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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Discurso de José Sarney manipula dados

Por Leandro Colon, de O Estado de S. Paulo

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), tentou confundir os senadores no seu discurso ontem em plenário. Durante os 48 minutos em que apresentou sua defesa para as denúncias contra ele no Conselho de Ética, cometeu uma série de deslizes.

Num jogo de palavras, misturou duas investigações da Polícia Federal para insinuar que as gravações divulgadas pelo Estado no dia 22 de julho - em que ele negocia a nomeação do namorado da neta - poderiam ter sido montadas. Os áudios publicados no jornal são autênticos, do começo ao fim de cada telefonema, sem edição, e a voz de Sarney é real.

Na conversa, Sarney fala com o filho Fernando Sarney sobre a nomeação de Henrique Dias Bernardes - então namorado de Maria Beatriz Sarney - e diz que vai discutir o assunto com o ex-diretor Agaciel Maia.

As gravações, feitas pela Polícia Federal com autorização da Justiça, fazem parte da Operação Boi Barrica, em que a PF investiga o filho do presidente do Senado. Em seu discurso ontem, Sarney admitiu que era sua a voz nas gravações. Ele argumentou que os áudios não poderiam ser divulgados porque envolviam um senador, que tem foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF). “Trata-se de conversas coloquiais entre familiares”, disse.

Logo depois, começou a falar de uma suposta montagem, sem, porém, explicar imediatamente do que se tratava. “Agora, quero mostrar aos senhores os métodos que foram adotados. Não encontrando nada contra mim, então, faltando, acho, notícia, querendo generalizar, os senhores vão ficar pasmados: fraudaram a fita que distribuíram aos jornais e incluíram o meu nome com a voz de uma outra pessoa”, afirmou.

Somente depois Sarney explicou que se referia à Operação Navalha, realizada em 2007 pela PF para desmontar um esquema de fraudes em licitações. Essa investigação envolveu o empresário Zuleido Veras - dono da Gautama - suspeito de ligação com a família Sarney. Segundo o senador, um áudio - que o Estado jamais divulgou - teria sido montado. Numa gravação em que Zuleido teria dito que iria à casa de Sarney, a voz não seria do empresário, mas de outra pessoa.

Abaixo, o que diz Sarney (em vermelho) e os fatos:

Agüentei 12 mil greves, sem que nunca tivesse pedido um dia de prontidão militar, e crescemos, àquele tempo, a números que até hoje não se repetiram. Criamos uma sociedade democrática que, num sistema de capilaridade, penetrava em todas as camadas”.
Em 1988, quando os metalúrgicos de Volta Redonda (RJ) entraram em greve e ocuparam a Companhia Siderúrgica Nacional, o então presidente Sarney enviou o Exército para reprimi-los. No conflito, três jovens operários foram mortos e 31 saíram feridos
Em seguida, veio a denúncia dos atos secretos. Eu acho que ninguém aqui nesta Casa sabia ou podia pensar que existisse ato secreto. Acho que é necessário esclarecer primeiro ao povo brasileiro o que se chama ato secreto.”
Sarney anulou os atos secretos num primeiro momento.
“A Constituição diz, no art.37, que a Administração Pública Direta e Indireta de qualquer dos Poderes deve obedecer aos princípios da publicidade, da moralidade e da eficiência. Assim, esses atos, a meu ver, tinham uma nulidade essencial. Por isso, eu, pelo Ato 294, de 14 de julho de 2009, anulei todos eles”.
Esta semana, o Senado anunciou que abrirá um processo para cada funcionário nomeado por ato secreto. Enquanto isso, esses funcionários seguirão trabalhando.

"Quadro número um: João Fernando Sarney. Aqui no Senado - todos nós sabemos -, não se nomeia para o gabinete quem não for requisitado para nomear pelo Senador; e ele foi feito. Está aqui a requisição ao Diretor-Geral, do Senador Epitácio Cafeteira, que já teve a oportunidade de confessar que não me disse que tinha nomeado”.

