TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 31 de janeiro de 2009

Carta aberta do Prof. Carlos Alberto Tolovi

“O filósofo só consegue atingir o outro, com sua palavra, expondo-se como sujeito falante, como sujeito público. Precisa correr o risco de expor-se, de intervir no mundo como sujeito pensante e, quando necessário, de tomar partido, sobretudo quando a justiça, a liberdade e a verdade estiverem ameaçadas ou desrespeitadas”. (Hilton Japiassu)



Não gosto do profissional da educação que assume serenamente uma postura de incoerência e de contradição entre a sua teoria e a sua prática. Também não gosto da indiferença e da imparcialidade dos profissionais que só se preocupam com o seu salário ou com sua vaidade pessoal, e que mesmo diante de graves situações preferem evitar o conflito para não perderem os privilégios do poder em seu universo de trabalho. Por fim, gosto menos ainda dos que já possuem definidos os seus posicionamentos, como dogmas, com conceitos pré-estabelecidos (pré-conceitos) em função da luta pela manutenção ou pela perspectiva de tomada do poder. Portanto, se estou indignado diante de um “crime pedagógico” que está ocorrendo na universidade onde estou inserido, e se não tenho “rabo preso” com o poder atualmente estabelecido e não sou dependente de nenhuma facção com posicionamentos pré-determinados na disputa pelo poder institucional, o meu papel deve ser o de reagir, produzindo uma nova reflexão, gerando debates, buscando evidenciar as causas e as conseqüências das escolhas ideológicas que estão sendo feitas nos bastidores desta importante instituição educativa.
Atualmente é muito triste lembrar que a Universidade Regional do Cariri nasceu da Faculdade de Filosofia. Pior ainda é perceber que, nas mãos dos que fizeram parte desta história, a filosofia está sendo desprezada e banida dos nossos cursos, de uma forma completamente irresponsável e provinciana.
É triste também saber que a maioria dos cursos de nossa universidade não possuem em sua grade curricular a disciplina de introdução à filosofia. E que diversos cursos que possuíam esta disciplina estão retirando de seu projeto pedagógico. O Curso de Matemática e de Pedagogia tomaram a iniciativa. Pior ainda: o Curso de História da nossa universidade, tão destacado e elogiado nas avaliações nacionais, na última reformulação curricular, retirou a disciplina de Filosofia II. E como se não bastasse, na primeira reunião de 2009 do Departamento de História colocou-se em votação a retirada da disciplina de Introdução à Filosofia. E o que mais nos assustou foi o fato de que, colocando-se em votação, a maioria dos professores presente na reunião acatou a proposta colocada em pauta.
No tempo da ditadura os militares perceberam que para manter a “ordem” estabelecida e imposta não bastava apenas a violência física que produzia o medo. Eles logo perceberam que seria preciso atingir o coração da resistência que advinha do universo acadêmico. Pois no ensino médio e nas universidades havia um espaço de reflexão e debate que produzia consciência critica e que se traduzia em resistência à todas as formas de dominação insensata. Sendo assim, muito inteligentemente resolveram mexer na grade curricular e reordenar as disciplinas. E o resultado disso foi a retirada das disciplinas de Filosofia e Sociologia do ensino oficial assumido pelo Estado.
Mas, por que hoje, em pleno século XXI, em que o universo acadêmico, no Brasil e no mundo, reconhece a importância da Filosofia e da Sociologia para uma educação de qualidade, o curso de história desta universidade está retirando estas disciplinas de seu projeto pedagógico? E o pior: não foi uma atitude isolada. O que está ocorrendo hoje na URCA, não teria como pano de fundo a mesma preocupação dos militares na época da ditadura: manutenção das instâncias do poder estabelecido?
Atualmente, em nossa universidade, o poder militar foi substituído pelo poder político, que, como na idade média, depende dos pequenos feudos para sobreviver.
Estou cada vez mais convencido de que a Universidade Regional do Cariri assume um papel social e político muito importante: o de manutenção do sistema vigente, contribuindo para uma educação bancária, sem despertar a consciência crítica, sem desencadear conflitos com o sistema sócio-político-econômico instaurado na região.
Realmente, neste contexto a filosofia pode incomodar. Começando pela nossa própria instituição. Talvez não seja bom para muitos dos profissionais desta nossa universidade sentirem-se inseguros pela possibilidade do posicionamento crítico e autônomo do aluno. Talvez eles não queiram conflitos de idéias em sala de aula.
Diante deste contexto, qual é o risco que nós corremos?
Atualmente, muitos dos que estão no poder (em todos os setores da nossa universidade), estão atrelados à uma missão bem específica: manter os privilégios que este poder pode oferecer (mesmo que estes privilégios estejam apenas no nível da vaidade). Sendo assim, como a filosofia propõe uma relação dialógica e dialética na perspectiva de se produzir reflexões que despertem a consciência crítica, tendo em vista o protagonismo dos sujeitos históricos, ela pode representar um grande incômodo.
Me parece que a maioria dos nossos gestores e profissionais da educação em nossa universidade está satisfeita com uma educação neocientificista, tecnicista e fragmentada, incapaz de pensar o ser humano numa perspectiva mais ampla e complexa, em sua autonomia, alteridade e historicidade.
Diante dessa realidade podemos nos perguntar: até onde vai a autonomia dos “pequenos feudos” quando decidem, de forma irresponsável e corporativista, alterar um projeto pedagógico, retirando e incluindo disciplinas de acordo com a vontade ou necessidade dos “amigos”? E qual seria o papel da Pró-reitoria de Graduação diante de tal situação?
Atualmente a Universidade Regional do Cariri vive um momento muito sério: de um lado uma reitoria que não se importa com as contradições, desde que possa agradar determinados grupos que fazem parte do projeto de manutenção do poder. De outro lado, Reitorias, Centros e Departamentos totalmente fragmentados, como diversos membros de um “corpo sem cabeça”. Neste contexto, fica muito fácil um grupo de professores resolverem fazer alterações estruturais no projeto pedagógico de seu Departamento tendo em vista necessidades banais, mas com prejuízos pedagógicos e sociais profundos.
Vejo que em nossa universidade nós perdemos muito tempo produzindo textos e debates estéreis e rancorosos, a partir de teses dogmáticas, sem nenhum propósito de produzir reflexão e interação dialógica. Entendo que esteja mais que na hora de outras formas de debate, fora do campo minado da rivalidade pré-estabelecida. E, neste espaço, eu pretendo continuar colaborando e provocando outros educadores a participarem.


