Em algum dia da semana passada a Socorro Moreira reuniu o meu passado. Aqui no Crato. Alguns quarteirões depois da minha vizinhança. E o mais grave de todas as fotos que capturam o tempo, quem tanto é o mesmo no arcabouço da minha vida, diferente seria se a Socorro não os tivesse identificado. Levei algum tempo para escrever este texto, a Socorro não identificou a mulher que não é ela e como poderia não reconhecê-la se parte tivesse sido deste meu tempo que afinal é o mesmo. Uma digressão. Desculpem-me.
Lá pelos idos dos anos setenta um modismo oriental choveu sobre a juventude. As religiões orientais vieram com as drogas e o rock. Vieram junto à primeira percepção do impacto ecológico da civilização, junto com a queda das revoluções e da deterioração das verdades que pareciam eternas. Foi aí que surgiram alguns textos sobre o AQUI E AGORA. Pensamento que não deixa de ter sua importância como guia de sobrevivência neste mundo sempre mutável da modernidade. Mas acontece que como filosofia o Aqui e Agora é desprovido de realidade humana. Embora saibamos perfeitamente o curso dos eventos, tenhamos noção precisa do que acontece e aconteceu e formulemos o por acontecer em termos de padrões de repetição, não é possível, por isso mesmo sermos limados desta simultaneidade do tempo. Afinal somos um movimento de contrários ao mesmo tempo em que encontramos as sínteses desta contradição a cada mudança de qualidade.
Pronto. Pelo menos quatro personagens daquele instantâneo da Socorro formam esta unidade de múltiplos que sou. A própria Socorro, o Hugo, o Nilo e o Peixoto. A Socorro tem sido uma tão boa parceira de diálogo, uma mulher tão ligada ao coletivo do Cariricult que já me imagino tendo dito sobre ela coisas muito mais detalhadas que direi dos outros três. Então sobre os demais.
A primeira imagem sobre o Hugo a Socorro já me roubou: aquela criança prodígio com um instrumento descomunal em seu peito. É desta imagem mesmo que o Hugo começa o meu relato. Fomos alfabetizados no Diocesano numa turma que tinha, entre outros, José Ribeiro, médico psiquiatra que mora em São Paulo, Tarcísio Leitim (Tarcizinho, tão miudinho que escondíamos dentro da carteira enquanto Dona Bernadete Cabral fazia a chamada), Alfredo Leitim (Geólogo), Pedro Ernesto (acho que médico), Hugo e mais outros com licença para não avantajar o texto. O Hugo depois mudou de colégio e novamente nos encontramos, já no início da adolescência, quando se transformava em músico profissional, no Diocesano. Um dado. O Diocesano reformulou os antigos quadros negros em madeira e mandou construir modernas lousas de cimento em cor verde. Aquilo era um orgulho para o Monsenhor Montenegro. Então numa madrugada de ensaio do desfile de 7 de setembro, alguém do batalhão de espadas, fez o Z da marca do Zorro na nova lousa. O Monsenhor Montenegro ficou possesso com a ousadia em primeiro lugar e pelo prejuízo em segundo. Fomos apertados, mas ninguém jamais denunciou o fato, mas eu sei quem foi. Aí veio a despedida do Hugo do Diocesano. Todo mundo com aquela farda e chega na aula do próprio Monsenhor o Hugo com a camisa que queria vestir. O Monsenhor foi se queixar e o Hugo no mais perfeito espírito da rebeldia dos anos 60 disse que a roupa era dele e vestiria o que queria. Aquilo quase mata o diretor. O Hugo, em compensação, virou um guia das nossas paixões juvenis.