Cafeteira confessou que nomeou João Fernando a pedido de Fernando Sarney, filho do senador.
“Segundo nome: Vera Portela Macieira Borges. Realmente, é sobrinha, por afinidade, minha. Eu requisitei do Ministério da Agricultura para a Presidência e pedi ao Senador Delcídio que a colocasse no gabinete em Mato Grosso, porque ela tinha se casado, e assim ela continuava trabalhando, não me julgando que nisso houvesse qualquer falha ou qualquer”…
Nomeada em 2003, Vera Macieira já vivia em Mato Grosso naquele ano. Ela não se mudou para o Estado na época da nomeação.
“Isabella Murad Cabral Alves dos Santos - Também não é minha parenta. Foi nomeada pelo Senador Cafeteira, que, segundo me afirmou, foi a pedido do Sr. Eduardo Lago, que é primo do
Governador do Maranhão, que era meu adversário, e não por mim”.
Sarney não disse, mas Isabella Murad é sobrinha de seu genro, Jorge Murad. Ele apontou o parentesco do empresário Eduardo Lago com adversários seus na política maranhense. Lago, entretanto, é ligado à família Sarney. A Polícia Federal investiga depósitos feitos por ele, às vésperas da campanha eleitoral de 2006, em contas controladas pelo filho de Sarney, Fernando.
“Luiz Cantuária, também não sei quem é Luiz Cantuária”.
É político do Amapá, ligado a Sarney. Foi nomeado para vaga no Conselho Editorial, que Sarney preside.
“Rodrigo Cruz, também não sei quem é. Incluíram como se fosse nomeado por mim”.
Sarney foi padrinho de casamento de Rodrigo Cruz no dia 10 de junho. Rodrigo se casou com a filha de Agaciel Maia, Mayanna. Ele trabalhou dois anos no Senado por meio de ato secreto.
“Perdão, eu pulei Ivan Sarney. Ivan Sarney trabalhou aqui dois anos. Em 2003, 2004 e 2005, no gabinete do Senador. Ivan Sarney trabalhou aqui dois anos - em 2003 ou 2004, não me lembro, 2005 -, no gabinete do Senador João Alberto, que não é mais nem um gabinete, e é incluído aqui como se estivesse na lista entre a minha maneira de fazer nepotismo dentro da Casa”.
Ivan Sarney é irmão de José Sarney. E o ex-senador João Alberto é aliado de primeira hora dos Sarney na política maranhense. Hoje, é o vice de Roseana.
“Outra denúncia que fizeram é que meu neto tinha sido privilegiado com agenciamento de créditos consignados de forma fraudulenta. Meu neto nunca teve nenhuma relação com o Senado”.
O próprio neto de Sarney, José Adriano, admitiu ao ‘Estado’ que operava no Senado, que era, nas palavras dele, o ‘carro-chefe’ de sua empresa. A Sarcris representava o banco HSBC
“Tratou-se também da Fundação Sarney, acusando-me de nela ter funções administrativas e ter negado isto desta tribuna”.
Como presidente vitalício, posto que lhe é conferido pelo estatuto da fundação, Sarney tem responsabilidades sobre a entidade. A Fundação José Sarney desviou dinheiro recebido da Petrobrás para empresas fantasmas e para empresas da família Sarney.
“Não há nelas qualquer palavra minha, mesmo nessa gravação, em relação à nomeação por ato secreto. É claro que não existe o pedido de uma neta; se pudermos ajudar legalmente, qualquer um de nós não deixa de ajudar”.
Sarney se referia, especificamente, a gravação feita durante a Operação Navalha, que investigou o empreiteiro Zuleiro Veras, dono da construtora Gautama. No discurso, tentou generalizar a suspeita. Não há nenhum questionamento sobre as gravações em que ele se refere à contratação do namorado da neta, feitas em outra operação
“Agora, quero mostrar aos senhores os métodos que foram adotados. Não encontrando nada contra mim, então faltando - acho - notícia, querendo generalizar - os senhores vão ficar pasmados - fraudaram a fita que distribuíram aos jornais e incluíram o meu nome com a voz de uma outra pessoa”.
O senador não usa o termo ato secreto. Mas foi por ato secreto que, depois de seu empenho pessoal, o namorado da neta foi nomeado.

