O assunto já foi muito debatido. Existe em Crato, no desativado Aeroporto Nossa Senhora de Fátima, em plena Chapada do Araripe - a 10 Kms do centro da cidade - um bonito monumento feito pelo escultor José Rangel. O monumento foi feito em 1967 - quando as aparições de Nossa Senhora em Fátima completaram 50 anos - por iniciativa do então prefeito Humberto Macário de Brito. Trata-se de uma estátua de Nossa Senhora de Fátima que hoje está abandonada e não é vista mais, já que o aeroporto não mais funciona. Dezenas de apelos foram feitos para relocaliza-la na cidade, de preferência nas proximidades da igrejinha de Nossa Senhora de Fátima, ou na Praça da Ladeira da Integração. Afinal, Crato é uma cidade pobre em monumentos públicos. A propósito, o escritor Gilmar de Carvalho vem de lançar um livro sobre o famoso escultor José Rangel. Leia abaixo matéria publicada no jornal O POVO, edição de 19-07-2008, caderno "Vida e Arte":
(Na foto de Carlos Rafael, o monumento existente no Aeroporto de Fátima, ora desativado).
LIVRO
A vida em esculturas
Angélica Feitosa, da Redação
(Na foto de Carlos Rafael, o monumento existente no Aeroporto de Fátima, ora desativado).
LIVRO
A vida em esculturas
Angélica Feitosa, da Redação
O menino José levou uma surra, daquelas que não se esquece nunca mais. Tinha 12 anos e, para acalmar as agonias, foi passar um tempo com o tio na capital. O motivo do perrengue? Fez um boneco do Judas, para ser escorraçado na Semana Santa, com a cara do avô materno. Do talento do menino brotou semelhança tão atrevida que não tinha quem negasse a inspiração. Das memórias de Jardim, cidade do Cariri a 540 km de Fortaleza, o nome artista José Rangel vem embrulhado em histórias, causos, atrevimentos, boemia e renúncias. "No fundo, isso se reflete na busca do artista dos estereótipos, de que não dá valor ao dinheiro, do caráter boêmio", observa o pesquisador Gilmar de Carvalho, professor doutor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará.
Não conformado com a falta de (re)conhecimento do artista plástico, Gilmar foi responsável por escavar a vida e obra de um dos filhos mais ilustres de Jardim. O resultado está no recém-lançado Rangel Escultor - o artista que veio de Jardim, viabilizado pela Lei de Incentivo à Cultura, da Secretaria da Cultura do Ceará. No novo trabalho, Gilmar de Carvalho chafurda a vida de José Rangel, até onde alcançou. "Pelo que conseguimos remover das camadas da memória, ele era uma pessoa disciplinada, determinada, cumpridora das obrigações, dos contratos de trabalho", aponta, à revelia de muitas das histórias.
Para a tarefa, Gilmar pesquisou em jornais e revistas, revisitou parentes e amigos do artista com a ajuda do jornalista Nivaldo Tavares Rangel, sobrinho de José Rangel, além de pesquisas na biblioteca da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, com o auxílio de uma estagiária. O resultado são 87 páginas traçadas no perfil da humanidade do artista. Gilmar de Carvalho não se limita a retratar a obra e fazer o percurso de José Rangel em suas moradas, desde a partida da cidade de Jardim, o período em Fortaleza, os estudos na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro e a vida em Recife. Junto desse caminho, o pesquisador rememora a própria origem da cidade de Jardim, os rebuliços, histórias e contextos de cada ano e lugar significativos entre os anos de 1895 e 1969, nascimento e morte de Rangel.
Em um dos episódios, Rangel presenteia a mãe ao esculpir, na praça da Igreja de Jardins, a imagem de Nossa Senhora das Graças de costas para o templo, mas mirando a casa de dona Maroca, do outro lado da praça. Com o mimo, bastava à mãe do artista sentar-se na calçada para rezar e lembrar-se do filho. Posteriormente, a obra ganhou cores a mando de um padre, o que teria deixado o artista não muito contente. Restaurada muitos anos depois pelo artista Sérvulo Esmeraldo, a obra ganhou novamente a cor crua do cimento. Com trabalhos significativos, José Rangel foi artista dos espaços público e o próprio desenvolvimento da obra do artista se deu dessa forma.
Gilmar baliza que, de início, ele fez uso da areia da Praia do Peixe, hoje de Iracema, como as primeiras modelagens. Em Copacabana, anos mais tarde, os trabalhos na areia eram retomados e remexiam a região. Além de modelar perfis, mulheres e santos, José Rangel esculpia cenas de sexo à noite e, no escrito de Gilmar, "quando o dia amanhecia, chegavam até a chamar a polícia para acabar com aquela 'pouca vergonha'". Tendo como morada de suas obras os céus e o vento, o artista seguia a fidelidade a escultura. Embora tenha feito com maestria, desenhos e pinturas, era no campo da escultura o seu destaque. Em seu livro, Gilmar aponta para a perseguição da tridimensionalidade da escultura como maior forma de expressão de José Rangel.
