa época?
Foi, no Cariri ainda. Foi uma coisa muito intuitiva, praticamente autodidata. Nunca me considerei um bom instrumentista não, porque, antes de tudo, o que eu queria mesmo era compor, fazer alguma coisa nisso.
E como é que a sua família reagiu quando você decidiu sair de Recife pra São Paulo, pra tentar viver de música?
Na realidade eu anunciei que ia fazer jornalismo em São Paulo, coisa que nunca cheguei a fazer. Meu pai, claro que não gostou disso, mas com o tempo ele foi se acostumando um pouco com a idéia. E eu também assumi, de certa forma, os ônus disso, de começar a ter uma certa independência. Meus irmãos são quase todos ligados de alguma forma à coisa das letras. O Flamínio Araripe, jornalista, que mora em Fortaleza, a Cíntia Araripe, que morou muito tempo, trabalhou em jornal e tudo, agora mora em Brasília. Tem um mais novo, que é formado em Letras, e uma que se especializou em agricultura, mas edita um jornalzinho. Nossos avós escreviam, têm livros publicados a respeito de histórias do Cariri, assim como o pai do meu pai, Antônio Araripe.
Fechando o parênteses então, você já falou sobre o fim do Papa Poluição. Qual foi o seu caminho após o grupo, até chegar no "Cabelos de Sansão"?
Depois do grupo, eu comecei a pensar num trabalho solo. Conheci as pessoas do Lira Paulistana, que foi como um oásis na cena de São Paulo, no sentido de ser um espaço que acolhia as novas idéias. Tinha Wilson Souto Júnior, que era o principal cabeça lá do Lira. Eu comecei a freqüentar o Lira Paulistana, e me veio a concepção de que ali era o lugar em que eu poderia encontrar uma resposta àquilo que eu tava buscando. Eu também gostava muito do trabalho do Itamar. Ele tinha lançado o primeiro disco e me indicou pro Wilson Souto. O Itamar chegou pra ele todo animado: "Você conhece o trabalho do Tiago Araripe? Ele vai ser o segundo disco do Lira Paulistana". Eles adoravam o Itamar, era maravilhoso. Então comecei a conversar com o Wilson sobre essa possibilidade, fiz alguns shows pra mostrar um pouco do trabalho pra ele. Um belo dia, fiz o projeto do disco todo no papel. Parece brincadeira, mas escrevi tudo: por exemplo, tal música, o arranjo vai ter tais e tais instrumentos. Era como se você ouvisse o disco na cabeça. Embora eu não saiba escrever música. Mas tinha um amigo de 22 anos, o Felipe Vagner, que era flautista da Sinfônica Jovem de São Paulo, conhecia música, sabia escrever arranjo, e eu convidei pra ser o meu braço direito nesse disco.
O disco acabou ganhando um corpo muito grande, pra um trabalho de um artista independente – ou alternativo, como você ressalta que prefere. Como é que se criaram as condições pra viabilizar esse trabalho, com tanto apuro e a presença de tantos músicos?
Foi uma coisa meio... Não sei nem te explicar. Sei que a coisa foi acontecendo, e o Wilson foi apostando na idéia, então ele abriu todos os canais mesmo. Havia um espaço muito grande pra inventividade, pra pesquisar sonoridades no estúdio. Foi uma viagem, e quem chegou perto se influenciava. Um dos donos do estúdio era o Zé Rodrix, ele assistia às sessões de gravação, e outros músicos também. Em suma, criou-se um certo movimento, e a gente foi desenvolvendo esse trabalho. E quando viu foi um ano da minha vida que eu dediquei. Queria fazer uma coisa realmente de alta qualidade, e o Lira me deu todas as condições, inclusive mandando cortar o disco nos Estados Unidos, em Nova York.
Você conseguiu a chance de fazer o disco, contar com toda essa turma do Lira Paulistana, enfim, reunir tanta gente, trabalhar de uma forma muito gregária. Em nenhum momento houve resistência pelo fato de você vir de fora, e conseguir todo esse espaço, no meio da turma de São Paulo?
Não, havia muito as afinidades, as pessoas se freqüentavam. Lembro de uma noite que tava Itamar, Tetê Espíndola, Augusto de Campos, daqui a pouco chega o Kledir, ou o Kleiton... Teve um aniversário meu que a gente batucou nas panelas até de madrugada, e chegou lá o Belchior, o Paulo Moura. Acho que só na Vila Madalena podia acontecer isso. O bairro era gregário, tinha essa característica, essa permuta, essa integração. A gente se encontrava, na feira, nos bares.
