TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Recital de Blues, com Jefferson Gonçalves & Kleber Dias




Mo’ Better Blues

Não tenho a mínima idéia de quando ouvi Blues pela primeira vez e muito menos do dia em que passei a curtir este ritmo musical devotamente. Parece até que, sendo o Blues eterno, eu já nasci curtindo-o.

Já contei por aqui de como tive, certa vez, uma intensa experiência envolvendo o Blues. Acho que, não faz mal em repeti-la:

Certa noite, no início dos anos noventa, eu, Geraldo Urano e Salatiel assistimos maravilhados o documentário Blues, de Valter Salles Jr., transmitido pela Rede Manchete. O documentário trazia depoimentos e performances de velhos blueseiros norte-americanos, todos desconhecidos da mídia. Maravilhados e no clima, decidimos esticar a noite, para beber e papear um pouco. Aquele documentário mexeu profundamente conosco, pois não conseguíamos sair do êxtase que se instaurou naquela noite.
Quando cheguei em casa, já no início da madrugada, escrevi uma letra inspirada naquele acontecimento. No dia seguinte, bem cedo, entreguei-a a Geraldo, que não demorou muito para devolvê-la, cantarolando a letra sobre a música que compôs, sem auxílio de instrumento musical nenhum, pois Geraldo, assim como eu, não sabe tocar patavina.A música, algum tempo depois, foi classificada para o histórico festival CHAMA (Chapada Musical do Araripe), que aconteceu no antigo aeroporto do Crato, na da Serra do Araripe, em outubro de 1995. Foi defendida, numa bela e fria noite de lua cheia, pela banda Nacacunda e no mesmo dia da apresentação de Hermeto Pascoal e grupo. Por conta disso, encontramos, nos camarins, Itiberê Zwarg, Carlos Malta e Márcio Bahia, respectivamente baixista, saxofonista e baterista do grupo de Hermeto, com os quais conversamos animadamente por alguns momentos. Lembro de Itiberê revelando que a profissão de músico lhe presenteava momentos como aquele, “num lugar bonito como esse, apreciando essa deliciosa bebida” (Itiberê bebericava uma dose de Xá-de-Flor, cachaça temperada pelo alquimista Blandino Lobo).

Por conta dessa agradável memória, transcrevo a letra da música, intitulada Serpentes na Noite (uma referência ao signo do zodíaco chinês, que eu, Geraldo e Salatiel temos em comum).

Baby, quero lhe dizer algo importante
Quando mais se cresce menor se fica
É o doce mistério da vida
E não há outra saída
Que não seja a porta dos fundos
Por onde você também pode entrar

Somos serpentes na noite
E isso é um tanto perigoso
É muito bom!
Já tomamos de tudo
Mas nada nos pegou
Se você quer nos ver felizes
Toque um pouco de Blues
Pinte a vida de azul

Sim, eu sou apenas um cantor de blues
Levando a vida num pagode
Sei que sou um rapaz de sorte
E sei que a morte
É só o último acorde de um Blues
(...)

Pois bem! Na noite de ontem tive outra gratificante experiência blueseira: assisti ao show do exímio gaitista Jefferson Gonçalves, ao lado do guitarrista Kleber Dias, que na ocasião, por se tratar de um recital, tocou, com maestria, uma viola de 12 cordas.

O show aconteceu no aconchegante Teatro Patativa do Assaré, no Sesc de Juazeiro do Norte, acompanhado por uma seleta platéia de jovens. Acho que eu era o único “coroa” presente. Pois é, Marcos “Lobisomen” Leonel, inexplicavelmente, não compareceu!

Logo aos primeiros acordes conjugados de gaita e viola, baixou aquele clima inconfundível e sempre presente nos genuínos shows de Blues. O repertório foi impecável, mesclando repertório próprio com clássicos do gênero, como Mellow Down Easy (Willie Dixon) e a lendária Crossroads (Robert Johnson), além de uma versão de All Along The Watchtower (Bob Dylan).

Jefferson Albuquerque é do Rio de Janeiro, mas faz questão de afirmar sua identificação com o Cariri cearense. No disco Ar Puro, de 2008, ele faz referência à musicalidade, ritmos, pessoas e paisagens do Cariri, que o inspiraram em suas composições e arranjos. Esta influência foi responsável por uma ousadia, a de elaborar arranjos onde o Blues e ritmos nordestinos se fundem, dando à luz uma intricada rede melódica de incomparável beleza. Este experimento, confessou o músico no show, tem lhe tolhido espaços por conta do purismo (ou seria “puritanice”?) de algumas pessoas “influentes” do “mercado” de Blues.

Essa foi a terceira vez que Jefferson Gonçalves se apresentou para o público caririense. As outras vezes foram por ocasião da Mostra Sesc Cariri de Cultura. Porém, essa foi a primeira vez que o ouvi. E não foi difícil nem demorado perceber que se trata de um autêntico bluseiro e de uma elevada pessoa.

Imagem capturada de http://farm4.static.flickr.com/

5 comentários:

Calazans Callou disse...

"O blues é azul meu bem e o meu amor também", trecho de uma música do Valter Franco, que ultimamente venho apreciando sua discografia. Serpentes na noite é umas das músicas mais legais da Nacacunda. Nessa época a banda estava no seu apogeu criativo. Bons tempos, bons momentos como esse no Chama.É isso meu caro poeta Rafael,você o Salati e o Urano nos presentearam esse atualissimo blues. Que venham outros novos!!!
Abraço.

Carlos Rafael Dias disse...

Valeu, velho Calango!

O show de ontem foi um tanto especial, pois remeteu aos velhos tempos onde nos guiavámos também pelas sendas do Blues.

Desde o tempo da banda Pombos Urbanos que Sempre tocávamos um ou dois mais blues nos nossos shows, a exemplo de Será se Isso Não se Acaba, Buraco negro, Mulheres & Muralhas e, por fim, Serpentes na Noite.

Muito legal também nossa parceria Era Azul, que apesar do estilo baladona tem Ibbertson fazendo as vezes de uma suave e bela gaita.

Tudo blues pra você, partner!

Dihelson Mendonça disse...

Só existem duas coisas mais chatas no mundo:

Uma é Choro de recém-nascido às 3 da manhã quando nao se consegue dormir, e a outra é uma gaita de Blues naquela ladainha interminável cheia de clichês.

Graças a Deus, nos deu TOOTS THIELEMANS como o Maior gaitista de todos os tempos que vai estar em guaramiranga neste ano e é verdadeiramente um MESTRE aos 86 anos, em todos os sentidos da música, não apenas um mero fazedor de barulho.

Viva Toots!
Vida longa ao grande mestre da melodia e da harmonia da gaita, e no Brasil, Maurício Einhorn, que merece igual admiração e respeito.

Abraços,

DM

Anônimo disse...

Tem umas fotos dos caras nesse site: www.midiaeventus.com
E p dizer q eu roubei um pedaço do seu texto p descrever o evento no site, não tem problema, tem?

Carlos Rafael Dias disse...

Dihelson, acho que você conhece o cara e sabe que ele é um bom gaitista. Não entendo de teoria musical, mas se ele repete clichês, pra mim não tem nenhum problema. São clichês puros da alma.

Victor,
Valeu pela dica. Use e abuse desses pobres escritos. Um abraço!