TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

segunda-feira, 23 de março de 2009

A desigualdade como norma.

Trecho do artigo "A desigualdade como norma: a situação do escravo perante a lei no Brasil, de minha autoria: 

"Perdigão Malheiro, jurista durante o período Imperial brasileiro, foi um contemporâneo da escravidão e era conhecido como militante abolicionista. Em seu ensaio destacou o fenômeno social da escravidão do ponto de vista do Direito e também analisou a escravização dos nativos, muitas vezes mal compreendida e estudada de maneira insatisfatória[1]. Ao comentar sobre a situação do escravo ante a lei, afirmou:

§1º O NOSSO Pacto fundamental, nem lei alguma contempla o escravo no número dos cidadãos, ainda quando nascido no Império, para qualquer efeito em relação à vida social, política ou pública. Apenas os libertos, quando cidadãos brasileiros, gozam de certos direitos políticos e podem exercer alguns cargos públicos, como diremos.

Desde que o homem é reduzido à condição de cousa, sujeito ao poder e domínio ou propriedade de um outro, é havido por morto, privado de todos os direitos, e não tem  representação alguma, como já havia decidido o Direito Romano.(...) Tal é a extensão dessa incapacidade, que entre nós, nem são os escravos admitidos a servir com praça no Exército e Marinha.

Nem tão pouco a exercer cargos Eclesiáticos, quer de natureza mista, quais os de Pároco e outros, quer de natureza puramente espiritual; no que vai de acordo a Lei Canônica com a Lei Civil.[2]

 

O escravo era considerado uma propriedade pela lei, estando subordinado ao poder do senhor e equiparado às coisas, constituindo-se em objeto de propriedade, não tendo personalidade, privado de toda capacidade civil[3].  As discussões que se abrem entre os historiadores sobre a situação do escravo perante a lei são variadas.

(...) 

Até que ponto realmente os escravos tinham a possibilidade autônoma de enfrentar as condições do cativeiro através da justiça da época em que viveram e se amparando nas leis em vigor, obter direitos e até a liberdade? Como pessoas que por lei eram consideradas sem personalidade jurídica responderiam por crimes que eventualmente viessem a cometer? Eis os termos da discussão que buscaremos enfrentar  



[1] Assim se pronunciava o famoso jurista: “A MAGNA questão da escravidão no nosso país tem me preocupado o espírito, como me parece que deve ter preocupado o de todo homem pensador, e verdadeiramente amigo do Brasil. (...) Antes de nos embrenharmos na delicada e  espinhosa questão da emancipação, cumpria conhecer o Direito atual sobre os escravos. – Não era indiferente também ter notícia da história da escravidão entre nós, quer em relação aos Indígenas, quer em relação aos Africanos”,  in MALHEIRO, Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico, social; introdução de Édson Carneiro. 3 ed. Petrópolis: Vozes, Brasília: INL, 1976, p. 29. 

[2] ibidem, p. 35-36.   

[3]  ibidem,  p. 58. 

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