TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Voltar - Para Camila Arraes (por Claude Bloc)

Conheci Camila na casa de Magali, em Fortaleza. Uma pessoa linda, meiga, suave. Me dizia ela que sempre lia meus textos e que ao lê-los se emocionava, sentia-os seus. Nunca senti uma emoção mais genuina e mais pura desde todo este tempo que rabisco meus escritos. Agradeço, portanto pela amizade e afeto a mim dedicados. Desejo a ela (Camila) e ao seu pai José Milton Arraes (assim como a Gláucia que não cheguei a ver) muito sucesso no que está por vir. Que o futuro lhes traga toda a felicidade merecida.

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Estava de novo naquela casa. Sentiu-se absorvida pela voragem de tantas lembranças. Chegara. Ainda havia, ali, livros nas estantes e uma luz amarga e embolorada que, paradoxalmente, lhe permitia apalpar a saudade que sentia... Voltava àquela sala depois de tanto tempo e era possível pressentir as paredes pulsarem, vivas, ecoando pelos seus sentidos em trovas e antigas nuanças. Sonhos, todos os mais imprevistos...

Estavam ainda, na empoeirada escrivaninha, papéis escrupulosamente arrumados. Fragmentos de poemas, receitas permeadas de odores esfumaçados... Melhor sentar-se, tentar abster-se desse impacto e dos vínculos... da hipócrita agonia que aquele abandono provocava. Sentar-se... fechar os olhos e se deixar percorrer pela sensação de voltar, de simplesmente estar de volta a uma história não finda.

Óbvio! Difícil determinar datas... Estar ali era experimentar um momento atemporal. Passado e presente convivendo, imiscuindo-se na atenta vigília da vida. Sorrisos, lágrimas... Sentar-se no colo acolhedor da velha poltrona... Não já estiveram ali tantas pessoas em outras épocas? Mãe, pai, avó... todos os passantes desses instantes indefinidos, mas que ficam para sempre.

Seu olhar pousava em cada canto. Devorava-lhe aquela saudade. Era Natal? Ano Novo? Risadas, o sanfoneiro chegando, o cheiro de festa pela casa... A árvore, a neve de algodão, o presépio, a curiosidade infantil de rever os sonhos de cada um.

Lá no pé da escada o pandeiro marcava o ritmo cadenciado daquela música. O tocador quer beber...???De quem eram aquelas risadas e aqueles acenos desbotados?

No chão batido, aguado para abafar a poeira, rastros festivos de dança, pés se arrastando indefinidamente pela terra num bailado frenético... Ah, era Natal, sempre Natal naquela casa!
O velho gerador bufava, girava seus rotores pela noite a dentro, irritantemente. Os sons de sanfona e violão mesclavam-se aos sorrisos e esperanças de todos os moradores do lugar.

Era Natal, sem dúvida. Fogos porventura não marcavam de brilho os olhos das crianças? E as estrelas todas natalinas não sorriam em seus lábios?

Era Natal e ela, ali sentada no presente, tocava estas lembranças. Mesmo em fevereiro era Natal!
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Por: Claude Bloc

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