O talentoso escritor cratense e meu amigo Roberto Jamacaru escreveu excelente artigo, no Blog do Crato, sobre a Avenida Padre Cicero. Ele está longe de imaginar como suas palavras caíram tão profundamente no meu íntimo e resgataram lembranças adormecidas há mais de meio século. Em primeiro lugar, porque devemos ter orgulho de ser conterrâneo do Padre Cícero. Ele é o filho mais ilustre do Crato, reconhecido internacionalmente. Infelizmente muitos cratenses não nutrem esse sentimento. Mas agora, graças ao nome desse taumaturgo, as duas cidades estão urbanisticamente se unindo num grande e futuro centro de desenvolvimento das regiões que margeiam os dois lados do Araripe.
Essa avenida teve uma importância fundamental na minha vida. É a avenida dos meus sonhos. Explico: fui criado no Sítio São Jose, em terras que pertenciam à nossa família e se estendiam desde o rio Grangeiro, que por lá tinha outra denominação e iam até a divisa do Crato/Juazeiro com o município de Barbalha. A estrada da qual Roberto se refere e que o Padre Cicero deve ter percorrido em abril de 1872, não foi exatamente esta extraordinária avenida que conhecemos hoje. Ela tinha outro percurso e, em alguns pontos ficava distante até um quilômetro da atual avenida. A partir do viaduto do Rio do Saco, em demanda do Juazeiro, a estrada derivava à esquerda, serpenteando a via férrea. Passava pelo São José, onde ficavam as casas do meu pai, de muitos tios, primos e tantos amigos, até o antigo matadouro do Juazeiro. Havia ônibus na porta de casa, aliás, as “Sopas do Anselmo”, aproveitadas da carroceria de velhos caminhões, daí o nome. Anos depois, vi e andei em Salvador em lotações dos anos de 1960, que lembravam as nossas “sopas”.
Por volta de 1952, creio, iniciou-se a construção da nova estrada. Acho que eu deveria ter uns seis anos de idade e, um dia fui ver a obra da Estrada Nova, como a chamávamos, com o meu inseparável amigo Vicente. Menino extraordinário, Vicente tinha um olho cego, mas pouco me incomodava com isto. Ele era neto de uma senhora que trabalhava na nossa casa, alguns anos mais velho do que eu. Sei bem da confiança que minha mãe depositava nele. Ela estava certíssima. Nunca ouvi dele uma anedota de mau gosto ou qualquer palavrão. Era um alegre contador de histórias, declamava e às vezes até cantava versos de cordel que costumava ouvir dos emboladores nas feiras do Crato e Juazeiro. Há anos que não o vejo, mas sei que ainda reside no São José e é um dos homens de bem que existe no Crato.
Na estrada em construção, eu e Vicente ficamos algumas horas sentados na ribanceira de um corte, para mim altíssimo, observando lá de cima todo o movimento das máquinas operando. De repente, uma camionete novíssima e muito bonita parou na nossa frente. Vi descer um homem de óculos escuro, roupa bonita, botas longas e um comprido rolo de papel nas mãos. Foi arrodeado de trabalhadores e dava ordens a todos. O Vicente me disse: “Aquele ali é o doutor engenheiro.” E de repente eu lhe confidenciei com muita convicção uma idéia que nasceu naquele momento: “Quando crescer, eu quero ser engenheiro.”
Essa avenida teve uma importância fundamental na minha vida. É a avenida dos meus sonhos. Explico: fui criado no Sítio São Jose, em terras que pertenciam à nossa família e se estendiam desde o rio Grangeiro, que por lá tinha outra denominação e iam até a divisa do Crato/Juazeiro com o município de Barbalha. A estrada da qual Roberto se refere e que o Padre Cicero deve ter percorrido em abril de 1872, não foi exatamente esta extraordinária avenida que conhecemos hoje. Ela tinha outro percurso e, em alguns pontos ficava distante até um quilômetro da atual avenida. A partir do viaduto do Rio do Saco, em demanda do Juazeiro, a estrada derivava à esquerda, serpenteando a via férrea. Passava pelo São José, onde ficavam as casas do meu pai, de muitos tios, primos e tantos amigos, até o antigo matadouro do Juazeiro. Havia ônibus na porta de casa, aliás, as “Sopas do Anselmo”, aproveitadas da carroceria de velhos caminhões, daí o nome. Anos depois, vi e andei em Salvador em lotações dos anos de 1960, que lembravam as nossas “sopas”.
