TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Eis a manhã deste sábado

O sábado amanheceu. Sábado de uma semana cheia de novos ares. Um negro foi eleito presidente dos EUA, Berlusconi rosnou o seu fascismo incrustado através do preconceito racial (Obama é um rapaz simpático e bem bronzeado); Sarah Palin, a vice de Mc Cain, virou a "culpada" pela derrota e agora a Fox News espalha que ela não sabia que a África era um continente e se admirou que a América do Norte fosse formada por México, EUA e Canadá. Mas a semana aconteceu mesmo foi aqui no Brasil.

O Supremo Tribunal Federal, enquanto a polícia federal perseguia o delegado que comandou a investigação, confirmava o Hábeas Corpus a favor do poderoso banqueiro Daniel Dantas. Não apenas isso: o STF abriu o verbo contra o Juiz de Sanctis aquele que autorizou a prisão do banqueiro. A novidade não é tanto os poderes constituídos defendendo o "colarinho branco", a novidade é que isso não se sustenta mais. As pessoas não engolem e num mundo urbano, os ministros do supremo neste sábado mesmo estarão pelas ruas das cidades brasileiras, seus empregados sentirão um desequilíbrio perigoso e ser filho ou neto de um ente assim já não é tão agradável.

Barack Obama é o estágio atual de processos eleitorais. Numa sociedade de massas, quando avós e pais geraram tantos filhos e a qualidade de vida os fez viver tão mais do que outras eras. Agora minoria é massa e maioria é outra coisa. Para o bem e para o mal, para o autoritarismo nascido de um ambiente geral inseguro ou para a democracia fruto de um equilíbrio de vontades plurais. Não importa que amanhã o desânimo se abata com a dureza do desemprego e da desgraça que nos atinge pessoalmente, enquanto se esteve tão esperançoso e entusiasmado na frente do palanque em Obama durante o discurso da vitória.

Berlusconi não pode ser uma cópia de Mussolini. É um autoritário, manipulador, truculento na relação política e tem a capacidade de juntar todos os fragmentos da direita italiana. Mas Berlusconi tem uma unha encrava que são os seus negócios. Eles os têm como extensão do governo de tal modo que nunca poderá unir os italianos. Só uma visão coletiva une.

Sarah Palin não será lembrada por ter sido a vice de um presidente derrotado. A rigor é uma maldade com ela, não foi este o papel dela. Ela será lembrada como uma solução política, malandra para o velhinho entusiasmado e o conservadorismo anacrônico da política republicana. Ainda mais diante da derrocada econômica e de guerras empacadas neste ocaso do Governo Bush.

Mas neste sábado não nos percamos. Se nos anos setenta os jovens (adolescentes) eram uma ponta insustentável da burguesia mundial, agora estes velhinhos dos anos dois mil são uma segunda ponta. Pois então a AIDS atinge a terceira idade, o HPV se manifesta, os agravos por causas externas e até os excessos da regras de vida. Também pudera. Quem mandou juntar tanta gente da mesma idade no mesmo espaço? O espaço urbano.

Para fim do caso do Supremo. Um poema lido pelo delegado Protógenes Queiroz que hoje é perseguido pelo supremo e pelo governo Lula em palestra para universitários:


Só de Sacanagem", de Elisa Lucinda:

Meu coração está aos pulos!
Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
Por quantas provas terá ela que passar?

Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, que reservo duramente para educar os meninos mais pobres que eu, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.

Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova?
Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?

É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e dos justos que os precederam: “Não roubarás”, “Devolva o lápis do coleguinha”, Esse apontador não é seu, minha filhinha”.

Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar. Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha ouvido falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar.

Só de sacanagem!

Dirão: “Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo o mundo rouba” e eu vou dizer: Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez.
Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau.
Dirão: “É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal”. Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal.

Eu repito, ouviram? MORTAL!

Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!

13 comentários:

Armando Rafael disse...