O Nilo. O Crato é culto e civilizado, mas não esqueçamos que se encontra no mais remoto dos sertões: rude e grosseiro. Pois o Nilo é um colega muito gentil, educado e atencioso. Parece elogio pré-fabricado, mas o Nilo é assim mesmo. Não sei se permanece com voz baixa e suave, mas é este o tom da sua personalidade. A gentileza do Nilo se tornou mais realçada comigo quando nos tornamos colegas no Diocesano em razão de um estereotipo da minha geração. O Nilo, para uma certa turma de adolescentes, se enquadrava perfeitamente no que depois se chamou "gases raros", pois não se misturavam. No Crato era C. Doce e para o uso transitar sem censura, acho que por influência das aulas de Ivone Pequeno, passou-se a chamar Sacarina. O Nilo se vestia com elegância, transitava muito bem, para inveja de nós os feios e desregrados, entre as mulheres bonitas da cidade. Quando alguma de fora chegava, todos ficávamos duplamente alvoroçados, tanto pela novidade, quanto pela incapacidade de nos aproximarmos dela. Mas o Nilo não. Dançava longamente com elas e nós? Só duas músicas e estávamos de volta para os copos de Rum com Coca, gelo e limão. Mas espere aí pessoal. A inveja que eu e mais alguns tínhamos do Nilo já havia sido resolvida nos tempos de convivência colegial e tudo isso é apenas para dizer como os preconceitos se tornam pó com a matriz da vida.
O Peixoto. O homem de grandes paixões. Eu tenho a impressão que o Peixoto ainda tem o privilégio de carregar no seu coração uma paixão irresolvida. Afinal para aquele homem, daquela geração, é muito difícil viver sem intensidade. O Alcides Peixoto, poucos cratenses foram tão intensos quanto ele. Agora o nosso Peixoto, fomos colegas quando eu tinha 13 anos de idade e o Peixoto era muito mais velho: tinha uns dois ou três anos mais. Ele, Itzavan e Vicente Feitosa, eram adultos para aqueles adolescentes de primeira série ginasial no Diocesano: Danilo, Roberto Barros entre outros. Além do mais nas primeiras tertúlias, quem cantava? Peixoto. Pronto, tínhamos um mundo afoito além daquelas paredes do ginásio. Mas para resumir o Peixoto: era uma figura preste a explodir na juventude transviada (um tanto quanto James Dean) mas de uma doçura que só o pai dele sabia expressar tão bem. Misturando os sabores e as metáforas. No horário do recreio, saíamos do Diocesano direto para a lanchonete do pai dele. Até hoje, vejam que andei muitas léguas, não encontrei um doce de batata que se misturava com doce de goiaba em calda que quase chegava na altura dos amassos amorosos com aquela paixão ao som da voz do Peixoto.
È impossível afirmar se os quatros juntos. Mas assim que inauguraram o novo prédio do Banco do Brasil e com ele o primeiro elevador do Crato. No intervalo do recreio íamos até o BB, pegávamos o elevador e descíamos num andar superior. Olhávamos os bancários trabalhando e pegávamos o elevador de volta. Fazíamos aquele passeio de elevador e não precisava pagar ingresso.
Lá pelos idos dos anos setenta um modismo oriental choveu sobre a juventude. As religiões orientais vieram com as drogas e o rock. Vieram junto à primeira percepção do impacto ecológico da civilização, junto com a queda das revoluções e da deterioração das verdades que pareciam eternas. Foi aí que surgiram alguns textos sobre o AQUI E AGORA. Pensamento que não deixa de ter sua importância como guia de sobrevivência neste mundo sempre mutável da modernidade. Mas acontece que como filosofia o Aqui e Agora é desprovido de realidade humana. Embora saibamos perfeitamente o curso dos eventos, tenhamos noção precisa do que acontece e aconteceu e formulemos o por acontecer em termos de padrões de repetição, não é possível, por isso mesmo sermos limados desta simultaneidade do tempo. Afinal somos um movimento de contrários ao mesmo tempo em que encontramos as sínteses desta contradição a cada mudança de qualidade.
Pronto. Pelo menos quatro personagens daquele instantâneo da Socorro formam esta unidade de múltiplos que sou. A própria Socorro, o Hugo, o Nilo e o Peixoto. A Socorro tem sido uma tão boa parceira de diálogo, uma mulher tão ligada ao coletivo do Cariricult que já me imagino tendo dito sobre ela coisas muito mais detalhadas que direi dos outros três. Então sobre os demais.