Por volta de 1952, creio, iniciou-se a construção da nova estrada. Acho que eu deveria ter uns seis anos de idade e, um dia fui ver a obra da Estrada Nova, como a chamávamos, com o meu inseparável amigo Vicente. Menino extraordinário, Vicente tinha um olho cego, mas pouco me incomodava com isto. Ele era neto de uma senhora que trabalhava na nossa casa, alguns anos mais velho do que eu. Sei bem da confiança que minha mãe depositava nele. Ela estava certíssima. Nunca ouvi dele uma anedota de mau gosto ou qualquer palavrão. Era um alegre contador de histórias, declamava e às vezes até cantava versos de cordel que costumava ouvir dos emboladores nas feiras do Crato e Juazeiro. Há anos que não o vejo, mas sei que ainda reside no São José e é um dos homens de bem que existe no Crato.
Na estrada em construção, eu e Vicente ficamos algumas horas sentados na ribanceira de um corte, para mim altíssimo, observando lá de cima todo o movimento das máquinas operando. De repente, uma camionete novíssima e muito bonita parou na nossa frente. Vi descer um homem de óculos escuro, roupa bonita, botas longas e um comprido rolo de papel nas mãos. Foi arrodeado de trabalhadores e dava ordens a todos. O Vicente me disse: “Aquele ali é o doutor engenheiro.” E de repente eu lhe confidenciei com muita convicção uma idéia que nasceu naquele momento: “Quando crescer, eu quero ser engenheiro.”
Hoje quando passo no local, onde fica o antigo Parque Grill, procuro aquele corte com a barreira que não é tão profunda como me parecia, por aquele menino que um dia sonhou alto e agradeço a Deus pelo sonho realizado. Obrigado, Senhor! Aquela criança sonhadora ainda continua vivendo dentro de mim.
3 comentários:
Caro Carlos,
Bonita crônica! Além do encantamento pela amenidade e benquerença de suas palavras, surpreendeu-me, sobretudo, a sua visão de futuro, a sua compreensão e adaptabilidade aos novos tempos. Fenômeno irreversível. Lógico.
(Se até as grandes potências – irremediavelmente diferentes entre si pelo idioma, cultura, raça,tradição, etc. – se unem hoje em blocos, o que diria de cidades conurbadas, unidas por uma cultura comum, com geografia similar e costumes idênticos)
Às vezes – mesmo eu que tive o privilégio de retornar há 30 anos ao rincão caririense – me assusto com a mudança comportamental e atitudinal dos mais novos...
Os habitantes de Crato-Juazeiro Barbalha – o chamado Triângulo Crajubar – despertaram, nos últimos tempos, para a força da vocação integracionista do Cariri.
Quanta diferença quando comparamos com a mentalidade e o ambiente dos nossos tempos de crianças-adolescentes, quando quase tudo era territorializado, quando separávamos as coisas numa relação preconceituosa “superior/inferior”.
No nosso tempo o encontro da juventude era na Praça Siqueira Campos. Hoje é no Shopping Center Cariri. Hoje mora-se e trabalha-se em qualquer dessas cidades como se fosse apenas ruas diferentes. Até prefeitos administram uma cidade e residem na vizinha. O povo já não distingue fronteiras...
Mudaram as pessoas? Como diria Dom Fernando Panico: “Penso que mudaram os tempos”
Não sejamos como a Carolina da canção de Chico Buarque: “O tempo passou na janela e só Carolina não viu”...
Prezado amigo Armando
Puxa, Armando, como você enriqueceu essa pequena crônica com o seu comentário. Ele é digno de ser postado no corpo principal do blog, pela profundidade da análise dos costumes e da urbanidade da nossa querida terra. É que as lembranças daquela época, armazenadas na minha mente, como livros catalogados nas estantes de uma grande bibioteca, foram resgatadas pelo texto do Roberto. Ah se eu ainda fosse cliente da Caixa Econômica do Crato e ele o gerente...(rs,rs..)
Meus caros Carlos Esmeraldo e Armando Rafael.
Esse meu comentario foge um pouco o sentimento que voces deram ao texto e ao comentario postados de forma brilhantes. Trata-se de uma ocorrencia que aconteceu na Av, Padre Cicero por essa razão faço o relato. havia na Av. Um posto da Policia Rodoviaria Estadual, na parte do Crato, o meu parente Jose Raimundo de Brito comprou 12 sacos de residuo na Usina Maria Amelia e para transporta-los para o Quebra, sitio onde morava utilizava-se um um fusca de sua propriedade. Precisou portanto fazer seis viagens. Na ida foi abordado, pela viatura no posto rodoviario do São Jose: doc. do carro, do condutor etc. Na volta mesma coisa. Na segunda viagem mesma coisa, na ida e na volta, e sempre pelo mesmo policial. Terceira viagem, quarta mesmo procedimento. Já na quinta viagem Jose Raimundo de Brito desceu do carro esquentado e disse para o policial, o mesmo que vesturiava o carro por mais de dez vezes na mesma manha: Guarde a merda desses documentos com voce no dia que eu precisar eu procuro! Finalmente o posto foi desativado, entre as duas cidades não havia necessidade de tanta vigilancia.
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