Prof. Carlos Alberto Tolovi

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Observação: ainda sou aluna do curso de História, mas não sei bem o motivo da resolução citada pelo Prof. Tolovi. Na época em que iniciei a faculdade tive duas cadeiras de Filosofia. Apesar de não estar a par dos motivos que levaram à retirada da disciplina de Filosofia da grade curricular de diversos cursos, me solidarizo com a causa e deixo aqui o post (um pouco longo, mas importante).

7 comentários:

Armando Rafael disse...

A carta do prof. Alberto Tolovi tem grande profundidade, oportunidade, além de necessária.
Ele está coberto de razão. Minha graduação em História foi feita na URCA. Na minha época fui aluno das disciplinas Introdução á Filosofia, Filosofia I e II.Tínhamos também disciplinas de introdução à Sociologia.
Ora, todo hisoriador sabe que o estudo da Filosofia proporciona a capacidade de compreeder e analisar como as idéias orientam o comportamento humano. Já a Sociologia veio para perceber a sociedade e as diferentes culturas...
Ambas são indispensáveis na formação de um historiador.
estranho que meus antigos e valorosos mestres, a exemplo de Otonite Cortez, Francisca Anselmo,Titus Riedl não terem protestado contra a retirada das disciplinas de Filosofia e Sociologia, como denunciou o prof. Tolovi...

jflavio disse...