A primeira imagem sobre o Hugo a Socorro já me roubou: aquela criança prodígio com um instrumento descomunal em seu peito. É desta imagem mesmo que o Hugo começa o meu relato. Fomos alfabetizados no Diocesano numa turma que tinha, entre outros, José Ribeiro, médico psiquiatra que mora em São Paulo, Tarcísio Leitim (Tarcizinho, tão miudinho que escondíamos dentro da carteira enquanto Dona Bernadete Cabral fazia a chamada), Alfredo Leitim (Geólogo), Pedro Ernesto (acho que médico), Hugo e mais outros com licença para não avantajar o texto. O Hugo depois mudou de colégio e novamente nos encontramos, já no início da adolescência, quando se transformava em músico profissional, no Diocesano. Um dado. O Diocesano reformulou os antigos quadros negros em madeira e mandou construir modernas lousas de cimento em cor verde. Aquilo era um orgulho para o Monsenhor Montenegro. Então numa madrugada de ensaio do desfile de 7 de setembro, alguém do batalhão de espadas, fez o Z da marca do Zorro na nova lousa. O Monsenhor Montenegro ficou possesso com a ousadia em primeiro lugar e pelo prejuízo em segundo. Fomos apertados, mas ninguém jamais denunciou o fato, mas eu sei quem foi. Aí veio a despedida do Hugo do Diocesano. Todo mundo com aquela farda e chega na aula do próprio Monsenhor o Hugo com a camisa que queria vestir. O Monsenhor foi se queixar e o Hugo no mais perfeito espírito da rebeldia dos anos 60 disse que a roupa era dele e vestiria o que queria. Aquilo quase mata o diretor. O Hugo, em compensação, virou um guia das nossas paixões juvenis.
O Nilo. O Crato é culto e civilizado, mas não esqueçamos que se encontra no mais remoto dos sertões: rude e grosseiro. Pois o Nilo é um colega muito gentil, educado e atencioso. Parece elogio pré-fabricado, mas o Nilo é assim mesmo. Não sei se permanece com voz baixa e suave, mas é este o tom da sua personalidade. A gentileza do Nilo se tornou mais realçada comigo quando nos tornamos colegas no Diocesano em razão de um estereotipo da minha geração. O Nilo, para uma certa turma de adolescentes, se enquadrava perfeitamente no que depois se chamou "gases raros", pois não se misturavam. No Crato era C. Doce e para o uso transitar sem censura, acho que por influência das aulas de Ivone Pequeno, passou-se a chamar Sacarina. O Nilo se vestia com elegância, transitava muito bem, para inveja de nós os feios e desregrados, entre as mulheres bonitas da cidade. Quando alguma de fora chegava, todos ficávamos duplamente alvoroçados, tanto pela novidade, quanto pela incapacidade de nos aproximarmos dela. Mas o Nilo não. Dançava longamente com elas e nós? Só duas músicas e estávamos de volta para os copos de Rum com Coca, gelo e limão. Mas espere aí pessoal. A inveja que eu e mais alguns tínhamos do Nilo já havia sido resolvida nos tempos de convivência colegial e tudo isso é apenas para dizer como os preconceitos se tornam pó com a matriz da vida.
O Peixoto. O homem de grandes paixões. Eu tenho a impressão que o Peixoto ainda tem o privilégio de carregar no seu coração uma paixão irresolvida. Afinal para aquele homem, daquela geração, é muito difícil viver sem intensidade. O Alcides Peixoto, poucos cratenses foram tão intensos quanto ele. Agora o nosso Peixoto, fomos colegas quando eu tinha 13 anos de idade e o Peixoto era muito mais velho: tinha uns dois ou três anos mais. Ele, Itzavan e Vicente Feitosa, eram adultos para aqueles adolescentes de primeira série ginasial no Diocesano: Danilo, Roberto Barros entre outros. Além do mais nas primeiras tertúlias, quem cantava? Peixoto. Pronto, tínhamos um mundo afoito além daquelas paredes do ginásio. Mas para resumir o Peixoto: era uma figura preste a explodir na juventude transviada (um tanto quanto James Dean) mas de uma doçura que só o pai dele sabia expressar tão bem. Misturando os sabores e as metáforas. No horário do recreio, saíamos do Diocesano direto para a lanchonete do pai dele. Até hoje, vejam que andei muitas léguas, não encontrei um doce de batata que se misturava com doce de goiaba em calda que quase chegava na altura dos amassos amorosos com aquela paixão ao som da voz do Peixoto.
