Este texto é oferecido ao meu amigo Armando Rafael, com quem tenho debates duros até por e-mail. Sei que Armando me toca com suas posições políticas e religiosas, mas sei que também o provoco. E continuamos amigos, por que brigamos por idéias e não como alvos de nossos corpos ou personalidades.
Quando um jovem examina o imponderável futuro, mas já ponderando o seu breve passado; quando um adulto examina seu longo passado e espreita o futuro como limite, consideram além do seu fluxo individual a sustentabilidade de um modo de vida conseguido através de gerações. Só a capacidade de transferir meios, recursos, princípios, conhecimento entre uma geração e outro é capaz de criar civilização. A decadência é exatamente o esvaziamento desta capacidade.
Por isso Padre Frederico, aqui lembrado por Armando é um pouco disso na cultura do Crato. Imaginem um Alemão do século XX, membro de uma família relativamente abastada, quando a Alemanha já havia passado a grande depressão econômica dos anos 20 e 30 e estava no apogeu construtor de infra-estrutura de Hitler. Para qualquer jovem alemão daquela época era difícil estimar o desastre de oito anos depois. Pois o padre Frederico abandona a Alemanha e vai para a aridez do sertão Piauiense e Cearense.
Já sabia disso por minha avó, uma sertaneja da Aiuaba que tinha uma foto na sala da frente da casa dela em memória daquele jovem padre. Lembro dele, um homem imenso para meu tamanho, numa moto potente visitando minha casa. Lembro do dinamismo comparado dele em relação a outros vigários. Considere que Padre Frederico não era do centro do poder diocesano, não dirigia nenhuma das grandes instituições da época (Diocesano, Imprensa, Rádio, Seminário etc.).
Era um padre de uma ordem, não era secular. Aliás, o Armando nos deve um belo estudo comparado entre o Seminário São José e o Sagrada Família. Tenho uma hipótese: o primeiro era mais de elite, preparava mais os quadros dirigentes do futuro e o segundo era mais includente, trazia gente de um estrato sócio-econômico que tentava a mobilidade social. Explico a hipótese, o seminário São José tinha uma rede de paróquias da região capaz de financiar bolsas para jovens de talento, enquanto o Sagrada Família não tinha. Então o perfil desbravador, empreendedor e dinâmico do Padre Frederico tem muito da personalidade dele e, talvez, desta circunstância.
A primeira capela do Bairro da Batateira foi dirigida por Padre Antonio, um Alemão de voz mansa, doce nas palavras e na fé religiosa, embora me parecesse um tanto angustiado pelo tempo histórico de sua origem.
Aliás, um dos personagens mais espetacular que conheci foi o Padre Rodolfo, um homem alto e magro, um varapau como nós chamávamos aquele biotipo. Padre Rodolfo era professor de história, contaram-me que um dia durante uma prova os alunos tentaram pescar entre si e ele, ao perceber, se revoltou e deu nota máxima a todos. Este padre era de uma simplicidade infantil, falava alto, agitado, um tanto nervoso. Gostava muito de conversar comigo e contou-me ter sido prisioneiro de guerra na Rússia, ficando muitos anos até ser libertado.
E padre Francisco, volumoso, bonachão, cuidando do apiário, da pocilga e da horti-fruti do seminário. Era o agricultor da ordem. Brincalhão, os alunos de então, como o famoso China dos tempos de rum com coca-cola aí do Crato, aqui do meu lado lembra: Padre Francisco durante a missa, normalmente num dos altares laterais da capela, após enxugar as mãos durante a liturgia jogava, de propósito, o pano na cabeça dos meninos. Rompia a seriedade da instituição, recuperando a simplicidade infantil do cristianismo primitivo, pois ajudar naquelas missas, iam as crianças recém-chegadas ao seminário.
E padre Xavier. Duro, sistemático, implacável. Um grande ser humano. Era o prefeito do Seminário, tinha o gosto do mundo. Não se envaidecia com a meritrocracia. Foi um dos mais entendidos em Português no ensino da região. Padre Xavier foi professor da Faculdade de Filosofia e após o fechamento do seminário, recolheu-se à administração de um bispado, em Floresta, Pernambuco. Não cedeu à vaidade acadêmica, seguiu a sua missão de vida. No caso a missão da ordem religiosa.
Quando um jovem examina o imponderável futuro, mas já ponderando o seu breve passado; quando um adulto examina seu longo passado e espreita o futuro como limite, consideram além do seu fluxo individual a sustentabilidade de um modo de vida conseguido através de gerações. Só a capacidade de transferir meios, recursos, princípios, conhecimento entre uma geração e outro é capaz de criar civilização. A decadência é exatamente o esvaziamento desta capacidade.
Por isso Padre Frederico, aqui lembrado por Armando é um pouco disso na cultura do Crato. Imaginem um Alemão do século XX, membro de uma família relativamente abastada, quando a Alemanha já havia passado a grande depressão econômica dos anos 20 e 30 e estava no apogeu construtor de infra-estrutura de Hitler. Para qualquer jovem alemão daquela época era difícil estimar o desastre de oito anos depois. Pois o padre Frederico abandona a Alemanha e vai para a aridez do sertão Piauiense e Cearense.