Contundente o texto do Prof Tolovi. Parece-me absurdo o corte da cadeira de Filosofia na URCA, num momento em que se discute, inclusive, inseri-la no ensino médio. A mim me parece que as razões estão bem expostas no artigo, como na Ditadura, é terrivelmente perigoso ensinar o povo a pensar. O melhor e mais cômodo é inseri-lo neste modelão neo-liberal, afastando-o de qualquer possibilidade de senso crítico. Pessoalmente, como produto do ensino da Revolução de 64, senti-me órfão desta disciplina e tento, desesperadamente, como auto-didata, ler e estudar. Sei da enorme dificuldade de fazê-lo sem ter tido a iniciação necessária, mas acredito que a Filosofia tem me ensinado a enxergar melhor as causas dos fatos cotidianos e, mais que tudo, afastar-me do modelo cartesiano e cientificista onde 2X2 sempre é igual a 4. A filosofia me parece exemplar quando abre inúmeras veredas que necessariamente não necessitam chegar a um lugar comum. A exclusão da Filosofia da "História", na URCA, me parece um crime premeditado e uno minha voz à do Armando, cadê os professores ? São cúmplices todos desta calamidade ? Vamos formar meros contadores de estórias, sem nenhuma criticidade ?

Carlos Rafael Dias disse...

Sou professor do Departamento de História da URCA e não concordo com a retirada da disciplina de Filosofia da grade curricular do Curso. A filosofia é a ciência-mãe de todas as demais ciências e no campo das humanidades ela oferece uma base indelével para a formação do historiador. Não participei da reunião onde ficou deliberado tamanho absurdo e sou testemunha de que grande parte dos professores do Departamento não concorda com essa determinação. Na última reunião que participei o assunto foi colocado novamente em duscussão, a partir da denúncia e da provocação feita pelo professor Tolovi. Acredito que esse lamentável erro será reparado.

João Ludgero Sobreira Neto Ludgero disse...

Hoje a maioria dos Departamentos da URCA, se encontra nas mãos de alienígenas que tendo o controle dos mesmos usam para beneficiar amigos forasteiros que não têm compromisso nenhum com a nossa região. A respeito disto logo sairá um edital para concurso público na URCA, onde já tomamos conhecimento que vários departamentos irão boicotasr mais uma vez as pratas da casa, ou seja ex-aluno da URCA, pois muitos só abrirão vagas para "Doutores" e "Mestres", profissionais estes que a URCA ainda não forma, desta forma fica claro que beneficiarão seus amigos das Capitais, onde ter esat formação se torna bem mais fácil. Diante do exposto o graduado ou especialista ficará excluído da oportunidade de concorrer. Será que esta exclusão se justifica por medo de um graduado ou especialista passar pra trás um "Doutor" ou "Mestre" amiguinho dos chefes de Departamento?

Saudações Geográficas!
João Ludgero

LUIZ CARLOS SALATIEL disse...

Alunos robotizados! É facil: toda a informação formatada já vem num pen-drive em forma de supositório!
Penso, logo desisto(da URCA)!

Amanda Teixeira disse...

Bom, pelo que soube, a cadeira de filosofia foi retirada por motivos práticos. Tinha que haver outras cadeiras obrigatórias e o jeito que encontraram foi colocar Filosofia como optativa (!!!). Eu achei absurdo. Espero que a situação seja revertida. Mesmo tendo estudado Filosofia I e II ainda sinto falta de muita coisa que não vi. Imagino os alunos que ficarem sem nenhuma disciplina! Fico pensando quão falha vai ser a formação deles. Eu sentiria vergonha de terminar História sem ter visto filosofia. Não sei que tipo de professor acha que filosofia não é importante o bastante pra ser obrigatória. Acho que no departamento estão privilegiando as cadeiras de pesquisa e esquecendo coisas essenciais. Como vão fazer pesquisa sem ter base alguma? Espero, realmente, que voltem atrás nessa decisão maluca.

Salatiel, não desista!

Eu não desisto. Ainda acredito que a URCA pode ser melhor. Acho que a minha geração tem muita vontade de sair, se preparar e voltar pra fazer da URCA uma universidade melhor. Quem sabe?

João Ludgero Sobreira Neto Ludgero disse...

A ausência da Filosofia em qualquer profissão que seja, só traz desgraças. Vejam jovens que se formarm em Medicina, saindo das IES bem "preparados" para agir, mas no entanto se suicidam quando terminam o namoro. E ai, isso é falta de que na formação ?