As pessoas , na maioria das vezes, confundem gosto com juízo de valor. Quando Zé do Vale escreve um post para declarar seu gosto por músicas consideradas cafonas ele acha que está sendo ousado e que todas as outras pessoas tem um gosto canônico ou só ouvem músicas de “bom gosto”. Nada mais errado. No fim dos anos 60 a ensaísta americana Susan Sontag já tinha escrito sobre o fascínio que o mau gosto exercia sobre nós no texto “Notas sobre o camp” (A vontade radical, Cia das Letras). Na sua definição Camp seria caracterizado por um prazer em fruir produtos visívelmente kitschs. Embora a noção de kitsch, em seu sentido estrito, se refira àquelas produções (culturais ou não) que pretendem através de determinados efeitos estilísticos parecerem mais artísticas ou de “cultura superior” do que na verdade são neste texto vou usar kitsch no seu sentido comum que se aproxima da definição de brega. Ela estava apontando um fenônemo que iria se alastrar com mais força no Brasil em décadas recentes. Quando Caetano Veloso no festival Phono 73 gravou “Eu vou tirar você desse lugar”, de Odair José, ele de alguma forma refletia e antecipava um comportamento hoje muito mais comum. Gostar de música brega (cafona, kitsch etc.) hoje já não causa constrangimento à ninguém. Eu gosto, você gosta, nós gostamos. E quanto aos poemas criticados no blog acho que não são suficientemente kitschs para que sejam do meu gosto. Mas apesar do relativismo do gosto ,e de um certo relativismo cultural que vivemos, existe um coisa que se chama juízo de valor (baseado em critérios estéticos) que permite que eu diga que a poesia de Manuel Bandeira é melhor do que a de Elisa Lucinda , por exemplo. Nada me impede que eu goste mais de Elisa Lucinda do que Manuel Bandeira. Mas muita coisa pode me ajudar a perceber porque Manuel Bandeira é um poeta de maior qualidade do que a vate histriônica com seus relatos do cotidiano (aliás ela foi minha aluna no Curso de Comunicação da UFES). Poderia me estender mais sobre o assunto. Mas ao contrário do que Zé do Vale comentou não costumo fazer posts grandes por achá-los inadequado ao formato do blog. Mas tem quem goste.
6 comentários:
O Zé do Vale me acusou de fazer o papel de uma espécie de Eco do Maurício, o que não é verdade, mas aqui há coisas que estão perfeitamente alinhadas com meus posicionamentos.
Esse meu posicionamento de forma alguma serve para denegrir os pensamentos de alguém, longe disso, mas vou colocar apenas o seguinte:
Alguém pode até reconhecer que Beethoven, Tchaikovsky ou Richard Wagner sejam gênios da música, por juízo de valor, se essa pessoa entende de arte ( é ruim o "ouvi dizer que fulano é bom" ). O que pode não alterar o fato de ela preferir ouvir Reginaldo Rossi ou Amado Batista, mesmo tendo consciência disto. Aí seria o gosto pessoal.Isso é o normal.
Mas eu vou um pouquinho além em afirmar que para a arte complexa, só o gosto não é suficiente para qualquer juízo. E não misturemos os dois.
Dificilmente alguém conseguirá gostar de Stravinsky, sem o entendimento, sem a leitura, sem compreender as coisas em profundidade. Pode até gostar como uma garota de 15 anos gosta das 4 estações de Vivaldi, o que não exige muito cérebro, mas em geral, gostar de coisas complexas, exige um aprofundamento maior em teoria, e etapas sucessivas de estudo, de raciocínio, de percepção que se desenvolve.
É praticamente impossível alguém compreender Pierre Boulez sem ter um background teórico. E esse background criará um conjunto de valores verdadeiros, pois é baseado no conhecimento, e não no mero gosto pessoal.
Gosto por gosto musical, até um agricultor possui, e pode gostar de ouvir Chopin, sem no entanto saber julgar.
Não me admira portanto que o Jazz e a música moderna seja reservada a poucas cabeças, porque exige um apoio de conhecimento que para a maioria das pessoas não está acessível. Vide os fumacentos night Clubs de Nova York dos anos 50 com o BeBop e o Cool Jazz...
Abraços,
Dihelson Mendonça
Dihelson
Seu acréscimo é importante. Para se fruir certos produtos artísticos é necessário algum esforço para que se possa "entendê-los" e o gosto (o gozo) só será atingido depois de algum conhecimento dos mecanismos de determinada linguagem artística (artes plásticas, música, literatura). Quanto a questão da confusão entre gosto e juízo de valor lembro sempre uma historinha: Oscar Wilde estava visitando uma exposição de pintura com um crítico de arte (que agora esqueço o nome) e olhava para os quadros e dizia esse é bom, esse não é bom. Cansado da arrogãncia de Wilde o crítico vira pra ele e diz. "Oscar você não pode dizer que esse quadro é bom e esse não é. Você pode dizer se o vinho servido é bom ou não (você entende de vinhos). Quanto aos quadros limite-se a dizer se você gosta ou não".