Meu caro Zé do Vale:
Muitos não gostam de Sarah Palin, ex-candidata à vice-presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano.
OK: “De gustibus non disputandum est”.(Gostos não se discutem). Também defendo que é legítimo divergir dela. Ou até acreditar que ela foi "a "culpada" pela derrota do Partido Republicano ou até que não sabia que a África era um continente"...tudo bem!Vá lá...
Mas, quem de sã consciência pode negar que essa senhora é uma pessoa coerente e transparente nas suas crenças ideológicas? Conservadora assumida, mãe de cinco filhos, que recusou abortar o último deles que nasceria com a síndrome de Down, Sarah Palin foi a sensação do último pleito para a Presidência dos EUA. Louve-se a sua sinceridade! Ela não usou de demagogia para atrair e enganar eleitores, como ocorre com tanta freqüência entre os políticos brasileiros. Sarah defendeu a presença militar norte-americano no Iraque. E informou: seu filho mais velho, Track, 19 anos, entrou para o exército em setembro de 2007 e foi recentemente mandado para combater no Iraque. Opõe-se ao aborto em todos os casos; é contra o “casamento” homossexual; é grande defensora de políticas pró-família; a favor da abstinência sexual antes do matrimônio; defende o ensino do criacionismo nas escolas; é favorável à pena de morte e contra o desarmamento da população. Ela é membro da NRA (Associação Nacional do Rifle), entidade que defende o direito ao porte de armas nos EUA. Enfim, ela gosta também de caçadas e de hambúrguer de carne de alce — hábitos abomináveis para os ecologistas...
Nesta manhã de sábado, as agências de notícias informaram: Sarah Palin, 44 anos, retornou ao Alasca para reassumir seu posto de governadora. Após a derrota do Partido Republicano, Sarah pode se tornar uma das principais forças na sigla em sua reestruturação após a era George W. Bush. A governadora é cotada inclusive para ser a presidente do Partido Republicano.
Não seria bom se no Brasil tivéssemos políticos sinceros,honestos, autênticos e transparentes como Sarah Palin?

Armando Rafael disse...

Já tinha postado a nota acima, quando li no site da revista Veja –edição de 12 de novembro – que circula neste fim de semana,
a notinha abaixo:

O fenômeno Sarah Palin
“A vitória tem muitos pais e a derrota tem muitos filhos enfurecidos, por assim dizer. Teve gente da campanha de John McCain louquinha para meter o pau na Palin. A governadora do Alasca e inesperada candidata a vice-presidente foi jogada aos lobos, também conhecidos como assessores políticos. Segundo eles, Sarah Palin foi rebelde, não seguiu as ordens da direção da campanha e tropeçava nos conhecimentos gerais – exatamente algumas das características que a popularizaram entre certo eleitorado americano. Ainda bem que a moda de políticos de grande apelo popular, mas com certas inconsistências geográficas, não atravessou o Atlântico e chegou por aqui”.

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Armando: poucos meses atrás em razão de um post do Dihelson sobre a "sabedoria" de um bispo pentecostal a respeito da idéia da evolução segundo Darwin, fiz uma matéria sobre o criacionismo e nele citava as posições da governadora do Alaska. Para minha surpresa uma mulher de Fortaleza, entendeu que fazia crítica às posições da governadora e baixou o sarrafo em mulheres brasileiras, todas do campo mais à esquerda do pensamento político. Fiquei admirado pois eu não criticara a Sarah, mas o criacionismo e mais ainda por ser uma mulher dizendo tanta besteira preconceituosa sobre outras mulheres. Agora você me pareceu não entender o que escrevi.

Foi justamente, nos últimos parágrafos o que disse: a questão da Sarah Palin no debate é politico mesmo, não se refere a usar dinheiro republicano para empetecá-la e menos ainda pelas ignorâncias dela. A questão da Sarah Palin é o contéudo de seu pensamento, de sua ideologia. Se não serviu ao conservadorismo republicano desta vez, mas já serviu em outras ocasiões, é porque a questão central hoje é o desemprego, o futuro economico da nação e foi este o discurso que vingou no debate eleitoral americano.

Agora, Armando, tenho visto que você tende, às vezes, a não considerar o conteúdo da vida em favor da forma. Ora o problema da coerência é importante, mas o que se luta em política é pelo conteúdo. Ninguém pode deixar de dialogar/debater com as posições políticas de quem quer que seja só porque ela é mais sincera ou mais disfarçada. Quanto mais discutirmos o contéudo, melhor para o futuro da humanidade. A posição dos políticos poderá ser criticado pelo método, mas o conteúdo é o central. Por exemplo este artigo da Veja no maior estilo forma: quando o Lula erra em geografia é um Deus nos acuda, mas quando é um símbolo do pensamento conservador, interdite-se o Lula. O Lula é sempre o alvo da Veja porque de algum modo ele não representa a insinceridade, mas um contéudo que a revista combate. Canso de ler matérias nos nossos blogs que entram exatamente neste viés primário do debate político. Mas o que fazer, o mundo é mais vasto e complexo e leva tempo para que todos cresçamos em conjunto.

