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sábado, 6 de dezembro de 2008

CORREINHA

Um mestre sem diploma se despede

Mestre Correinha: artista aclamado como mestre da cultura popular, mesmo sem reconhecimento oficial

Enquanto o Cariri vive uma semana de celebração a grandes nomes da cultura tradicional popular, sediando o IV Encontro Mestres do Mundo, o município do Crato se despediu de um de seus grandes artistas. Francisco Correia Lima, o Correinha, recebeu quinta-feira as últimas homenagens.

Ironia do destino? Francisco Correia de Lima, o Correinha, artista de várias linguagens atuante no município do Crato, se despediu nesta semana, marcada pela realização de um evento voltado para o reconhecimento a mestres da cultura popular tradicional. Ao final da tarde de quinta-feira, o adeus ao cordelista, compositor e artesão contou com um cortejo particular dos Irmãos Aniceto, na igreja do Cemitério de Nossa Senhora da Piedade, lotada por familiares, amigos e admiradores. Entre estes, figuras como Mestre Cirilo, do maneiro-pau, e mestre Zulene Galdino, do Pastoril, participantes do IV Encontro Mestres do Mundo, que tem encerramento hoje no Cariri.

Nascido em Farias Brito, em 14 de fevereiro de 1940, mas amante inveterado do Crato, município ao qual costumava fazer referências em suas canções, Correinha, 68 anos, faleceu às 16h de quarta-feira, no Hospital São Francisco, onde lutava contra um câncer de próstata. Para muitos na cidade, sua morte representa a perda de um artista aclamado como mestre da cultura popular – mesmo sem reconhecimento oficial de tal condição.Talvez por não ter tido seu nome incluído nas listas anuais de mestres reconhecidos pelo Governo do Estado desde 2004, mestre Correinha tenha sido sepultado em meio a homenagens comoventes de moradores do município, mas, como ressaltaram amigos e familiares, sem o devido destaque por parte do Poder Público. Situação destacada durante a missa de corpo presente, enriquecida pelo acordeom de Hugo Linard, com quem Correinha gravou, há menos de um mês, 15 canções que agora constituem o último registro de sua obra.

"Já o chamávamos de nosso mestre da cultura. Há décadas você construiu esse reconhecimento", disse, emocionada durante a missa, a cantora Leninha Linard, que se dedicou à interpretação de composições de Correinha e participou de apresentações ao lado do artista. "Porém, não chegou a receber em vida o título de mestre da cultura cratense, de uma autoridade, numa festa. Mas recebe hoje o título de mestre, outorgado e assinado com lágrimas de saudade", acrescentou.

"Belezas do Crato" - canção mais popular de Correinha, conhecida pela gente que gosta de exaltar as virtudes de sua cidade-natal – foi lembrada na missa, na voz de João Dino, cantor da região. Os Irmãos Aniceto também prestaram tributo ao artista, fazendo sua dança ao redor do caixão, no contraste entre a alegria do som dos pífanos e o lamento pela partida do artista.

Reverência dos mestres - "A gente considerava ele como mestre igual à gente. Era mesmo que ser um dos nossos irmãos", atestava seu Raimundo Aniceto. "Ele fazia muita coisa linda, muita poesia. E fazia na hora. Era igualmente a gente mesmo, tinha o dote. Parece que nós nascemos tudo na mesma veia, viu?".

Mestre Cirilo, do maneiro-pau, também compareceu à cerimônia. "Ele era cordelista, compositor, fazia teatro, era tocador e fazedor de pife... Era tudo! Pra mim, é mestre da mesma forma. E era muito querido pelo povo do Crato", atestou. "Correinha era artista demais. Durante muito tempo fez os grupos de dança no Sesi, fez a Caninha Verde... Era querido por todo mundo aqui", acrescentou mestra Zulene. Uma despedida com as cores da cultura popular.

Encerramento - O IV Encontro Mestres do Mundo tem encerramento hoje, com as Rodas de Mestres de 9h às 12h, no Crato Tênis Clube e o fechamento do III Seminário Nacional de Culturas Populares no Memorial Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, de 14h30 às 17h. Na praça do Memorial acontecem a partir das 18h30 o lançamento do catálogo Encontro Mestres do Mundo, pela Secult-CE e pelo Ministério da Cultura, e apresentações de artistas que participaram do evento.

Registros em discos e cordéis - O pianista e arranjador Ibbertson Nobre produziu em seu estúdio no Crato o último registro da voz e das composições de Correinha. "Foi há umas três semanas. Ele gravou 15 músicas, em uma sessão muito rápida, de pouco mais de uma hora. Veio pro estúdio com uma sonda, mas cantou suas músicas, com o acordeom de Hugo Linard", recorda o músico. "São músicas muito simples e bonitas, de uma beleza natural, falando das coisas do Crato e do sertão. Foi gravado de uma forma simples, mas o importante é que a voz está registrada e o disco pode ser completado com instrumentos".

Segundo Hugo Linard, as canções registradas nesse último trabalho de Correinha em estúdio são, na maioria, inéditas. "Ele gravou também 'Belezas do Crato', mas as outras não tinham registro", diz, citando canções como 'Coisas do meu sertão', 'Exaltação a Barbalha', 'Crato de Açúcar' e 'Meu Cariri' e 'Balanceio'. "Fazia tempo que a gente tava cutucando ele, dizendo que ele tinha que gravar de novo. Ele fez dois compactos e outros discos, no tempo do vinil, além de vários cordéis".

Linard chama atenção para aspectos peculiares da trajetória de Correinha. "Ele mantinha um bar aqui no Crato e ainda trabalhava como agente carcerário. Era tão querido que os presos pediram à família para deixar um pouco o corpo dele lá na cadeia, para eles homenagearem", ressalta.

DALWTON MOURA (Enviado ao Cariri)

Fonte: Jornal Diário do Nordeste

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