Os últimos dias de paupéria é o título de uma coletânea póstuma de poemas e textos jornalísticos do poeta tropicalista Torquato Neto, natural de Teresina, Piauí, mas baiano por vocação e estética.
Por sinal, quando fui a primeira vez a Teresina, em 1991, bebi cerveja em um bar na Rua Torquato Neto, centro daquela calorosa e calórica cidade. A partir de então, mantenho com Teresina uma afetuosa relação, pois minhas duas filhas, Sara Ravena e Talita Régia, são teresinenses. É certo que elas só fizeram nascer em Teresina, mas que têm passado lá suas últimas férias, visto ser a cidade onde residem o avô e alguns dos seus tios maternos.
Por volta de 1985 descobri definitivamente a obra de Torquato Neto. Antes, só conhecia aquela letra musicada por Gilberto Gil e que consta do antológico disco Tropicália ou Panis Et Circensis (é assim mesmo, com a grafia errada. O correto é Panem Et Circenses). A música é Geléia Geral, cuja primeira estrofe é:
Um poeta desfolha a bandeira
E a manhã tropical se inicia
Resplandente, cadente, fagueira
Num calor girassol com alegria
Na geléia geral brasileira
Que o Jornal do Brasil anuncia
Pois bem, conheci definitivamente a obra de Torquato Neto quando Salatiel emprestou-me a primeira edição de Os últimos dias de paupéria, que vinha acompanhada de um compacto com uma música inédita, outra parceria dele com Gilberto Gil, intitulada Dia D:
Desde que sai de casa
Trouxe a viagem da volta
Gravada na minha mão
Enterrada no umbigo
Dentro e fora assim comigo
Minha própria condução
Todo dia é dia dela
Pode ser, pode não ser
Abro a porta e a janela
Todo dia é dia D
Há urubus no telhado
E a carne seca é servida
Escorpião encravado
Na minha própria ferida
Não escapo, só escapa
Pela porta da saída
Se Geléia Geral pode ser considerada o hino do Tropicalismo, Dia D é um réquiem composto pelo próprio poeta, um prenúncio de sua morte.
Há cerca de dois anos, meu irmão Orlando deu-me de presente o livro Pra mim chega, biografia de Torquato Neto escrita pelo jornalista Toninho Vaz. O título não poderia ser o mais adequado para o desfecho trágico da meteórica e genial existência de um poeta de mente brilhante, pena inspirada e alma atormentada.
4 comentários:
Caro amigo mutante rafa,estou degustando o tal livro
Você me emprestou ou me deu não lembro muito bem,pois era uma tarde de sábado etílico chope,minha bebida preferida:cachaça misturada em um mesmo copo
Com cerveja, muito bom à história de Torquato e em breve estarei em busca do mesmo bar em Teresina
Para compor em parceria com T.neto...
Saudações marginais e malditas....
Carlos: sou fronteira da geração do Torquato. Alguns piauienses são da mesma época e o Torquato se destacava, naquele tempo, por tais razões: ser do vizinho Piauí e amigo dos amigos. Anos depois, estamos numa roda de cantoria, a Tereza é pianista clássica, mas depois de me conhecer e se tornar médica só lhe restou alguns saraus de sala com música popular. Então estávamos tocando e cantando o Prá Dizer Adeus de Torquato e Edu Lobo, quando entendemos com se fosse um verdadeiro bilhete de suicida (mas aí é fácil de fato ele já tinha ocorrido):
Adeus,
Vou pra não voltar
E onde quer que eu vá
Sei que vou sozinho
Tão sozinho, amor
Nem é bom pensar
Que eu não volto mais
Desse meu caminho
Ah! Pena eu não saber
Como te contar
Que o amor foi tanto
E no entanto eu queria dizer
Vem,
Eu só sei dizer
Vem,
Nem que seja só
Prá dizer ADEUS
Wilson,
Você tava bêbado, mas eu, não!
O livro foi só emprestado. Mas não tenha pressa, pode ler com calma, curtindo essa história ímpar, de ida e vinda, e muita poesia.
Saudações torquatianas!
José do Vale,
Esse é outro poema de morte anunciada, mas tão sutil que só deu pra perceber tarde demais.
Parece uma simples despedida da mulher amada, mas era da vida, tanto amada como odiada...
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