Marcos Vinícius Leonel disse...

Eu sinto arrepios lendo a justificativa de Armando Rafael para se gostar de Sarah Palin: esse é o maior fantasma do reacionarismo no mundo. Se o Brasil tivesse um político com essa dose de irracionalidade, de anacronismo e de idiotice cavalar, seríamos testemunhas do renascimento da Inquisição, que queimou sem pena e sem pudor qualquer um que não soubesse rezar o catecismo. Talvez, de quebra, tivéssemos a instituição nacional de preservação da intolerância à vida: pois a imbecil se recusou a fazer um aborto, o que acho correto, mas é membro de uma associação que defende o porte de arma, o que contraria não vegetarianos, mas qualquer ser raciona; além disso o instinto de preservação de Sarah Palin é uma implosão retumbante de qualquer vestígio de inteligência, pois quem fomenta na própria família o suicídio cívico, apenas para sustentar a égide de polícia do mundo, tem a capacidade de discernimento de um crocodilo, que num primeiro vacilo come os próprios filhotes. A ignorância de Sarah Palin, ao desconhecer a geopolítica mundial, em não conhecer nem a própria contextualização política do seu continente, em reconhecer apenas o seu próprio umbigo necrosado por junk foods, é a mesma que jogou e tem jogado os Estados Unidos na maior decadência moral, econômica e ética da sua história. São esses valores conservadores que propiciam traumas irreversíveis, através da castração e da austeridade impoluta, bem como da supremacia do poder a qualquer custo, a ponto de tornar essa sociedade a maior fábrica de serial killers e de disfunções de personalidade do mundo, que provocam assassinatos em massa, com atiradores suicidas que não sabem conviver com a rejeição e as complexidades existenciais. Ainda bem que temos o direito de gostar ou não. Ainda bem que temos o contraditório e caricatural sistema eleitoral americano, para mandar Sarah Palin para o quinto dos infernos, que é para soar bem cristão.

Armando Rafael disse...

Caro Marcos Vinicius Leonel:

Não é meu desejo alimentar polêmicas com você. Principalmente quando o assunto é "Inquisição". Mas como já percebi que você é interessado (e sempre cita) esse tema, transcrevo abaixo - apenas a título de informação - duas interessantes matérias:

(Antes que me esqueça: como estarei ausente do Cariri pelos próximos 8 dias, só no retorno - lá para o dia 15/nov - utilizarei meu direito à tréplica.)

*** 1ª MATÉRIA ***

BBC desfaz calúnias sobre a Inquisição

Talvez nenhuma instituição tenha sido tão denegrida, e com tanta fúria, ao longo dos tempos, quanto a Inquisição, sobretudo a Inquisição espanhola.

Contra ela falou-se cobras e lagartos. As criancinhas, nos primeiros anos de vida escolar, já eram assustadas com fogueiras onde se queimavam vítimas inocentes, torturas em fim, sentenças sem julgamento e por aí a fora. E as acusações se repetiam continuamente nos cursos superiores, na mídia, de boca em boca etc.

O próprio leitor deve ter ouvido muitos ataques contra a Inquisição, sempre agitada como um espantalho. De uns tempos para cá, porém, o desejo de realizar estudos sérios por parte de muitos historiadores de peso, levou-os a debruçar-se sobre os documentos relativos à Inquisição. E a verdade brilhou. A Inquisição era inocente dos crimes que a acusavam.

Livros passaram a ser publicados, desfazendo a "legenda negra", e mostrando como os castigos aplicados pela Inquisição não só foram moderados, mas muito reduzidos em número; e mediante provas obtidas em processos escrupulosamente regulares.

Agora, também a insuspeita emissora BBC de Londres vem refutar o mito da Inquisição como paradigma de terror. A notícia nos vem através do diário madrilenho "El Pais" (8-11-94), em artigo de Lola Galán, intitulado "A falsa história da Inquisição espanhola". Diz ela:

"As sinistras salas de tortura dotadas de rodas dentadas, engrenagens quebra-ossos, grilhões e demais mecanismos aterradores só existiram na imaginação de seus detratores. O Santo Oficio (nome do Tribunal da Inquisição) viu-se frente a uma gigantesca máquina propagandística.

