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domingo, 14 de dezembro de 2008

Um fato relevante para a história recente do Brasil: a passagem de João Carlos Haas Sobrinho por Porto Franco

Para Sônia Haas, que carrega no peito mil esperanças

João Carlos Haas Sobrinho
em foto reproduzida do arquivo da Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo de Porto Franco - MA


Há poucos dias, tive uma grata surpresa ao abrir meu e-mail e ler a seguinte mensagem:

Carlos,

Hoje conheci teu blog, e muito me emocionou ver a querida homenagem ao meu irmão João Carlos Haas.
Parabéns por tua sensibilidade, e obrigada por este nobre espaço.
É assim que vamos resgatando a dignidade de tais idealistas que por nosso país lutaram.

Um forte abraço,

Sônia Haas


Foi quando, pela primeira vez, atestei a abrangência e a força que tem um despretensioso blog. Foi quando, também, resolvi seguir a orientação do meu irmão Armando, a de postar a matéria que fiz sobre a passagem de João Carlos Haas Sobrinho por Porto Franco, tanto neste Diário como no Cariricult e no Blog do Crato.

O episódio nos foi relatado por Vaner Marinho, secretário de Cultura de Porto Franco, por ocasião de nossa visita àquela aprazível cidade.

Para os que não têm acompanhado os registros dessa viagem que venho publicando ultimamente, faço um breve resumo:

Em novembro último, fiz uma viagem ao sudoeste do Maranhão e Araguaína, Tocantins, juntamente com Armando e meu cunhado Zé Bento. Fui a convite de Zé Bento que pretendia, notadamente, retornar com mais calma a Porto Franco, cidade em que ele viveu e trabalhou por seis anos, de 1974 a 1980. Lá, fomos muito bem recebidos pelos velhos amigos de Zé Bento, entre eles o secretário de Cultura do município, Vaner Mota Marinho, que, no momento da despedida, revelou-nos um interessante episódio de significativa dimensão histórica: a permanência de João Carlos Haas Sobrinho em Porto Franco, por cerca de 20 meses, entre 1967 e 1969.

Transcrevo, pois, com alguns retoques, a matéria postada ainda no calor do impacto da revelação:

A História, a rigor, acontece em todos os lugares e a todo instante. No entanto, às vezes somos surpreendidos com inesperadas revelações colhidas "in loco". Foi o que aconteceu ontem, quando nos despedíamos de alguns amigos que tão bem nos acolheram em Porto Franco, cidade do sudoeste do Maranhão, na divisa com Tocantins.

Enquanto estávamos sentados na calçada de um comerciante do lugar, seu Políbio,- Vaner Mota, secretário de Cultura do município, nos relatou o histórico fato. Em 1967, o jovem e recém-formado médico gaúcho João Carlos Hass Sobrinho desembarcou na cidade e apresentou-se ao seu pai, o farmecêutico Aderson Marinho. Foi recebido como uma espécie de ser extra-terreno, pois, na época, o município era totalmente carente de profissionais de saúde com formação acadêmica.

João Carlos, então, fixou residência no lugar, passando a atender gratuitamente as pessoas pobres. Só cobrava dos que podiam pagar, e mesmo assim sem muitas exigências. Alugou uma casinha no centro da cidade, bem próxima ao comércio de seu Políbio, que transformou em consultório. Rapidamente ganhou a simpatia, o respeito e a admiração da população e das autoridades locais. Passou também a atender a pessoas vindas de outras cidades e vilarejos vizinhos, inclusive de Tocantinólis, cidade separada de Porto Franco pelo Rio Tocantins.

Com o rápido aumento da demanda dos serviços médicos, o então prefeito da cidade, Geroncio de Sousa Milhomem criou um pequeno hospital que passou a ser dirigido com zelo pelo jovem médico.

Vinte meses depois de sua chegada, no início de 1969, João Carlos Hass recebeu um telegrama que, segundo testemunhas, o deixou com feições de preocupação e tristeza. De súbito, afirmou aos seus auxiliares que teria que partir imediatamente. A população e as autoridades tentaram por tudo demovê-lo da decisão. Mas, no dia seguinte, o jovem médico deixou a cidade, apesar do apelo de uma grande multidão que se concentrou em frente à sua casa, incluindo até mesmo o bispo de Tocantinópolis, o italiano Dom Cornélio Chizzini.

Não consta que o médico tenha revelado a ninguém de Porto Franco o verdadeiro motivo de sua partida. Aos mais próximos disse apenas que iria trabalhar em outro lugar, igualmente necessitado de serviços médicos.

