Aturdidos, pomo-nos a pensar na fragilidade da existência. E na grande tragédia desse mundo : construir é tão árduo e difícil; destruir não carece de motivos nem causas : basta um sopro. Para erguer um edifico levam-se , necessariamente, na melhor das hipóteses, meses e meses, para implodir são necessários apenas alguns segundos. Reparando direitinho, pouca coisa separa a tragédia do vôo 447, da tragicomédia de todos nós. Talvez apenas o número: a catástrofe por atacado. Todos os humanos, na verdade, fazem uma viagem muito parecida, embora não na mesma aeronave. O vôo é cego, no escuro, em meio à tormenta , à turbulência e o destino, amigos, é a colisão. Mais dia, menos dia, nosso aeroplano mergulhará no oceano dos tempos e não restará resquício, nem um vestígio do nosso plano de vôo. Nada sobrenadará: uma lembrança, uma memória, nada. E a ninguém interessará procurar a caixa preta E, se por acaso alguém tropeçar nela, como na lâmpada de Aladim, o que descobrirá? Desejos rotos, ilusões puídas, anseios pisoteados. Dados técnicos empilhados e empalhados : meros arremedo daquilo que um dia refulgiu e palpitou.
Contemplamos, atônitos, o universo com suas dimensões astronômicas. O que significa nossa passagem meteórica por aqui ? Como um corisco, riscamos os céus instantaneamente. Brilhamos fugazmente para algumas retinas atentas , para a maioria nossa trajetória será totalmente incógnita. E mais: nosso brilho dependerá da força com que ferirmos a pesada atmosfera deste mundo. E, como no meteoro, tanto mais cintilamos quanto mais nos dissipamos. Os mais espiritualizados acreditam que somos não meteoritos, mas cometas e que periodicamente retornamos para um novo resplandecer. O certo é que nossa momentânea fulguração não possui qualquer interferência na ordem imutável do universo. Etéreas, voláteis nossas efêmeras histórias escrevem-se na superfície do mar que se abre voluptuosamente para engolir nossa pequena aeronave.
De que adiantam vaidade, egoísmo, ganância, competição? A turbulência nos envolve, a colisão previsível nos aguarda. O que conta no final das contas ? A paisagem que possamos sorver da janela e a teia de laços fraternos que consigamos tecer com nossos outros companheiros de viagem e de infortúnio. Só.
J. Flávio Vieira
4 comentários:
Que maravilha ler seu texto num suspiro profundo.
Obrigado à Marta pelo comentário e pelas palavras carinhosas.
Caro Zé Flávio:
Do ponto de vista literário seu texto está excelente. Na interpretação dos sentimentos de tantos dramas pessoais, está irrepreensível...
Aliás, um desses dramas ocupou meu pensamento nos últimos dias.
Ocupa o pensamento de qualquer homem que é pai.
Entre os mortos da tragédia está um jovem brasileiro, de classe média. Tinha 26 anos, pois nascido em 12 de janeiro de 1983, no Rio de Janeiro, e desaparecido no voo Rio-Paris, em hora incerta, entre o final do dia 31 de maio ou início de 1º de junho de 2009.
Ele era primogênito de um casal, pai brasileiro, engenheiro que ganhou a vida trabalhando em empresas privadas. A mãe, de nacionalidade belga, ainda muito jovem trabalhou junto a Madre Teresa de Calcutá, tratando dos miseráveis na Índia, até conhecer o futuro esposo. Depois de casada fixou residência no Rio de Janeiro. Posteriormente o casal comprou uma residência, no bairro Morim, em Petrópolis, onde residem até hoje.
Esse jovem morto teve infância e adolescência igual a qualquer brasileiro. Fez seus estudos primários no Instituto Social São José — de uma congregação de freiras de origem francesa —, em Petrópolis. Depois, cursou o ensino médio no Colégio Ipiranga, na mesma cidade. Graduou-se em Administração de Empresas pelo IBMEC do Rio de Janeiro, entre 2001 e 2005, tempo em que residiu num pequeno apartamento, com sua avó paterna, e uma tia, no bairro da Lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro. Cursou a pós-graduação em Finanças e Mercado de Capitais, na EPGE da Fundação Getúlio Vargas, de 2005 a 2006.
Sempre foi estudioso. Falava fluentemente francês e inglês e praticava golfe, tênis e futebol. Nesta matéria, era torcedor aguerrido do clube Fluminense.
Trabalhou no Banco Mariani, no Rio de Janeiro, antes de empregar-se num banco de investimentos da Cidade de Luxembourg, capital de Luxemburgo, em fins de 2007.
Tinha vindo ao Brasil, por poudos dias com saudade dos pais e das coisas do seu país natal.
Seu nome era: Pedro Luiz de Orleans e Bragança, um dos príncipes da Família Imperial Brasileira, filho de Dom Antonio João ( nascido em 1950) e da Princesa Christine de Ligne ( nascida em 1955). Por parte de pai era descendente direto de Dom Pedro I, Dom Pedro II e da Princesa Isabel. Por parte da mãe, Pedro Luiz descendia da Casa de Ligne, que remonta ao séc. XII e é a dinastia histórica mais importante da Bélgica, estando abaixo apenas da Casa Real daquele país.
Na Escola, seus colegas o chamavam de “Dom Pedro Luiz do Brasil”...um jovem sorridente, estudioso, culto, que gostava de jogar tênis e torcia pelo Fluminense...
Os sinos também dobram por ele...
Obrigado ao Armando pelos comentários sobre o texto. Tantas e tantas perdas e a gente fica de longe absorto com os tortuosos caminhos desta vida. Entre o ser e o não ser a distância é mínima,
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