"Domingo, num programa noturno de maior audiência - Time Watch - a BBC mostrou o verdadeiro rosto· do tribunal criado pelos Reis Católicos contra a heresia. Peritos do porte de Henry Kemen, Stephen Haliczer ou os professores José Álvares Junco e Jaime Contreras reconstituíram a verdadeira fisionomia de uma instituição intencionalmente desvirtuada.

"Em cerca de 7 mil casos, aplica-se apenas em 2% algo parecido com a tortura. Em 350 anos de história, enquanto a lenda fala de milhões de assassinatos, a cifra real de vítimas situa-se entre 5 a 7 mil pessoas.

"É paradoxal que tenha sido a prestigiosa BBC, a televisão estatal britânica, a encarregada de reconstituir a imagem de uma instituição espanhola".

É curioso notar que muitos dos detratores de Inquisição diziam-se admiradores da Revolução Francesa, a qual comprovadamente cometeu crimes horrendos.

*** 2ª MATÉRIA ***

Inquisição:Mito e realidade histórica

A verdade é bem diferente da ficção que se divulga sobre a Inquisição. Há necessidade de analisá-la com serenidade, com base na ciência histórica e dentro do contexto da época de sua existência.
O Prof. Dr. Roman Konik, nascido em 1968, além de publicista e comentarista de fatos quotidianos de seu país, é doutor em filosofia, professor adjunto da cátedra de estética na Faculdade de Filosofia da Universidade de Wroclaw (Polônia). É autor do livro “Em Defesa da Santa Inquisição’. A obra suscitou muita polêmica, e apesar do boicote sofrido por parte de livrarias — devido à legenda negra que se criou em torno do tema, apontando os inquisidores como “carniceiros”, torturadores, etc. –– despertou bastante interesse, já tendo sido vendidos mais de 35 mil exemplares. Com a polêmica, o jovem professor vem sendo convidado para conferências em diversas cidades de seu país, a fim de expor sua visão objetiva e bem documentada sobre o assunto, oposta aos mitos criados por certa literatura liberal contra o Tribunal do Santo Ofício. Na entrevista concedida ao Sr. Leonardo Przybysz, nosso correspondente em Cracóvia (Polônia), comprova-se como os fatos — alicerçados na realidade histórica, e que se tornaram patentes mediante rigorosas pesquisas — diferem inteiramente das fantasias criadas e das detrações anti-Inquisição, embora não se negue que tenha havido certos abusos cometidos por alguns poucos inquisidores.
* * * * * * * * *
Catolicismo — Em seu livro "Em defesa da Santa Inquisição", o Sr. explica que a Inquisição não era a responsável pela execução das penas de morte, mas sim os tribunais leigos. Não será esse ponto de vista semelhante às opiniões de alguns historiadores judeus, que dizem não ter sido o Sinédrio o responsável pela morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas o Tribunal Romano?
Prof. Konik — Sempre que tocamos no assunto do funcionamento da Inquisição, precisamos considerá-la sob o prisma da época em que ela atuou. Na Idade Média, a Religião constituía a garantia e o fator de coesão do Estado. Sempre que tentamos delimitar o Direito civil e o eclesiástico, encontramos dificuldades. Os leitores das crônicas de Gall Anonim (monge beneditino que escreveu a história da Polônia desde o início até o século XII; não se conhece seu nome; alguns dizem que vinha da Gália, daí o nome Gall Anônimo) muitas vezes fazem a pergunta: quebrar os dentes publicamente com um pedaço de pau, devido à quebra ostensiva do jejum, constituía uma pena civil ou eclesiástica? Na verdade, era uma pena civil à qual a Igreja se opunha.
Na Idade Média, os problemas criminais, civis e religiosos se interpenetravam. Lendo os autos dos processos inquisitoriais, mais de uma vez encontramos bandidos comuns que, surpreendidos pela polícia no ato de violação, de roubo, de assalto à mão armada, rapidamente inventavam uma motivação religiosa para explicar o seu procedimento. Por quê? Simplesmente para cair na esfera da justiça da Inquisição e não da justiça civil ou temporal. Pois a justiça inquisitorial garantia pelo menos uma investigação, em vez da pena de fogueira imediata, a qual — como a pena de morte ou o decepamento da mão — não foi absolutamente invenção dos inquisidores.
Lembremo-nos de que nesse período histórico aplicava-se a pena de morte até pela falsificação de dinheiro ou pela ofensa à majestade real. Analogamente aceitava-se o fato de que a ofensa dirigida a alguém superior ao rei, ou seja, a Deus, só poderia ser punida da mesma forma. Os hereges pertinazes, mais freqüentemente os heresiarcas (isto é, os autores de heresias) e que se recusavam a abandonar o erro eram tratados como rebelados comuns. Isso se compreende, considerando-se que a atuação de herejes como os cátaros destruía a ordem social. Eles não aceitavam o funcionamento da sociedade civil e eclesiástica, incitavam à renúncia da medicina e à completa abstinência sexual, inclusive no casamento, ou ao ritual chamado endura (morte voluntária pela extenuação do organismo, ou morte pela fome). Promoviam o aborto, acreditando ser melhor uma criança não nascer neste "vale de lagrimas", e ir assim diretamente para o Céu. Grupos de hereges revoltosos atraíam os pobres para suas fileiras, sob a promessa de que, roubando aos ricos, contribuíam para criar uma igreja nova, na qual as chances seriam iguais para todos. Isso não era uma contravenção estritamente religiosa, razão pela qual muitas vezes, após o julgamento e definição do grau de heresia, os rebeldes eram entregues ao braço civil para que se procedesse ao devido processo penal que dizia respeito a questões criminais: roubo ou violação. Freqüentemente acabava em pena de morte, mas a responsabilidade dos inquisidores em relação ao direito era igual à de cada cidadão. Uma situação equivalente, hoje em dia, consistiria em a Igreja concluir de acordo com o Direito Canônico um processo de sacerdote por crime de pedofilia, e em seguida entregar o caso à Procuradoria para que concluísse a investigação e aplicasse a devida pena.
A maior parte das heresias nascidas na Idade Média atingia sobretudo a justiça civil. Vale a pena lembrar que o tribunal inquisitorial, entregando o herege à autoridade civil, incluía uma carta recomendando prudência na decisão.
Catolicismo — Também em seu livro o Sr. aponta a criação de um quadro negativo da Inquisição através de livros (sobretudo “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco), pinturas, filmes ou exposições. Realmente, muitos artistas que retrataram a Inquisição (por exemplo, Goya) não viveram na época de sua existência. Pode-se pois perguntar se é fidedigno o que apresentaram. O Sr. conhece artistas que viveram no tempo da Inquisição atuante, que a mostraram de modo fiel?