Depois do grupo, eu comecei a pensar num trabalho solo. Conheci as pessoas do Lira Paulistana, que foi como um oásis na cena de São Paulo, no sentido de ser um espaço que acolhia as novas idéias. Tinha Wilson Souto Júnior, que era o principal cabeça lá do Lira. Eu comecei a freqüentar o Lira Paulistana, e me veio a concepção de que ali era o lugar em que eu poderia encontrar uma resposta àquilo que eu tava buscando. Eu também gostava muito do trabalho do Itamar. Ele tinha lançado o primeiro disco e me indicou pro Wilson Souto. O Itamar chegou pra ele todo animado: "Você conhece o trabalho do Tiago Araripe? Ele vai ser o segundo disco do Lira Paulistana". Eles adoravam o Itamar, era maravilhoso. Então comecei a conversar com o Wilson sobre essa possibilidade, fiz alguns shows pra mostrar um pouco do trabalho pra ele. Um belo dia, fiz o projeto do disco todo no papel. Parece brincadeira, mas escrevi tudo: por exemplo, tal música, o arranjo vai ter tais e tais instrumentos. Era como se você ouvisse o disco na cabeça. Embora eu não saiba escrever música. Mas tinha um amigo de 22 anos, o Felipe Vagner, que era flautista da Sinfônica Jovem de São Paulo, conhecia música, sabia escrever arranjo, e eu convidei pra ser o meu braço direito nesse disco.
O disco acabou ganhando um corpo muito grande, pra um trabalho de um artista independente – ou alternativo, como você ressalta que prefere. Como é que se criaram as condições pra viabilizar esse trabalho, com tanto apuro e a presença de tantos músicos?
Foi uma coisa meio... Não sei nem te explicar. Sei que a coisa foi acontecendo, e o Wilson foi apostando na idéia, então ele abriu todos os canais mesmo. Havia um espaço muito grande pra inventividade, pra pesquisar sonoridades no estúdio. Foi uma viagem, e quem chegou perto se influenciava. Um dos donos do estúdio era o Zé Rodrix, ele assistia às sessões de gravação, e outros músicos também. Em suma, criou-se um certo movimento, e a gente foi desenvolvendo esse trabalho. E quando viu foi um ano da minha vida que eu dediquei. Queria fazer uma coisa realmente de alta qualidade, e o Lira me deu todas as condições, inclusive mandando cortar o disco nos Estados Unidos, em Nova York.
Você conseguiu a chance de fazer o disco, contar com toda essa turma do Lira Paulistana, enfim, reunir tanta gente, trabalhar de uma forma muito gregária. Em nenhum momento houve resistência pelo fato de você vir de fora, e conseguir todo esse espaço, no meio da turma de São Paulo?
Não, havia muito as afinidades, as pessoas se freqüentavam. Lembro de uma noite que tava Itamar, Tetê Espíndola, Augusto de Campos, daqui a pouco chega o Kledir, ou o Kleiton... Teve um aniversário meu que a gente batucou nas panelas até de madrugada, e chegou lá o Belchior, o Paulo Moura. Acho que só na Vila Madalena podia acontecer isso. O bairro era gregário, tinha essa característica, essa permuta, essa integração. A gente se encontrava, na feira, nos bares.
E com essa disposição toda para experimentação em estúdio, o que é que foi mais difícil de fazer, na gravação do disco?
O difícil mesmo foi só o começo. A primeira sessão de gravação foi um desastre total! Os músicos chegaram muito baleados lá, e a gente fez um arranjo pra "Quando a pororoca pegar fogo", parceria que eu tenho com o Penna nesse disco, que o arranjo era quase regional, com aquele violão de sete cordas fazendo aqueles baixões no violão. E ficou uma porcaria, a gente fez o arranjo e jogou fora. Mas daí pra frente as coisas começaram a engrenar. Apesar da limitação minha de tempo. Eu era revisor da Editora Abril e entrava pra trabalhar às seis da manhã, saía às 14 horas. Ia direto pro estúdio, as sessões se estendiam às vezes até de madrugada, e tinha de fazer o mesmo ciclo depois. Quando chegou a hora de colocar a voz, eu tava estourado, e pifei. Tive que parar tudo. Passou-se um intervalo de um mês, pra restabelecer e colocar a voz. Foi um grande empreendimento, inclusive pessoal. Uma grande viagem.
O difícil mesmo foi só o começo. A primeira sessão de gravação foi um desastre total! Os músicos chegaram muito baleados lá, e a gente fez um arranjo pra "Quando a pororoca pegar fogo", parceria que eu tenho com o Penna nesse disco, que o arranjo era quase regional, com aquele violão de sete cordas fazendo aqueles baixões no violão. E ficou uma porcaria, a gente fez o arranjo e jogou fora. Mas daí pra frente as coisas começaram a engrenar. Apesar da limitação minha de tempo. Eu era revisor da Editora Abril e entrava pra trabalhar às seis da manhã, saía às 14 horas. Ia direto pro estúdio, as sessões se estendiam às vezes até de madrugada, e tinha de fazer o mesmo ciclo depois. Quando chegou a hora de colocar a voz, eu tava estourado, e pifei. Tive que parar tudo. Passou-se um intervalo de um mês, pra restabelecer e colocar a voz. Foi um grande empreendimento, inclusive pessoal. Uma grande viagem.