Dihelnson me desculpe mas não o acusei disto. Apenas me referia àquela história do harém. Você e o Maurício são bastante diferentes em relação ao que nós (me referi aos blogs) conhecemos dos dois em posições e textos e construções.
Maurício gostei do seu texto. Mas fica difícil o seu raciocínio inicial pois eu me dizia de gosto duvidoso musical, eu e a torcida do flamengo (como sabes aqui no Rio esta frase quer dizer a grande maioria das pessoas). Não usei o raciocínio: eu e os outros.
Outra coisa (lá estou esticando conversa) embora continue dialogando com suas manifestações sobre juízo em arte, não foi apenas isso. Quis abrir uma discussão sobre acesso e formação de gosto/juízo (neste caso não faço distinção) nas culturas de amplo consumo como é o caso da música. Não ficou evidente até pelo diálogo com você já que parti da premissa que ele seria duvidoso.
Tem razão, Zé. Acho que passei por cima da torcida do Flamengo e me concentrei na sua investida contra quem você acha que tem gosto canônico (não tenho canônico nem canonizado). Talvez na ânsia de explicar que o gosto eclético/multifacetado/pop é mais uma característica de nossa época do que uma particularidade da sua infância cratense acabei exagerando na dose. Esse é um assunto que me interessa muito e que durante algum tempo discuti numa disciplina chamada "Estética e comunicação de massa". Ao contrário do que possa parecer sempre fui favorável à quebra do canône pois sou um filho da contracultura. Mas quando essa quebra serve pra justificar qualquer coisa eu começo a rever algumas das minhas antigas posições.
Mesmo ao maior crítico de arte, e portanto conhecedor, é difícil subjugar o gosto pessoal em função do conhecimento que ele possui. Já conheci inúmeros exemplos de grandes conhecedores que com uma certa intimidade, confessam coisas que o gosto pessoal leva fora de qualquer fronteira da lógica.
Mas o gosto está relacionado ao coração. O Juízo, ao cérebro. E como alguém já falou, a batida expressão: "o coração tem razões, que a própria razão desconhece."
Assim é o gosto: Inexplicável. Mas com o auxílio do conhecimento, esse gosto poderá se refinar. A diferença de julgamento de uma pessoa que entende de cinema, de pintura ou de qualquer arte para a visão do leigo é imensa.
Por isso é que muitas vezes, devemos nos limitar a não se arvorar no papel de críticos de artes que não entendemos bem. ( O pior são aqueles que acham que entendem ). Por exemplo, resenhas sobre pintura, escultura, cinema por parte de gente que escreve bem ( jornalistas, por exemplo ), mas falta o background teórico, o conhecimento, resulta em resenhas desastrosas, pois se baseiam no gosto pessoal, e num pseudo-conhecimento, ou superficial.
Creio que por bom senso, deve-se evitar resenhas sobre assuntos das artes que não dominamos, ou no máximo, podemos todos nos expressar, como o fazemos, por plena liberdade que cada um tem, a dizer, como disse aí o crítico no exemplo do Maurício ( de Wilde ):
"Eu gosto deste..." ou
"Eu não gosto deste..."
Ou:
"Eu gosto desta música, eu não gosto daquela"
E nesses parâmetros vem uma provocação: E o que viria a ser o mau Gosto ? Seria o gosto pautado na falta de um conhecimento que desse embasamento para construir juízo de valor, ou seria apenas o gosto de alguém que vai contra o nosso gosto pessoal ?
Em tempo:
Questão de gosto, AQUI se discute sim e é salutar. rs rs
Abraços.
DM
Antes de sair pro trabalho dei uma olhada no blog e não resisti a tentação de comentar o que Dihelson falou. Quando se fala de "gosto duvidoso", como fez Zé do Vale, ou mau gosto como normalmente se diz na verdade estamos no terreno do juízo de valor. A valoração do gosto. E, como foi comentado, o gosto no senso comum é uma questão de afinidade eletiva. Eu gosto de abacate, eu detesto pitomba. Por isso em textos com pretensões científicas sempre somos obrigados a explicar o que entendemos pelo conceito que estamos tratando. As palavras são polissêmicas e muitas vezes têm sentidos contrários. Mas de vez em quando só pra povocar é bom repetir Adraiana Calcanhoto;"Eu não gosto de bom gosto, eu não gosto de bom senso..." Abraços.
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