Prof. Konik — Na mente do homem de hoje, há uma idéia comum que considera o inquisidor como um velho monge encapuzado com inclinações sádicas, inflamado do desejo de autoridade. O melhor exemplo disso é a figura de Bernard Gui, inquisidor de Toledo, descrito pelo conhecido medievalista italiano Umberto Eco em seu livro “O Nome da Rosa”. Pior ainda é a imagem apresentada no filme realizado com base em tal obra. Bernard Gui, como figura histórica real, foi inquisidor de Toledo e durante 16 anos exerceu esse cargo. Julgou 913 pessoas, das quais apenas 42 ele entregou ao tribunal civil como perigosos rebeldes (reincidentes, pedófilos, criminosos), o que não significava absolutamente pena de morte para eles. Em muitos casos Gui indicava tratar-se de doença psíquica, suspeição de heresia, desistindo de interrogatórios. Segundo a visão preconceituosa dos protestantes, é certo que essas pessoas iriam para a fogueira, ao contrário da verdade histórica.
É importante registrar que escritores protestantes, pouco simpáticos à Inquisição, começaram a escrever a história dela de maneira desfavorável, apresentando-a deformada. Também nas expressões artísticas das épocas posteriores à medieval verificou-se um reflexo dessa visão caricatural. Mas basta analisar o mundo artístico medieval para observar quadros que apresentam São Domingos convertendo os hereges, São Bernardo de Claraval discutindo com eles, ou então pinturas de inquisidores-mártires morrendo nas mãos de hereges — por exemplo, o martírio de São Pedro de Verona; ou de São Pedro de Arbués, assassinado na catedral de Saragoça (Vide seção Vidas de Santos).
Exemplo de ódio radical contra a Igreja e da manipulação a que me referi é um quadro no Museu Nacional de Budapeste, apresentando uma sala de torturas, intitulado no catálogo “Inquisição”. Só depois de muitos protestos de historiadores, mostrando que o quadro apresentava cena de tortura num tribunal civil, é que o título foi mudado para “Sala de torturas”.
Lembremo-nos de que foram as descrições caricaturais de Diderot, Voltaire e até Dostoiewski que formaram na mente do homem de hoje a visão da Inquisição como um espectro. Os historiadores poloneses também não ficaram atrás dos historiadores “progressistas”. Deparando diariamente com essa visão distorcida da Inquisição, o homem comum é inclinado a aceitá-la como verdadeira.
Catolicismo — O Sr. diz que os inquisidores eram pessoas simpáticas, esclarecidas. Mas tanto ouvimos falar deturpadamente sobre as inimagináveis e sádicas torturas...
Prof. Konik — Se isso fosse verdade, então por que tantos malfeitores esforçavam-se em demonstrar que suas infrações eram de natureza religiosa, para que dependessem de juízes-inquisidores? Certamente não era porque gostassem de ser torturados... Lembremo-nos de que nesse tempo os tribunais civis em geral aplicavam torturas como forma, por exemplo, de um acréscimo de castigo, que precedia a morte. Já nos tribunais inquisitoriais as torturas, quando aplicadas, o eram somente com o objetivo de obter informações muito importantes. Na legislação medieval a aplicação de torturas era geral, mas os tribunais inquisitoriais as adotaram de forma muito abrandada. Proibiam torturar mulheres grávidas, crianças ou pessoas idosas. Para aquela época, isso era considerado inovador, pois nos tribunais civis tais pessoas não eram excluídas da possibilidade de serem torturadas. Era proibido também torturar duas vezes a mesma pessoa. A aplicação de torturas devia ser decidida por aclamação de todos os juízes — como também do defensor do réu — e com a aprovação do bispo local e de um consultor independente. Ressalto que as torturas aplicadas pela Inquisição eram raras. Na França, onde se efetuava a luta contra a seita dos albigenses, durante 200 anos só três vezes decidiu-se aplicá-la. A tortura mais freqüente era privar o condenado de alimentação, ficando ele totalmente isolado. Os tribunais da Inquisição foram os primeiros a garantir a defesa ex-ofício e o que hoje é praticado: a prisão domiciliar e a liberdade mediante caução. As informações obtidas através de torturas não podiam ser consideradas como prova e deviam ser confirmadas num período posterior de 24 horas.
Os inquisidores eram recrutados sobretudo entre os melhores religiosos, de alta formação e de fama ilibada. A idade mínima era 40 anos, devido à experiência de vida, e tendo em vista precaver-se contra decisões apressadas, próprias da juventude. Os inquisidores não podiam usar arma. Eram pessoas normais do povo, freqüentemente viajantes, intelectuais curiosos de conhecer o mundo. A autoridade do inquisidor era geral na sociedade. Após o assassinato de Pedro de Verona, um dos mais conhecidos inquisidores, a multidão bradou: santo súbito. Este fato está em clara contradição com a idéia que as pessoas hoje fazem sobre os representantes dessa “profissão”.
Também a carta dos bispos do Sínodo de Toledo causa surpresa, pedindo aos inquisidores que sejam moderados nos jogos e não fiquem até tardias horas nas praças.
Catolicismo — Será que a comparação que o Sr. faz em seu livro, das seitas heréticas com grupos comunistas, não constitui analogia um tanto exagerada?
Prof. Konik — Mas, de fato, não foi isso (ou seja, medidas de caráter comunista) que fizeram os irmãos dulcianianos (seita medieval, muito esquerdista, liderada por Dulcian, que atuou sobretudo na Itália), os quais lutaram para introduzir a comunidade de bens, e assim privar a todos da propriedade privada? Lembremo-nos de que a atuação dos hereges não era apenas na linha da persuasão, mas freqüentemente obrigavam as pessoas ricas a “distribuírem aos necessitados” seus bens; os quais, como sempre acontece nessas situações, eram imediatamente defraudados. A semelhança também existe na esfera da propaganda: tanto a esquerda moderna como os hereges de outrora empenhavam-se em introduzir a “justiça social”, utilizando chefes carismáticos para enganar a população. É digno de nota que os movimentos heréticos nunca tentaram arregimentar membros da classe intelectual, procurando sempre apoio nas classes mais baixas, de pouca instrução. A semelhança entre os hereges medievais e a esquerda moderna é notória também pelo fato de que ambos os movimentos dirigem-se às pessoas numa linguagem que elas querem ouvir. Nas homilias dos hereges cátaros, nunca aparece o elemento de responsabilidade pessoal. Não está presente o Juízo Final, o Purgatório não existe, mas somente o Céu, e este é destinado a todos. Como no socialismo: a visão da vida na Terra sem que se assumam responsabilidades foi, é e será sempre algo que atrai.
* * *