Apesar da diversidade de gêneros e ritmos nas faixas do disco, alguns elementos são recorrentes, como a sonoridade mais experimental e as referências ao espaço, a uma imagem sideral, que tem a ver com o projeto gráfico... O disco foi pensado com um álbum conceitual? Qual foi o critério para a escolha de repertório?
Nessa época eu já não tava lendo essas coisas de ficção científica. Acho que mais possivelmente tinha a ver com uma busca mais espiritual, algo nesse sentido. Mas a escolha do repertório foi na idéia de uma diversidade. Eu queria encontrar uma unidade na diversidade. Então as canções foram, propositalmente, abrindo um leque o mais amplo possível. E tinha a idéia também de cada faixa ter a sua autonomia. Se a idéia pedisse um arranjo de flautas, era assim. Se pedisse rock pesado, era um rock pesado. Por isso a gente trabalhou com 33 músicos no disco. De alguma forma, tudo se harmonizou, embora não tenha assim um eixo conceitual muito claro. Mas aquela concepção da capa, de eu nu, montado num leão, no espaço sideral, passa um pouco esse clima, de uma certa liberdade. As pessoas gostam muito de perguntar: mas que tipo de música você faz? Eu não sei. Nunca soube.
Qual foi a repercussão do disco na época?
Nessa época eu já não tava lendo essas coisas de ficção científica. Acho que mais possivelmente tinha a ver com uma busca mais espiritual, algo nesse sentido. Mas a escolha do repertório foi na idéia de uma diversidade. Eu queria encontrar uma unidade na diversidade. Então as canções foram, propositalmente, abrindo um leque o mais amplo possível. E tinha a idéia também de cada faixa ter a sua autonomia. Se a idéia pedisse um arranjo de flautas, era assim. Se pedisse rock pesado, era um rock pesado. Por isso a gente trabalhou com 33 músicos no disco. De alguma forma, tudo se harmonizou, embora não tenha assim um eixo conceitual muito claro. Mas aquela concepção da capa, de eu nu, montado num leão, no espaço sideral, passa um pouco esse clima, de uma certa liberdade. As pessoas gostam muito de perguntar: mas que tipo de música você faz? Eu não sei. Nunca soube.
Qual foi a repercussão do disco na época?
Foi muito boa, no que diz respeito à crítica especializada. Teve espaço na Veja. E ao longo do tempo é que eu fui percebendo isso. Outro dia uma pessoa em Recife, já de outra geração, bem mais jovem, me disse que me conhecia, que tinha o disco. Às vezes a gente nem dimensiona muito o alcance dessa coisa. O disco teve distribuição nacional, mas não teve uma distribuição boa, em termos de vendagem, porque o Lira Paulistana se associou com a Continental e esperava que a distribuição do disco fosse forte. Mas a Continental não tinha uma cultura pra divulgar os discos do Lira Paulistana. Eles precisariam ter um quadro de divulgadores que tivesse outro perfil. Mas imagine um divulgador saindo com um catálogo com um disco sertanejo e com o meu. O meu fica sobrando.
E no Ceará?
Na época, quem trouxe o disco aqui foi Amelinha e Zé Ramalho. Amelinha gravou uma música minha e do Penna, "Um gosto de muito mais", no disco "Mulher nova bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor". Eles conheceram o disco no nascedouro, e o Zé Ramalho se entusiasmou muito, queria lançar o disco pela CBS. Quando o disco saiu, ele mesmo se ofereceu pra trazer o disco aqui pra Fortaleza. Tocou muito na Rádio Universitária. Não cheguei a vir fazer show de lançamento em Fortaleza. Fiz em São Paulo e no Rio de Janeiro, em 82 e na seqüência, com o Lira Paulistana. Eram cerca de 10 nomes, em shows pra grandes públicos.
E agora, com o relançamento? Você pretende retomar um trabalho musical?
E no Ceará?
Na época, quem trouxe o disco aqui foi Amelinha e Zé Ramalho. Amelinha gravou uma música minha e do Penna, "Um gosto de muito mais", no disco "Mulher nova bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor". Eles conheceram o disco no nascedouro, e o Zé Ramalho se entusiasmou muito, queria lançar o disco pela CBS. Quando o disco saiu, ele mesmo se ofereceu pra trazer o disco aqui pra Fortaleza. Tocou muito na Rádio Universitária. Não cheguei a vir fazer show de lançamento em Fortaleza. Fiz em São Paulo e no Rio de Janeiro, em 82 e na seqüência, com o Lira Paulistana. Eram cerca de 10 nomes, em shows pra grandes públicos.
E agora, com o relançamento? Você pretende retomar um trabalho musical?
Eu segui durante um bom tempo trabalhando com música. E espero de alguma forma retomar, a partir desse relançamento. Continuo compondo, e tenho muito material que gostaria de gravar hoje – inclusive parceria com o Paulo Costa, que era do Papa Poluição e hoje mora em Toulouse, na França.
DALWTON MOURA
Repórter
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