È impossível afirmar se os quatros juntos. Mas assim que inauguraram o novo prédio do Banco do Brasil e com ele o primeiro elevador do Crato. No intervalo do recreio íamos até o BB, pegávamos o elevador e descíamos num andar superior. Olhávamos os bancários trabalhando e pegávamos o elevador de volta. Fazíamos aquele passeio de elevador e não precisava pagar ingresso.
3 comentários:
Tua memória é fantástica !
Teu jeito de contar os "causos" , inibe um comentário.
Com certeza você esteve entre nós , nesta noite passada ...
Sabia que a história do quadro -verde foi também lembrada ?
Hugo era deliciosamente prezepeiro ! "Expulso " do Diocesano , foi bendito entre as mulheres , lá no São João Bosco. E nos confessou : " Tive que ficar quieto !
Não existiam comparsas para as minhas brincadeiras... Converti-me ... não teve outro jeito ! "
E sabe o que de mais grave fazíamos ? Nas aulas vagas , íamos em grupo para a casa de Dona Almina Arraes (mãe do Joaquim). Lá , Hugo sentava ao piano e executava as mais lindas melodias , que a gente só nos vinis escutava. Era mágico ! Com Hugo e com meu pai , aprendi todas as canções de Kalú pra trás.
"Stella By Starlight " , por exemplo !
Nesta noite de 31 de outubro ,todos foram muito generosos ;
Fátima nos recebeu ; Peixoto e Nilo , cantaram... e Hugo , como antigamente , atenteu prodigamente a todos os nossos pedidos ...
Finalizamos a noite , já de madrugada ... E com chave de ouro :
Hugo nos apresentou o seu novo CD , "Revivendo o Passado " com faixas belíssimas ... Choros , valsas , toadas , fox... Um presente do encontro ... Inesquecível !
Nem você faltou , José do Vale Pinheiro Feitosa ! ...
naquele tempo eu era apenas uma menina tímida e estudiosa ... ( risos)
A moça da foto é a Fátima Pirão , irmã de Teresa Luiza ...Lembra ?
Fátima é a esposa de Peixoto.
DRAGÃO DO MAR disse...
Socorro querida. Por falar em memória...por falar em José do Vale...foi uma noite mágica sem dúvida. Noite de céu estrelado, noite quente, sobre todos os aspectos. E nós,os que lá estávamos como eram muitos não? José estava lá...toda a IVa série estava lá. Na noite estrelada éramos muitos José! E vc nunca saiu de perto. Está em cada fragmento das lembranças, desse meu livro inacabado que se chama vida. E cantamos e bebemos umas 6 "loirinhas" pra poder acertar os caminhos de volta e eu não queria nem me achar. Queria era me perder mesmo. Teu e-mail...está lá aguardando a resposta que matura. Como o nosso "piqui" ela vai amadurecendo. José, esses caminhos são nossos, por todas as ruas , becos, lanchonetes, pças, Igrejas...nossas pegadas indeléveis nos garantem a primazia de ter vivido o que não morre. Ecoam nossas conversas pela Rua Dom Quintino reverberando por tudo que é canto não é Socorro? São testemunhas as árvores da quadra bi centenário. Mas...foi essa noite...e vc estava lá.
5 de Novembro de 2008 11:07
DRAGÃO DO MAR disse...
O DRAGÃO DO MAR é Nilo Sérgio, encantado por Dragões e amante do mar. Mas na verdade Dragão do Mar é a figura do jangadeiro de Fortaleza, autodidata como poeta e bravo na defesa dos escravos. "Nos portos do Ceará jangadeiro não transporta escravos" ! Um herói cearense!
5 de Novembro de 2008 18:25
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