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Armando eu fiquei com a sensação que o professor Konik faz parte da mesma argumentação que não analisa o passado mas argumenta em favor do presente. A técnica de "revisão" ideológica é conhecida, mas a história tem outras sustentações. A questão do extermínio dos judeus pela Alemanha de Hitler, conduzido pelo partido e pelo governo deste partido é uma questão política à luz da história. Os fatos estão lá como as morte do Stalinismo. É tão político o problema que o atual papa sustou, temporariamente, a beatificação de Pio XII. A inquisição ibérica, bem distinta daquela medieval, é de fato uma questão de estado e por delegação dos papas da época, mas separar os tribunais da ordem eclesiástica espanhola é manipulação histórica e politicamente é jogo de má fé. Então fiquemos assim: as mortes de judeus, ciganos, homossexuais, comunistas, socialista, sociais democratas, opositores enfim do nazismo foram culpa apenas dos tribunais e dos executores e nada tem com o partido nazista. Faça-se o mesmo com o partido comunista soviético no tempo de Stalin, com os fascistas de Mussolini. Eu tenho muito medo destes textos que justicam não o passado mas o horror sobre o presente. Tenho medo de quem se exime historicamente das suas responsabilidade como se pretende em relação à igreja católica. O próximo passo é, em nome desta, se cometer iguais atrocidades. Defendo que discutamos o autoritarismo, o genocídio e todo tipo de perseguição humana como princípio da política e não a fulanização destes desvios sociais e políticos.