Em frente à casa e consultório de João Carlos, moravam seu Mário e seu filho Zé Carlos, igualmente forasteiros, que se dedicavam ao comércio de alumínio e utensílios domésticos. Na verdade, tratavam-se, respectivamente, de Maurício Grabois, que tinha sido o líder da bancada comunista na Constituinte de 1946, e do seu filho André Grabois. Mário, nas horas vagas, cortava o cabelo dos meninos da cidade, incluindo Vaner Mota, filho do farmacêutico Aderson e irmão do atual vice-prefeito de Porto Franco, Aderson Filho (Adersinho). Já Mário gostava de jogar peladas de futebol nos campinhos de terra.

Maurício e João Carlos integrariam, pouco depois a Comissão Militar das Forças Guerrilheiras do Araguaia, onde tombaram em combate, no início da década de 1970. A Guerrilha do Araguaia foi uma experiência de resistência contra a ditadura e tentativa de derrubada do regime militar instalado em 1964 no Brasil.

Editado:

Armando postou um comentário sobre a matéria que fiz acerca da passagem de João Carlos Haas Sobrinho por Porto Franco.

Um comentário, por sinal, muito legal.

Por isso, achei melhor alçá-lo à página principal do blog.

Carlinhos,

Lembro-me bem! Fui testemunha presencial da conversa ocorrida entre você e o Secretário de Cultura da Prefeitura de Porto Franco (MA), Vanner Mota Marinho, naquela manhã do dia 12 de novembro passado. E como lembro!

Ouvi muito. Nada falei.

A conversa ocorreu na calçada de dona Dinorá, pessoa afável e bondosa, ainda hoje residente na mesma casa onde vivia nos anos finais da década 60. A casa dela fica na antiga Rua Barão do Rio Branco, já pertinho do imenso e belo rio, a poucos metros da casinha simples onde morou o Dr. João Carlos Haas, o primeiro médico-cirurgião de Porto Franco. Vanner era, na época, um menino de calças curtas. Naquela manhã ele rememorou a convivência esporádica com o jovem médico João Carlos Haas Sobrinho. Este último, segundo Vanner, chegou a Porto Franco como uma brisa amena pervagando o calor úmido maranhense. Deve-se a João Carlos o progresso verificado no setor de saúde da então acanhada cidadezinha plantada às margens do Rio Tocantins.

João Carlos Haas, é Vanner ainda quem lembra, era também ameno no trato. Um médico trabalhador e incansável! Não vislumbrava o lucro. Só esporadicamente cobrava pelos serviços prestados. E mesmo assim a cobrança era restrita aos que podiam pagar.

Depois fomos andando até à Secretaria de Cultura, localizada a poucos metros dali, aonde vimos fotos daquele jovem alto e magro participando de alguns eventos sociais em Porto Franco e Tocantinópolis (TO), esta última, uma cidade situada na outra margem do rio, à época integrante de Goiás, hoje pertencente ao Estado de Tocantins.

E eu, sempre calado, ouvi e vi tudo...

João Carlos Haas é dessas pessoas de quem podemos discordar, mas temos de respeitar mercê o idealismo de que são impregnadas. Ele deixou muitas lembranças junto às pessoas de Porto Franco, Tocantinópolis e adjacências. Muitas delas ainda vivem e recordam com facilidade o jovem e humanitário médico. Depois dessa conversa – entre você e Vanner – prosseguimos viagem. O sol já estava alto. O calor era ainda mais intenso. Foram mais 150 km até a pujante cidade de Araguaína, no Estado de Tocantins, aonde chegamos por volta do meio-dia.

A história daquele médico ocupou meus pensamentos durante o percurso. Olhava, pelo vidro do carro, a paisagem luxuriante. Mas, o meu cérebro remoia o fato de uma vida tão profícua ter findado tão breve e de forma tão trágica.

Mesmo à noite – já deitado numa rede, na varanda da chácara onde ficamos hospedados a 7 km de Araguaína, sentindo o clima quente, extasiado com a vegetação exuberante daquela região – custei a conciliar o sono. Pensava naquele jovem – enfrentando dificuldades de toda ordem nas florestas – lutando até tombar sem vida na Guerrilha do Araguaia.

Jamais havia imaginado que entre guerrilheiros existissem pessoas como João Carlos Haas. Este, antes de se embrenhar na selva e empunhar armas, salvou vidas; minorou dores e cicatrizou feridas da população ribeirinha, consoante os testemunhos ouvidos na manhã daquele dia...

6 comentários:

Armando Rafael disse...

