TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 11 de julho de 2009

Sopro

Tanto tempo passamos
com uma mulher

que pensamos
eternamente nosso

seu sinal no ombro,
seu sinal na coxa.

Tanto tempo passamos
com uma mulher

que não tiramos da alma
seu cheiro da gaveta aberta.

Tanto tempo passamos
com uma mulher

que esquecemos
o mais importante -

seus sonhos.

E uma mulher não vive
todos os dias com olhos fechados.

É preciso um cisco,
uma lágrima que lave.

2 comentários:

chagas disse...

E um dia, poeta, elas abrem os olhos e descobrem a crueldade do tempo, o que ele fez com nossos rostos, a nossa voz ficando rouca, o sorriso mais escasso.
É que nem diz aquela música: "o tempo não tem compaixão".

Passa que nem um sopro.

Abraço.

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

E o sopro se encontrava no final do poema. No cisco que tanto a lágrima lava quanto o sopro retira. Domingos verseja apanhando pérolas no interior da ostra: seu cheiro de gaveta aberta. Eis algo muito próximo de poesia não como ritmo, canto, métrica ou rima, mas um outro lugar da poesia: as coisas impossíveis de serem ditas gramaticalmente, sendo ditas. E mais, o sopro de tanto tempo viver com ela até quase a propriedade e no entanto algo como a palavra alma (sopro) lhe diz tire-lhe os ciscos do olhos. Cuidar do amor é a tradução para amor.