Em Fortaleza, o mais famoso dos seus trabalhos é uma escultura realizada em conjunto com Antônio Machado e José Maria Sampaio, o Monumento do Cristo Redentor, um marco comemorativo do Centenário da Independência do Brasil, localizado na (oficialmente) denominada Praça Senador Machado, ao lado do Seminário da Prainha. "Ele trabalhava com esculturas de espaço público, obras de grandes formatos", define o pesquisador. Na capital carioca, são várias as obras espalhadas pela cidade, muitas obras cíveis, como a escultura de bronze de um soldado de joelhos curvados e mão no peito como ferido, intitulada A epopéia do sacrifício, sobre a placa comemorativa ao Dezoito do Forte de Copacabana, incrustada na avenida Atlântica. Gilmar destaca, contudo, que o grande diferencial de José Rangel foi de, junto a Vicente Leite, serem os primeiros artistas cearenses a terem uma educação artística formal. "Os dois cumpriram temporadas na Escola de Belas Artes, do Rio de Janeiro e abriram um novo capítulo na história da arte cearense, que foi romper com o autodidatismo do trabalho com arte. Os artistas começam a ver a possibilidade de se educarem", conta Gilmar.
Dessa forma, parte-se da nova atitude, de deixar de pensar que o artista é somente aquele que trabalha de forma intuitiva, mas também deve se preparar melhor, estudar, na busca de crescer em seu ofício.
Serviço
Rangel Escultor - O artista que veio de Jardim. De Gilmar de Carvalho. Editora: Expressão Gráfica - Secult, 2007. Preço: R$ 15, à venda, na livraria Lua Nova (Bairro Benfica).
Não conformado com a falta de (re)conhecimento do artista plástico, Gilmar foi responsável por escavar a vida e obra de um dos filhos mais ilustres de Jardim. O resultado está no recém-lançado Rangel Escultor - o artista que veio de Jardim, viabilizado pela Lei de Incentivo à Cultura, da Secretaria da Cultura do Ceará. No novo trabalho, Gilmar de Carvalho chafurda a vida de José Rangel, até onde alcançou. "Pelo que conseguimos remover das camadas da memória, ele era uma pessoa disciplinada, determinada, cumpridora das obrigações, dos contratos de trabalho", aponta, à revelia de muitas das histórias.
Para a tarefa, Gilmar pesquisou em jornais e revistas, revisitou parentes e amigos do artista com a ajuda do jornalista Nivaldo Tavares Rangel, sobrinho de José Rangel, além de pesquisas na biblioteca da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, com o auxílio de uma estagiária. O resultado são 87 páginas traçadas no perfil da humanidade do artista. Gilmar de Carvalho não se limita a retratar a obra e fazer o percurso de José Rangel em suas moradas, desde a partida da cidade de Jardim, o período em Fortaleza, os estudos na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro e a vida em Recife. Junto desse caminho, o pesquisador rememora a própria origem da cidade de Jardim, os rebuliços, histórias e contextos de cada ano e lugar significativos entre os anos de 1895 e 1969, nascimento e morte de Rangel.
Em um dos episódios, Rangel presenteia a mãe ao esculpir, na praça da Igreja de Jardins, a imagem de Nossa Senhora das Graças de costas para o templo, mas mirando a casa de dona Maroca, do outro lado da praça. Com o mimo, bastava à mãe do artista sentar-se na calçada para rezar e lembrar-se do filho. Posteriormente, a obra ganhou cores a mando de um padre, o que teria deixado o artista não muito contente. Restaurada muitos anos depois pelo artista Sérvulo Esmeraldo, a obra ganhou novamente a cor crua do cimento. Com trabalhos significativos, José Rangel foi artista dos espaços público e o próprio desenvolvimento da obra do artista se deu dessa forma.
Gilmar baliza que, de início, ele fez uso da areia da Praia do Peixe, hoje de Iracema, como as primeiras modelagens. Em Copacabana, anos mais tarde, os trabalhos na areia eram retomados e remexiam a região. Além de modelar perfis, mulheres e santos, José Rangel esculpia cenas de sexo à noite e, no escrito de Gilmar, "quando o dia amanhecia, chegavam até a chamar a polícia para acabar com aquela 'pouca vergonha'". Tendo como morada de suas obras os céus e o vento, o artista seguia a fidelidade a escultura. Embora tenha feito com maestria, desenhos e pinturas, era no campo da escultura o seu destaque. Em seu livro, Gilmar aponta para a perseguição da tridimensionalidade da escultura como maior forma de expressão de José Rangel.
Em Fortaleza, o mais famoso dos seus trabalhos é uma escultura realizada em conjunto com Antônio Machado e José Maria Sampaio, o Monumento do Cristo Redentor, um marco comemorativo do Centenário da Independência do Brasil, localizado na (oficialmente) denominada Praça Senador Machado, ao lado do Seminário da Prainha. "Ele trabalhava com esculturas de espaço público, obras de grandes formatos", define o pesquisador. Na capital carioca, são várias as obras espalhadas pela cidade, muitas obras cíveis, como a escultura de bronze de um soldado de joelhos curvados e mão no peito como ferido, intitulada A epopéia do sacrifício, sobre a placa comemorativa ao Dezoito do Forte de Copacabana, incrustada na avenida Atlântica. Gilmar destaca, contudo, que o grande diferencial de José Rangel foi de, junto a Vicente Leite, serem os primeiros artistas cearenses a terem uma educação artística formal. "Os dois cumpriram temporadas na Escola de Belas Artes, do Rio de Janeiro e abriram um novo capítulo na história da arte cearense, que foi romper com o autodidatismo do trabalho com arte. Os artistas começam a ver a possibilidade de se educarem", conta Gilmar.
Dessa forma, parte-se da nova atitude, de deixar de pensar que o artista é somente aquele que trabalha de forma intuitiva, mas também deve se preparar melhor, estudar, na busca de crescer em seu ofício.
Serviço
Rangel Escultor - O artista que veio de Jardim. De Gilmar de Carvalho. Editora: Expressão Gráfica - Secult, 2007. Preço: R$ 15, à venda, na livraria Lua Nova (Bairro Benfica).
Nenhum comentário:
Postar um comentário