Carlinhos,
Lembro-me bem!
Fui testemunha presencial da conversa ocorrida entre você e o Secretário de Cultura da Prefeitura de Porto Franco (MA), Vanner Mota Marinho, naquela manhã do dia 12 de novembro passado.
E como lembro!
Ouvi muito. Nada falei.
A conversa ocorreu na calçada de dona Dinorá, pessoa afável e bondosa, ainda hoje residente na mesma casa onde vivia nos anos finais da década 60. A casa dela fica na antiga Rua Barão do Rio Branco, já pertinho do imenso e belo rio, a poucos metros da casinha simples onde morou o Dr. João Carlos Haas, o primeiro médico-cirurgião de Porto Franco.
Vanner era, na época, um menino de calças curtas. Naquela manhã ele rememorou a convivência esporádica com o jovem médico João Carlos Haas Sobrinho. Este último, segundo Vanner, chegou a Porto Franco como uma brisa amena pervagando o calor úmido maranhense. Deve-se a João Carlos o progresso verificado no setor de saúde da então acanhada cidadezinha plantada às margens do Rio Tocantins. João Carlos Haas, é Vanner ainda quem lembra, era também ameno no trato. Um médico trabalhador e incansável! Não vislumbrava o lucro. Só esporadicamente cobrava pelos serviços prestados. E mesmo assim a cobrança era restrita aos que podiam pagar.
Depois fomos andando até à Secretaria de Cultura, localizada a poucos metros dali, aonde vimos fotos daquele jovem alto e magro participando de alguns eventos sociais em Porto Franco e Tocantinópolis (TO), esta última, uma cidade situada na outra margem do rio, à época integrante de Goiás, hoje pertencente ao Estado de Tocantins.
E eu, sempre calado, ouvi e vi tudo...
João Carlos Haas é dessas pessoas de quem podemos discordar, mas temos de respeitar mercê o idealismo de que são impregnadas. Ele deixou muitas lembranças junto às pessoas de Porto Franco, Tocantinópolis e adjacências. Muitas delas ainda vivem e recordam com facilidade o jovem e humanitário médico.
Depois dessa conversa – entre você e Vanner – prosseguimos viagem. O sol já estava alto. O calor era ainda mais intenso. Foram mais 150 km até a pujante cidade de Araguaína, no Estado de Tocantins, aonde chegamos por volta do meio-dia. A história daquele médico ocupou meus pensamentos durante o percurso. Olhava, pelo vidro do carro, a paisagem luxuriante. Mas, o meu cérebro remoia o fato de uma vida tão profícua ter findado tão breve e de forma tão trágica.
Mesmo à noite – já deitado numa rede, na varanda da chácara onde ficamos hospedados a 7 km de Araguaína, sentindo o clima quente, extasiado com a vegetação exuberante daquela região – custei a conciliar o sono. Pensava naquele jovem – enfrentando dificuldades de toda ordem nas florestas – lutando até tombar sem vida na Guerrilha do Araguaia. Jamais havia imaginado que entre guerrilheiros existissem pessoas como João Carlos Haas. Este, antes de se embrenhar na selva e empunhar armas, salvou vidas; Minorou dores e cicatrizou feridas da população ribeirinha, consoante os testemunhos ouvidos na manhã daquele dia...

Carlos Rafael Dias disse...

Armando,

Muito legal esse seu depoimento, sinal da sintonia positiva captada naquela inesquecível viagem.

Abraço!

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Carlos e Armando: não sei se me perdi nas leituras. Mas acompanhei todas as postagens da viagem que fizeram. Desde o momento que o Armando avisou que se ausentaria de um determinado debate por oito dias. Não tinha lido este relato anteriormente. Mas a questão não é bem isso: a questão é outra. O quanto se pode apreender do que seria um turismo em reflexão sobre as fronteiras agrícolas em rumo do norte do país. Isso vocês nos deram. Num passeio os cratenses já preparam a avaliação do terreno para futuras intervenções. Eis como nos organizamos para a hegemonia cratense. Nos preparamos com observadores desta monta.

Carlos Rafael Dias disse...

Isso mesmo, Zé do Vale! É como se fosse uma "Magical Mistery Tour". Vai-se com alguma coisa e volta-se com muitas outras. Grande abraço!

Carlos Rafael Dias disse...

Recebi de Sônia Maria Haas, o seguinte e-mail:

"Carlos,

Sim, ja vi o site, mto legal.

Enviei para minha familia, tb.

É impressionante como ele ainda é vivo entre nós, sempre tem novidades e noticias de todo canto do Brasil.

Tenho historias lindas dele, que às vezes nem sei descrever. Foram tantos encontros que tive na vida através dele e da historia dele, que minha vida não tem, ou teria, sentido, sem a dele. Um sentimento muito profundo e, às vezes, inexplicável.

É mto forte a gente ter um irmão assim, que viveu lá em casa, comeu laranja , foi coroinha, corrigiu meus trabalhos de aula, jogou futebol, alguém normal... que vira Mito !

Não é facil de se lidar, viu?

Tenho um respeito enorme por ele e pela historia dele e de todos que a compuseram.

Hoje atuo junto do PCdoB de SSA, e conheço melhor o partido, isso me fortalece.

Bem, vamos lá... seguindo...

Um forte abraço,

Sônia."

Etore Santos disse...

Gostaria de entrar em contato com a Sönia e Armando. Posso ter o e-mail deles?