Já sabia disso por minha avó, uma sertaneja da Aiuaba que tinha uma foto na sala da frente da casa dela em memória daquele jovem padre. Lembro dele, um homem imenso para meu tamanho, numa moto potente visitando minha casa. Lembro do dinamismo comparado dele em relação a outros vigários. Considere que Padre Frederico não era do centro do poder diocesano, não dirigia nenhuma das grandes instituições da época (Diocesano, Imprensa, Rádio, Seminário etc.).
Era um padre de uma ordem, não era secular. Aliás, o Armando nos deve um belo estudo comparado entre o Seminário São José e o Sagrada Família. Tenho uma hipótese: o primeiro era mais de elite, preparava mais os quadros dirigentes do futuro e o segundo era mais includente, trazia gente de um estrato sócio-econômico que tentava a mobilidade social. Explico a hipótese, o seminário São José tinha uma rede de paróquias da região capaz de financiar bolsas para jovens de talento, enquanto o Sagrada Família não tinha. Então o perfil desbravador, empreendedor e dinâmico do Padre Frederico tem muito da personalidade dele e, talvez, desta circunstância.
A primeira capela do Bairro da Batateira foi dirigida por Padre Antonio, um Alemão de voz mansa, doce nas palavras e na fé religiosa, embora me parecesse um tanto angustiado pelo tempo histórico de sua origem.
Aliás, um dos personagens mais espetacular que conheci foi o Padre Rodolfo, um homem alto e magro, um varapau como nós chamávamos aquele biotipo. Padre Rodolfo era professor de história, contaram-me que um dia durante uma prova os alunos tentaram pescar entre si e ele, ao perceber, se revoltou e deu nota máxima a todos. Este padre era de uma simplicidade infantil, falava alto, agitado, um tanto nervoso. Gostava muito de conversar comigo e contou-me ter sido prisioneiro de guerra na Rússia, ficando muitos anos até ser libertado.
E padre Francisco, volumoso, bonachão, cuidando do apiário, da pocilga e da horti-fruti do seminário. Era o agricultor da ordem. Brincalhão, os alunos de então, como o famoso China dos tempos de rum com coca-cola aí do Crato, aqui do meu lado lembra: Padre Francisco durante a missa, normalmente num dos altares laterais da capela, após enxugar as mãos durante a liturgia jogava, de propósito, o pano na cabeça dos meninos. Rompia a seriedade da instituição, recuperando a simplicidade infantil do cristianismo primitivo, pois ajudar naquelas missas, iam as crianças recém-chegadas ao seminário.
E padre Xavier. Duro, sistemático, implacável. Um grande ser humano. Era o prefeito do Seminário, tinha o gosto do mundo. Não se envaidecia com a meritrocracia. Foi um dos mais entendidos em Português no ensino da região. Padre Xavier foi professor da Faculdade de Filosofia e após o fechamento do seminário, recolheu-se à administração de um bispado, em Floresta, Pernambuco. Não cedeu à vaidade acadêmica, seguiu a sua missão de vida. No caso a missão da ordem religiosa.
3 comentários:
José do Vale ,
Li emocionada todas as suas colocações. Essas figuras fizeram parte da minha história de vida , e de tantos outros da comunidade cratense.
Sem esperar autorização , mas contando com ela, transportarei esse texto para o meu blog.
Abraços
Grande José do Vale:
Obrigado pelo oferecimento deste agradável e oportuno texto.
Temos – é verdade – esporadicamente, posicionamentos diferentes. Mas, como você bem situou: “continuamos amigos, porque divergimos em idéias e não focamos como alvos nossos corpos ou personalidades”.
Divergimos – poucas vezes, convém ressaltar – mas com lealdade, sem agressão ou ofensa. Raramente divergimos e quando isso acontece é feito com civilidade e, sobretudo, levando em conta que princípios e respeito mútuo – em grau muito maior – estão a nos unir.
Aliás, outro dia, comentava com meu irmão Carlos essa sua postura. Você expõe suas idéias com sinceridade e firmeza, mas sem essa mesquinhez odienta tão presente em muitas pessoas. Você não faz dos seus posicionamentos um campo de batalha. Você não enxerga no oponente – do outro lado – como se este fosse um inimigo irreversível.
Louvo sua postura que talvez advenha de carga genética, temperamento, maturidade...
Da minha parte devo dizer-lhe que tenho aprendido com a sua benquerença, onde não há lugar para um juízo apressado, infundado ou foco de desagregação.
Você não fecha o espaço para o diálogo.
Vamos em frente!
Armando
Esqueci de dizer: quanto ao Padre Frederico e os irmãos deste, da Congregação da Sagrada Família, concordo com suas palavras em número, gênero e grau.
Armando ,
Acrescentei impressões pessoais. Aquelas , cuja memória infaltil apreende e sela.
Posso copiar o seu texto ?
Vou fazê-lo !
Um abraço.
A postura dos senhores, Armando e José do Vale é espelhável !
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