1989. Primeiras eleições presidenciais pós-regime militar instalado em 1964. Estava praticamente certo que votaria em Gabeira. Mas, depois da visita de Brizola ao Crato e convencido por Luís Cláudio, carioca e brizolista ferrenho, votei no famigerado caudilho. Veio o segundo turno das eleições que oporia Collor a Lula. Não tinha nem o que pensar: era Lula-lá. E mais do que isso, era preciso cerrar fileiras, aderir à militância. Não haveria nenhuma dificuldade em inserir-me nas hostes petistas, visto que, na época, era bastante alinhado ao PT do Crato, desde a campanha das diretas já até as eleições municipais de 1988, quando fui um dos coordenadores da histórica e formidável campanha do médico Marcos Cunha a prefeito. Marcos Cunha chegou a ficar em segundo lugar nas pesquisas, a míseros três pontos percentuais do primeiro colocado.
O ponto alto da campanha de Lula no Cariri foi o comício que ele fez no Crato. Coube a nós, integrantes do comitê local, coordenado por Marcos Cunha, a tarefa de organizá-lo. O comício foi marcado para uma quinta-feira, as 10 horas da manhã. Desde a véspera, a movimentação era grande. Na noite, foi armado um grande palco em frente à Praça da Sé, tomando metade da rua. Depois do serviço pronto, tivemos o primeiro imprevisto. Um motorista bêbado atropelou o palco, destruindo cerca de um terço dele. Por conta de um adesivo colado no vidro do carro, atestamos que o motorista era eleitor do outro candidato. Foi o suficiente para levantarmos a hipótese de crime de sabotagem. Como não havia tempo nem dinheiro para contratar outro palco, a solução foi suprimir a parte danificada. Passamos o resto da noite de vigília, temendo outro “atentado”.
No dia seguinte, apesar de sonolenta e cansada, a equipe toda estava empolgada à espera de Lula e sua comitiva. Fui, ainda, uma das atrações artísticas, à frente da banda Fator RH, executando alguns números do nosso repertório roqueiro. Luís Cláudio estava sem dormir desde a véspera e já completamente ébrio. Enquanto Lula não chegava, o que só veio acontecer às quatro horas da tarde, escalávamos artistas, políticos locais e militantes para entreter o grande público que se concentrava no local. Uma senhora, vinda não sei de onde, pediu para fazer uma denúncia grave contra o outro candidato. Sem medir as conseqüências, colocamo-a no palco e ela falou de um suposto envolvimento do adversário no já comentado Caso Ana Lídia. Luís Cláudio ficou empolgado e disse que iria recomendar a Lula que usasse essa denúncia para liquidar o pleito. A candidatura de Lula vinha ascendendo constantemente e, na reta final, tínhamos a certeza da vitória.
Lula não usou o estratagema proposto por Luís Cláudio. O adversário, por sua vez, não teve a mesma ética e usou uma ex-namorada de Lula que o acusou de ter-lhe proposto um aborto. O adversário ganhou as eleições e o Brasil iniciou a última década do século XX sob uma era collorida que, felizmente, terminou breve e, infelizmente, num negro lodaçal de corrupção e tráfico de influência.
6 comentários:
Carlos: não é pouco caso não. Mas, mesmo sem ler o teu texto, foi bom encontrá-lo novamente. Fazia falta. Agora vou ler.
José,
Espero que tenha gostado deste texto que narra uma faceta do episódio que envolveu o Crato e o nosso atual chefe de Estado. Recentemente, quando veio inspecionar a obra da Transnordestina, Lula citou o Crato, local onde recebeu a sugestão de Miguel Arraes para a contrução da ferrovia. Este encontro deu-se antes deste comício, quando ele encontrou Arraes na casa de Dona Benigna. De lá, ele caminhou até a praça onde fez o histórico comício.
Abraços
À véspera do evento deslocamo-nos de Fortaleza para o Crato a fim de participar do momento histórico. Podemos, assim, testemunhar que a caminhada do Lula de braços dados com o Arraes, pelo meio da rua, do início da João Pessoa até a Praça da Sé foi algo simplesmente emocionante (incapaz de ser transposta para a narrativa), com a multidão vibrando, chorando, sorrindo, acenando, aplaudindo, enfim, extravasando toda uma carga de sentimentos represados após tantos anos de "chibata no lombo".
No comício, com a Praça da Sé e adjacências repletas, muito chororô, muita manifestação de fé no futuro, muito orgulho em se está participando daquela momento histórico.
Pena que uma "jogada desleal", ao final da disputa, haja mudado abruptamente o rumo da história.
Anos depois, entretanto, a justiça se fez e, hoje, todo o mundo reconhece: esse é O CARA, ó cara !!!
Carlos,
Valeu como resgate da memória.
Outro dia, o senador Pedro Simon fez uma "mea-culpa" em relação a Collor de Melo. A ver:
"Pérolas - Collor só nas Pequenas Causas
(07.04.09)
Repórter do Jornal do Comércio - "Senador, como o senhor vê o ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) assumindo a Comissão de Infraestrutura do Senado e o presidente da Comissão de Orçamento sendo indicado pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL)?
Senador Pedro Simon - "Com toda a corrupção que teve de um tempo para cá, o que encontramos no governo Collor deveria ter sido enviado para o juizado de pequenas causas".
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De uma entrevista do senador Pedro Simon, ao repórter Guilherme Kolling, na edição de 30/03/2009 do Jornal do Comércio de Porto Alegre".
Carlos Rafael, sumido rapaz. Talvez você não lembre mas foi nessa data que recebi o convite para ser um Fator Rh, lembra? você foi o culpado,rsrs, como não tinha ensaiado, e não sabia tocar, não tive coragem de ir, mas no dia seguinte eu já era um Fator Rh. Participamos de outros comícios legais, boas lembranças.
Abraço.
Diga aí, Calango Tango! Só agora pude ler seu comentário. Sobre sua entrada no Fator RH, na verdade, não tinha essa lembrança tão detalhada assim. Mas faz sentido, pois aquele comício coincindiu com os primeiros tempos da banda. De qualquer forma, estamos aí, pro que der e vier.
Abraços!
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