O filme “Amores Clandestinos” fez sucesso , nos anos 60. Vinha bem a calhar, dentro do contesto da época.Depois de comprar o ingresso, passar pelo porteiro, delegado de menor, entrava na penumbra da sala, e esperávamos o apagado de todas as luzes.
O único que conhecia todos os segredos ocultos era o Lanterninha. Focava cadeiras vazias, e focava por “descuido” aquelas ocupadas pelos casais, justo, os que fugiam da luz... Dos olhos da família, do preconceito social, e da própria timidez.
Tinham naturezas diversas, posto o dito: amores impossíveis, amores nascentes e crescentes...Amores dos amasses ( puro cheiro, puro sarro)...Amores tímidos, ingênuos e trêmulos ; amores despudorados, explícitos na “safadeza” do poder hormonal...Todos eram instigados , pela cumplicidade de um escuro técnico.
Muitas “pernas gordinhas”, (como a canção do Tiago Araripe), molhadas, sedosas, balançavam pés nervosos. Beijos de língua, de pescoço, de outras partes, outros pedaços do corpo... Como mãos, e bochecha do rosto!
Enlevada no enredo do filme, desligava-me da terra. , mas perdia meu olhar, muitas vezes, na doce tensão da espera.Um dia, ele chegou, e sentou-se numa fila adiante de mim. Encostou sua cabeça numa peruca canecalon, loura com a da Marilyn... Meus olhos desviados da tela ficaram lá, pregados e chorosos, naquele bandô total, que recebia afagos, e abraços.
Quando a fita anunciou o “THE END”, sorrateiramente mudei de lugar, e aproximei-me mais um pouquinho, pra descobrir na saída, se era azul, os olhos daquela diva.. O moço correu apressado, antes do acender das luzes. Enfim tudo claro! Eram dois olhos morenos. Olhos conhecidos, subservientes, corajosos e apaixonados....
Covarde, o meu gato!Estava lá, a musa de tantos brotos!Era assim, o cotidiano do maior entretenimento da City....
Divertia, aproximava, e escondia.
Transportava os nossos sonhos para o glamour hollydiano. Se não existisse a censura do Bispo, colada no mural do Café Crato, acho que não teria perdido nenhum drama escandaloso, que o cinema ensinava. Mas eu estava lá... Em todos de Marisol. Joselito, Shirley Temple, Walt Disney...Nunca, em “Amores Clandestinos” – (clássico com Sandra Dee e Troy Donahue – trilha sonora - Theme From A Summer Place... Linda!!!).
Namorei sem pegar na mão... Só no roçar dos braços. Mas não nego a presença do tesão, nas orelhas afogueadas. Namorei com cochichos no pé do ouvido. Com mordidas no pescoço, e balas pepper, zorro, ou anis.Namorei com os meus ídolos... Puros, românticos, sofredores, heróicos, belos, e gentis.
No Cinema não faltava: assovios, suspiros, gemidos, choros... Alguns até convulsivos. (Chorei assim, no filme Irmão Sol e Irmã Lua, e até na Paixão de Cristo).
A vida se harmonizava na sala de projeção.
Tempos sem analistas, psiquiatras...Tempos de sessão de risos com Jerry Levis, Cantinflas, o Gordo e O Magro, e Zé Trindade.
O Cassino de hoje é um campo de energia obscura. Ficou apenas o escurinho do cinema, na beleza deteriorada.
Perdemos a cortina grená. O lanterna iluminando a paixão dos casais...Foram-se o misturado dos perfumes, o mascarem dos chicletes Adams, o estouro das bolas do ping pong, na falta do beijo amado.
Era bom, até cochilar de viver, naquele ninho! Nada mais excitante, aventureiro e libidinoso, do que um encontro clandestino, na sessão das 4, no Cine Cassino.
O Lanterninha que ressuscite essa “Cratíadas”, como já fez Zé do Vale, noutro contexto.
Socorro Moreira
P.S
Esse texto é também dedicado ao meu amigo Luiz Carlos Salatiel , grande intérprete da música "Cine Cassino" do Tiago Araripe.
4 comentários:
Salatiel:
Que texto gostoso de se ler...
Que saudades boas para reviver...
PS-A propósito Salatiel: dê um ultimato a Socorro para ela retornar ao CaririCult. Todos estamos sentido a falta dela...
Endosso as palavras de Armando
Armando volta ao Blog do Crato e a Socorro ao Cariricult. Onde já se viu? Mas num tô dizendo! Se num tiver um lajedo em que não possa pregar minhas loucuras, como é que fica o sertão? Eu quero pé de mandacaru, quero rabo-de-raposa, caroá, quero daquele globo espinhoso a pluma da flor do xique-xique. Só num quero é morrer com a língua seca sem ter com quem alinhar minhas diferenças e semelhanças. Então, ficamos assim, todos de retorno à proposta com que fomos convocados: ao ambiente democrático de tudo dizer, de assumir o que dizemos e mostrar a pluralidade das nossas vidas incompletas. Se não for muito, só pediria uma coisa: respire fundo antes de rebentar o pensamento do outro. Rebentemos o que se disse, mas defendamos a voz que o diz até o limite de nossa própria existência.
Caro José do Vale,
Embora não comente todas, leio todas as suas postagens.
Gosto do que você escreve e embora nem sempre concorde com todas as suas idéias reconheço que você é sincero em tudo que escreve.
Grande abraço,
Armando
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