Praça central de São José do Barreiro no cair da tarde
São José do Barreiro se encontra em festa. No último sábado na praça central, em frente à matriz, houve apresentação de um grupo de “Folia de Reis” e do “Grupo de Jongo de Piquete” no Estado de São Paulo. Nesta tarde ouviram-se nomes que saltaram na voz de Clementina de Jesus, Donga, João da Baiana, Martinho da Vila.Dos Atabaques: guanazamba, tambu, pai João, pai toco (os maiores); candogueiro, angona, Joana, (intermediários); cadete, (terceiro menor); cazunga (o menor, fica pendurado no corpo), Guaiá, (uma espécie de chocalho), Puíta (cuíca). Dos mistério da mironga (ou desafio, briga); caxambu, bambelô ou Dança do Jongo.
Mestre Gil, quem sabe bisneto de africanos Banto. Quando jovem esteve interditado, como todos jovens, a entrar na roda do Jongo. Morou em São Paulo onde nasceu e depois retornou para o lar ancestral em Piquete e tomar conta do avô. Tornou-se líder e jongueiro de escol. Bem articulado, pedagogo e diretor de uma escola municipal. Mestre Gilberto Augusto da Silva encontra uma ex-colega de faculdade na praça e ao microfone diz a todos: “esta aqui me ajudou muito. Quando não tinha dinheiro para a passagem de ônibus ela me dava”.
Quando dizemos sagrado, dizemos direito universal, direito humano, dignidade ou outra palavra que você sabe, e tudo é a mesma coisa. Por isso o Jongo é a síntese do direito sagrado da resistência à ordem econômica escravagista. Era além de tudo enigmática, metafórica e mágica. O enigma se encontra na raiz do Jongo. É o ponto, aquele que deve ser decifrado e ele se refere a situações de crítica política, social e econômica. É metafórico, pois usa dos substantivos da natureza e do trabalho para a semelhança traduzir o seu discurso. É mágico, pois os participantes estão no âmbito dos entes que podem puni-los ou lhes oferecer proteção.
Em síntese existe um enigma, o ponto, que deve ser decifrado, ou seja, “desatado”. Os olheiros da casa grande nunca o fariam, mas o mestre cumba, o preto velho, treinado e vivido, no topo da hierarquia, amarravam e desatavam pontos. Um exemplo de ponto: “Tanto pau de lei /que tem no mato,/imbaúba é coroné." O nó desatado: tem tanta gente boa (pau de leite) e foram logo escolher um coronel ruim (imbaúba madeira oca e ruim) para a política. O ponto pode ser cantado ou “gugurado” (sussurado).
A dança começa numa louvação com respeito do grupo e em seguida o solista canta os versos dos pontos, ajustando as palavras à melodia através de compassos fortes. Normalmente os versos dos pontos são tradicionais, mas existe o “ponto de demanda” que é um desafio. O desafiante canta um verso para que outro o decifre e responda, ou seja, “desate o nó” do ponto. O decifrado deve ir até o tambor, por a mão sobre ele e gritar “cachoeira” ou “madeira”. A música para e ele apresenta a resposta. Se o ponto ficar amarrado, o jongueiro passa por situações de humilhação.
Dança de roda que se movimenta no sentido contrário do relógio. A partir de certo momento a roda para e se forma um círculo. Neste momento casais se alternam no centro da roda dançando, com os passos típicos, umbigadas, um passo à frente outra atrás e em seguida um giro ou então girando em torno deles. No centro da roda o solista tira o ponto e os demais lateralmente respondem batendo palmas ritmadas enquanto fazem uma dança lateral no mesmo lugar. O solista improvisa passos e de vez em quando.
Entre o São Paulo, Minas, Rio e Espírito Santos são conhecidos doze grupos de jongos. Um grupo muito destacado é o da Serrinha um morro carioca. Quando nos desfiles das escolas de samba, muito do ritmo, da musicalidade e dos temas são filamentos puro do jongo. Mestre Gil esteve recentemente na região do Cariri para um encontro de mestre em Juazeiro do Norte.
Finalmente sintam este ponto versejado por Mestre Gil: o burro foi na escola/ pra aprender o abc/ a professora ensino/ o burro não sabe lê / o burro não sabe lê / Eu quero o burro deputado / o burro não sabe lê / Eu quero o burro senador / ponha o burro na escola / tira o burro da favela / eu quero o burro com mestrado / eu quero o burro presidente...
Não se amarre ao substantivo burro e lerás esta ponto como uma grande crítica social, especialmente à escola quando a professora ensina: o burro não sabe lê. Já vi muito desta frase sobre um migrante nordestino e operário que se tornou presidente.
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