7 comentários:

Armando Rafael disse...

E ainda tem idiota que finge acreditar nas mentiras desse corrupto do Maranhão...
Até onde vai a vilania dos homens! Melhor dizendo dos homúnculos.

Carlos Rafael Dias disse...

Não são apenas os idiotas e os ingênuos que acreditam ou fingem acreditar em mentiras.

Piores são os oportunistas de plantão, que passam por cima de tudo e de todos para preservarem seus interesses, ideológicos ou materiais.

Como não tem justificativa para o injustificável, apelam para o argumento de que todos os políticos são corruptos.

Portanto, um erro tentando justificar outro.

jflavio disse...

Sarney não é pior nem melhor do que qualquer um de nós. É apenas o reflexo nosso no espelho. Quem o elegeu? Existe eleição sem compra de voto? Existem corruptos sem corruptores? Po que ele continuará a ser eleito quantas vezes quiser? O problema não é o Sarney mas o povo que o elege e que é corrupto como ele. Nenhuma instituição nesse país suporta uma CPI, nenhuma: pública, privada, religiosa, filantrópica ! O mesmo cidadão que se indigna com a corrupção no senado suborna o guarda na esquina; compra recibo para abater o imposto de renda; compra nota fria; pede o empregunho ao prefeito apra o filho em troca de apoio; bota o gato na energia e o jacaré no hidrômetro. Basta dá qualquer um cargo a um brasileiro e se repetirá invariavelmente o que acontece no Senado: desvios, favorecimentos, nepotismo, notas frias, fraudes... O Sarney é nossa imagem refletida no espelho, queiramos ou não!

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Caros Armando, Carlos e Zé: acho que estamos chegando perto de uma constatação. Forma-se um perfil ainda difuso de que as ações de investigação no parlamento (CPI, Comissões etc.) quando prática de rotina se torna isso que estamos vendo. Se podemos ajuizar o Sarney, igualmente se pode o filho de ACM, o Artur Virgílio, o Demóstenes Torres, o Tião Vianna, o Suplicy e assim se vai adiante. Mas como uma instância de auto-julgamento poderá dar cabo de tanta coisa? Não pode e a corporação se preserva. Então o que resta mesmo é fixar o perfil do aceitável e no não aceito. Exigir práticas de transparência e o debate mudar lentamente a cultura brasileira. Pelo menos que esta exuberância de práticas demonstrada recentemente no Senado e na Câmara sirva que a sociedade não se veja interrompida com a farsa do auto-julgamento.

Carlos Rafael Dias disse...

O povo é o culpado. Eis a síntese explicativa, dialética, fenomelógica hegeliana, para explicar, justificar e legitimar a crise.

Nós somos o culpado por que elegemos Sarney, Renan, Collor e Jader Barbalho (este último, uma carta já fora do baralho).

Quem mandou, nós, acreditarmos ou duvidarmos da democracia, da propaganda, dessa tal de ideologia do poder e no "marquetingui"?

Lembro, pois, de um roquinho que ouvíamos na década de 80, do Ultraje a Rigor:

Inútil, a gente somos inútil
A gente não sabemos escovar os dentes
A gente não sabemos votar pra presidente
Inútil...

E viva Sarney, Collor e Renan (os gênios da raça)!

Carlos Rafael Dias disse...

ERRATA

Onde estar escrito "fenomelógica", leia-se "fenomenológica".

jflavio disse...

O diabo é que a constatação do Rafael é a mais pura verdade. No frigir do ovos fomos nós que os colocamos lá e demos um cheque assinado em branco para que eles preenchessem os valores. Descontado o cheque postamo-nos a reclamar que eles são ladrões e estelionatários. Basta dar uma olhadinha nos contendores: Arthur Virgílio, Renan Calheiros, Tasso, Collor... todos perfeitamente eleitos com votação expressiva e pior aposto como serão reeleitos se assim o desejarem... Nós somos exatamente aquilo que lá está!