Thais Bilenky
O escritor cearense Ronaldo Correia de Brito concluiu seu primeiro romance. Galiléia (Objetiva/Alfaguara), após oito anos de maturação, encerra um processo de enxugamento e confirma a veia cinematográfica do autor.
Cento e vinte páginas foram cortadas do projeto inicial e se mantivesse o ritmo, Brito avançaria em mais "200, 300 folhas" com o "esteio, a memória, a história" de seus numerosos personagens. Entre uma obra "panfletária" e uma história "sintética", ficou a segunda.
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Galiléia se passa num sertão imaginário, onde um mundo arcaico e bíblico e outro contemporâneo globalizado entram em choque, descreve Brito, que é colunista de Terra Magazine.
"São três linhagens, três gerações (de personagens). A primeira - Raimundo, Caetano e Maria Raquel - é dos patriarcas. A segunda são os filhos deles. A terceira é a mais contemporânea que escuta Radiohead num caminhonete percorrendo os sertões", conta o autor. Mas o "choque" inicial acontece no interior dos personagens.
Os primos Ismael, Davi e Adonias nasceram e cresceram no sertão cearense, onde mora o avô, Raimundo Caetano. Os três, anos mais tarde, abandonaram as origens e foram viver um em São Paulo, outro na Noruega, outro entre Nova Iorque e França. O livro começa com o reencontro deles e o conflito interno de "se sentirem estrangeiros" na própria terra, diz Brito.
"Eu sempre escrevi sobre mulher", relata o autor que tem publicados As Noites e os Dias (1996), Faca (2003), O Pavão Misterioso (2004) e Livro dos Homens (2005), todos pela Cosac & Naify.
"Resolvi escrever um livro de homem. Em Galiléia, os personagens são masculinos, as falas são masculinas. A única personagem feminina que fala é uma mulher morta, um fantasma", diz.
Mas logo emenda:
- No fim das contas, a grande força de resistência da obra é feminina.
A "revelação final" da história se dá no momento epifânico que Brito considera ser essencialmente feminino, ainda que se passe com Adonias, o personagem principal. O neto, em meio às teias do tempo da casa de seu avô, descobre dentro de uma gaveta que ninguém tinha coragem de abrir, a fotografia da avó descalça. E com isso desvela o grande segredo da família, narra o autor.
"Metade das cenas acontece fora do Brasil, são cenas pós-modernas. É um experimento com todas as linguagens. As pessoas de 80 anos falam como pessoas de 80 anos. As de 70 falam como de 70, e as de vinte e pouco falam como as de vinte e poucos", diz Brito. "Os personagens jovens são complexamente urbanos" e transitam pelo "mundo mais arcaico", pontua o escritor.
- Sinais de uma globalização estão sempre se manifestando. O computador, o ruído na sala, onde está o avô, o som alto da televisão que transmite um programa sobre como manter a beleza com certos cremes rejuvenescedores a que a avó assiste, novas tecnologias de plantio como sobrevivência para o semi-árido, os celulares que não funcionam, mas que ninguém desliga, as crianças e os adolescentes nas lan houses se comunicando com o mundo.
Desde o título, a obra pontilha sugestões sobre a narrativa bíblica. Galiléia, onde hoje é Israel, foi o local em que Jesus Cristo se transfigurou, segundo o Evangelho. Todos os personagens do romance têm nomes bíblicos e "muitas das histórias se misturam com narrativas bíblicas", reconhece o autor. No livro, Galiléia é o nome da fazenda patriarcal inventada e que fica no sertão dos Inhamus, onde nasceu Brito.
O autor explica o título pela "presença muito forte de cristãos novos no sertão do Ceará". "Nós (os cearenses), na origem, éramos pastores. E éramos nômades muito parecidos com o povo judeu da Bíblia. A própria semi-aridez e a luta pela posse da terra - porque os ancestrais dizimaram os índios no Ceará - lembram" as narrativas do Evangelho, diz.
Brito aprendeu a ler através da Bíblia, mas afirma que nunca o fez com interesses religiosos. "Sempre li como um livro narrativo", afirma. Galiléia nasceu por conta de uma reportagem sobre imigrantes brasileiros que chegou às mãos de Brito em 2000. "Era para ser um projeto contundente, novo, uma experiência de linguagem e idéias. Acho que é muito provocativo", analisa o autor. E termina com a esquiva dos que contam história:
- Um personagem diz assim: que se levassem ele para o topo do edifício mais alto de Tóquio e perguntassem "o que você está vendo?". Ele diria "Galiléia". É assim mesmo como nosso povo é. Levaram uma figura do Crato para o topo do edifício mais alto de São Paulo e perguntaram: "o que você está vendo?". Ele disse "o Crato" (ri). É uma anedota, mas é verdade.
Fonte: Terra Magazine
3 comentários:
Olá pessoal
Depois das mini-férias (que foram excelentes) e com as baterias recarregadas, estou de regresso. E, de novo, visito este blogue, que continua em grande forma. Uma vez mais, muitos parabéns! Espero que também voltem ao www.aminhatravessadoferreira.blogspot.com, que, como sabem, é o meu novo. Já tenho saudades de vocês e das vossas visitas. Obrigado.
Qjs/Abs
PEDIDO: Depois do tsunami causado pelo bandido do hacker, gostaria de continuar a colaborar neste blogue. Poderão, se o quiserem, mandar-me o convite e voltarem a aceitar-me? Os meus agradecimentos.
Rafael , dá pra entender . Eu também vi o Crato de todos os lugares que morei.
Escuta , já conclui a leitura do romance. Fiquei com raiva de Rafael. Ele não tem sentimentos ... é carnívoro ! rs
Mas, por outras ... achei uma delícia ler Fran Martins ! Descobri quem possue todos os livros editados por ele... Não é demais ? Se lhe interessar , eu conto !
Beijo.
Prezado Henrique,
Você é sempre bem-vindo. Afinal, é quem manda as excelentes alvíssaras d'além mar. Além do mais, você continua como colaborador do blogue. Portanto, é só continuar postando.
Socorro,
Como você é rapida no gatilho da leitura. E o livro é um calhamaço, heim... Me conta quem tem o tesouro escondido, certo...
Bjos.
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