TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

domingo, 18 de janeiro de 2009

Rua 2.

http://br.youtube.com/watch?v=JfTMVzbB-u4

(para ouvir enquanto se lê)

É preciso estar alerta para o olhar do próprio filho. Para o fluxo sem lógica que as gaivotas desenham no ar – se é que elas existem; se é que elas sobrevoam o céu de meu bairro.

Me contento com pássaros menores. Com a sujeira nos cantos, nas frestas, as bitucas de cigarro e as incertezas sussurradas em ouvidos surdos.

As notícias nunca são boas na TV. A música de merda do rádio, as conversas de sempre dos meus amigos de infância. Somos um bando de guerreiros sem data de nascimento. Somos uns garotos de cabelos grisalhos, com os mesmos medos e a mesmas vontades de quando não tínhamos noção do tamanho desse mundo que existe além de nossas janelas embaçadas.

São quarteirões cheios de sonhos. A música interior, o caos, a tempestade que irei tatuar no braço esquerdo – bem perto do nome santo de meu menino. São as estrelas insistentes em atravessar as nuvens de chumbo. As mesmas que acobertam os telhados. As mesmas que convertem tudo em uma maciça onda escura. De um azul profundo e nada trivial.

Noite de domingo. A música escancara o que há em mim de tão bonito, que chego a duvidar de minha própria existência além desse mar confuso. Não acredito no cara que vai acordar e, sufocado com o enxofre dos coletivos aboletados de gente cega, irá fazer um papel ridículo, nessa ridícula ópera bufa chamada rotina.

Mas sei. Percebo o olhar do meu filho. Entendo o crucial, a necessidade, o sentimento mais legítimo. Resistir não é morder o lábio com raiva de quem nos quer mal – o ódio escondido num silêncio educado e formal. É apenas assobiar uma velha canção de amor. Fechar os olhos quando a tormenta passar. Abrir os braços e se deixar ser engolido, pelo que não pode ser evitado. É se juntar ao caos. E rir disso, ainda que pareça absurdo, impossível, sofrimento.

2 comentários:

socorro moreira disse...

Estou na Rua 2...Assimilei encantos e dores. Concordei !

Anônimo disse...

rua 2, bloco 108 c apto 102. cabula é o bairro. as portas, seus batentes, tudo está escancarado pra sua visita. vc é um das que sacam que caos não é, necessariamente, algo ruim. bjs