Muito diferente da outra margem do rio. Nos rios o caudal das águas pode representar uma dificuldade de trânsito entre uma margem e outra. No entanto, as margens são a unidade partida do mesmo terreno. O universo de um lado ou outro é o mesmo. Quando os rios são muito largos, quase um oceano, os animais e as plantas podem ter algumas diferenças, mas tendem, no geral, à mesma composição de vida e hábitos. No Ceará, então, os rios que secam somam as margens num mesmo território.
As ruas, no entanto, têm outro lado bem nítido. Muito cedo, vindo da zona rural, aprendi tamanha diferença. Na Rua Santos Dumont. No lado para o nascente me hospedava com freqüência e ali era o meu habitat. Conhecia todos os cômodos, a calçada e, o mais importante, as pessoas que nele viviam eram extensões de mim (ou era eu delas). Comíamos e dormíamos sob o mesmo teto, fazíamos nossas programações coletivamente e falávamos sobre nós mesmos. Os nossos sonhos eram semelhantes.
Já no outro lado da rua, assim evidenciava-se, a natureza era bem distinta. Outro território, outros sonhos, outros estilos, outras famílias. Não era o mesmo com os vizinhos do lado, pois esses estavam na mesma ligadura da calçada e, das janelas e portas, não os víamos. No outro lado da rua, no entanto, era outro visível, pessoas entrando e saindo, crianças na calçada com brincadeiras assemelhadas às nossas, mas assim observadas e não praticadas coletivamente, eram um tanto diferentes.
As entranhas do habitat no outro lado da rua eram vistas em penumbra. Por isso mesmo mais plenas de desconhecidos. E o mais curioso de tudo, o outro desaparecia no labirinto do outro lado da rua e só depois, muito depois, por vezes, chegava com sua luz às pupilas dos olhos do lado de cá. Agora lembro: era a família de Antonio Aragão. Se, num pátio ou na sala de um colégio, na vizinhança do cinema ou na praça, se igualava mais. No outro lado da rua era mais nitidamente outro.
O outro lado da rua despertava o respeito pela independência da vida que levava, especialmente postas como imagens de nossas visões. O modo de tramar o arranjo de cada minuto demonstrava o senso de liberdade dos fatos vistos e incompatíveis de julgamento. Embora a língua ferina da vizinhança seja a chama do conflito diário, não foi aí que o senso se estabeleceu: o outro lado da rua tinha um modo tão próprio e diferente do lado de cá, que meu lado ficou muito maior do que seria caso o outro lado não existisse.
As ruas, no entanto, têm outro lado bem nítido. Muito cedo, vindo da zona rural, aprendi tamanha diferença. Na Rua Santos Dumont. No lado para o nascente me hospedava com freqüência e ali era o meu habitat. Conhecia todos os cômodos, a calçada e, o mais importante, as pessoas que nele viviam eram extensões de mim (ou era eu delas). Comíamos e dormíamos sob o mesmo teto, fazíamos nossas programações coletivamente e falávamos sobre nós mesmos. Os nossos sonhos eram semelhantes.
Já no outro lado da rua, assim evidenciava-se, a natureza era bem distinta. Outro território, outros sonhos, outros estilos, outras famílias. Não era o mesmo com os vizinhos do lado, pois esses estavam na mesma ligadura da calçada e, das janelas e portas, não os víamos. No outro lado da rua, no entanto, era outro visível, pessoas entrando e saindo, crianças na calçada com brincadeiras assemelhadas às nossas, mas assim observadas e não praticadas coletivamente, eram um tanto diferentes.
As entranhas do habitat no outro lado da rua eram vistas em penumbra. Por isso mesmo mais plenas de desconhecidos. E o mais curioso de tudo, o outro desaparecia no labirinto do outro lado da rua e só depois, muito depois, por vezes, chegava com sua luz às pupilas dos olhos do lado de cá. Agora lembro: era a família de Antonio Aragão. Se, num pátio ou na sala de um colégio, na vizinhança do cinema ou na praça, se igualava mais. No outro lado da rua era mais nitidamente outro.
O outro lado da rua despertava o respeito pela independência da vida que levava, especialmente postas como imagens de nossas visões. O modo de tramar o arranjo de cada minuto demonstrava o senso de liberdade dos fatos vistos e incompatíveis de julgamento. Embora a língua ferina da vizinhança seja a chama do conflito diário, não foi aí que o senso se estabeleceu: o outro lado da rua tinha um modo tão próprio e diferente do lado de cá, que meu lado ficou muito maior do que seria caso o outro lado não existisse.
3 comentários:
José do Vale,
Teu texto desta vez, mais do que outros que li de tua autoria, pareceu-me divino, diáfano e de uma sensibilidade ímpar.
É fácil, portanto, entrar na ambiência e na intimidade da tua rua, em que um lado observa o outro pelos teus olhos.
Prendo-me, sobretudo, à tua maneira peculiar de experimentar sensações advindas de tuas observações, tornando-as translúcidas, uma a uma. E assim, te colocas permeado ao cenário.
Fica fácil, para quem te lê, um mergulho nessas penumbras que te atiçam e delas emergir até chegar ao lume de tua apreciação do outro lado da rua.
Abraço,
Claude
No meio da rua Dona Zélia chama Almizinho, e a minha tia Ivone chama Antonio...
Nas calçadas , lentes de todas as idades...
Entrei algumas vezes naquela casa , em que você saia e chegava...Em momentos felizes , normais ou muito tristes.
Mas é desse jeito toda calçada , toda casa, toda rua. Os seus moradores é que gravam nas paredes , tetos e quintais , suas gravuras.
Foi naquele tempo , que a nossa energia se cruzou sem sintonia... Ou tinha ?
O futuro é quem fala ... falará ?
Por hoje , fico com a emoção desse texto tão lindo, tão especial.
A última vez que eu vi tua mãe foi naquela rua...Te abraço por aquele instante. Te abraço também por todas as alegrias vividas , destarte as perdas...
Vamos colher e viver os ganhos , que são tantos !
Caro José, a necessidade do outro
é imprescindível
sobretudo do outro do lado de lá.
Abraços.
(a ligadura das calçadas...)
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