socorro moreira disse...

"Minha esperança é imortal" !

Marcos Vinícius Leonel disse...

Armando, mesmo sem escrever qualquer comentário no momento, só próximo à sua volta, desde sempre a sua tréplica está garantida.

Dihelson Mendonça disse...

Como diria Millor:

Livre pensar...

- A inquisição não Existiu. Foi uma farsa criada pelos protestantes para tentar derrubar a Sacta Madre Igreja.

- O Holocausto também não existiu. Foi um projeto cuidadosamente arquitetado pelos judeus para se manterem nos negócios do mundo e lucrarem com Hollywood.

- Pedro é o representante de Cristo na terra. A procuração encontra-se lá no Cartório de Geraldo Lobo.

- Branca de Neve mora lá em Monte Alverne com seus sete anões.

Não! Jesus não morreu! Vive na serra Da Borborema,/ no ar de minha terra,/ Na molécula e no átomo.../ Resume A espiritualidade da matéria/
E ele é que embala o corpo da miséria/
E faz da cloaca uma urna de perfume.
...
...

Não é pra entender!
É pra acordar mesmo!


Dihelson Mendonça

João Ludgero Sobreira Neto Ludgero disse...

Marcos, só falta nos convencerem que as mortes no Caldeirão do Beato Zé Lourenço foi por falta de tempero.

Saudações Geográficas!
João Ludgero

Marcos Vinícius Leonel disse...

Mas a diocese, através dos salesianos,mandaram um cuzinheiro assim mesmo.

Dihelson Mendonça disse...

Marcos , só se foi um "CUzinheiro" mesmo no Caldeirão...e não um cozinheiro...

Ah, tinha esquecido de colocar na minha lista:

- As mortes no caldeirão também não existiram, foi tudo invenção dos rebeldes.
...
Há certas leituras que às vezes penso que alguns vivem num eterno conto-de-fadas, no mundo de Harry Potter...

Abraços,

DM

Marcos Vinícius Leonel disse...

pois é, cara, foi um vacilo, mas nada que seja capaz de apagar a história