Ainda hoje em pleno século XXI recebemos todos os dias notícias sobre a escravização de seres humanos, inclusive no Brasil. Pela legislação brasileira é crime escravizar um ser humano. O artigo 149 do Código Penal estabelece o crime para quem submete uma pessoa à condição análoga a de escravo. A escravidão é uma instituição presente na história da humanidade desde os seus primórdios. Mas é preciso esclarecer algumas questões que a envolvem. Não se deve confundir o escravismo com a escravidão e muito menos com o escravo. Confusão frequente inclusive entre alguns professores de História. Ainda mais quando vemos o tratamento a que muitos trabalhadores são submetidos em nosso país, seja no campo ou nas cidades.
O Escravismo é o modo de produção em que os meios de produção - a terra, os instrumentos de trabalho - e os produtores diretos - os trabalhadores - são monopólio de uma classe social de não-trabalhadores, os senhores de escravos. Um pressuposto para esse modo de produção é a existência de um mercado de escravos, pois o mecanismo de auto-reprodução natural era ineficiente. Em outras palavras, o Escravismo matava seus agentes produtivos - os escravos, de forma que esses trabalhadores não conseguiam reproduzir-se de forma "eficiente" para os seus senhores. Nos dias atuais, a classe trabalhadora consegue se reproduzir e todos os anos vemos milhares de jovens oferecendo-se no "mercado de trabalho". É, as chances da juventude são definidas pelo "mercado"...
Mas voltando ao Escravismo, a produção depende então do trabalhador escravizado, reduzido à relação de escravidão. A relação social de produção predominante é a escravidão. Jacob Gorender apresenta de forma clara e concisa, suas características: A escravidão completa se apresenta com a propriedade, a perpetuidade e a propriedade. "Às vezes, a escravidão se apresenta como escravidão incompleta. Não há por que seguir rigidamente conceitos definitórios, quando, na vida real, suas concretizações manifestam ausência de traços e e variações aproximativas¹." Foi o caso do Brasil quando da aprovação da Lei do Ventre Livre em 1871. A partir dali, pelo menos do ponto de vista formal, cessava a transmissão hereditária da condição de escravo. A escravidão então se tornava incompleta.
A escravidão então é uma relação entre duas partes. O senhor de escravos e o escravo. Ela ocorre como relação predominante e indispensável no Escravismo, mas também ocorre em outros modos de produção tais como o M.D.P. Capitalista, o M.D.P. Asiático e o M.D.P. Feudal. No Escravismo é a relação social decisiva. Tanto que para ocorrer a expansão da produção, havia a necessidade de anexação do trabalho humano, que se dava mediante a coerção violenta. Era uma das formas de obtenção de trabalhadores, o que hoje chamamos "mão-de-obra".
Mas a escravidão não era apenas uma relação social de produção. Em um sentido lato, não apresentava características produtivas, como no caso dos escravos domésticos ou dos servi caeseri, do Império Romano. Os senhores de escravos muitas vezes tinham orgulho em possuir um plantel. Eis a fala de um escravocrata brasileiro, Luiz Peixoto de Lacerda Werneck: "O escravo não é só um agente de trabalho e de produção. É preciso desconhecer o coração humano para assim pensar; o escravo é um objeto do luxo, um meio de satisfazer certas vaidades e certos vícios da natureza do homem. Assim como a propriedade territorial tem certos atrativos, assim também o escravo oferece ao senhor um certo gozo de domínio e império, que está no coração humano, não sabemos se bem ou mal."²
Os senhores de escravos sempre se preocuparam com o controle sobre seus trabalhadores. Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, o 2º Barão de Pati do Alferes, se pronunciou sobre a necessidade de se controlar os escravos. No seu livro, Memória sobre a fundação de huma fazenda na província do Rio de Janeiro, o Barão defendeu a idéia que: "O escravo deve ter domingo e dia santo, ouvir missa se a houver na fazenda, saber a doutrina cristã, confessar-se anualmente: é isto um freio que os sujeita, muito principalmente se o confessor sabe cumprir o seu dever e os exorta a terem moralidade, bons costumes e obediência cega a seus senhores e a quem os governa.(...) Nem se diga que o preto é sempre inimigo do senhor; isto só sucede com os dois extremos: demasiada severidade, ou frouxidão excessiva, porque esta torna-os iracíveis ao menor excesso de um senhor frouxo, e aquela toca-os à desesperação.(...) O negro deve ser castigado quando comete crime: o castigo deve ser proporcional ao delito: ele que apanha, não se esquece e corrige-se com esta pontualidade. Fazei pois justiça reta e imparcial ao vosso escravo, que ele, apesar de sua brutalidade, não deixará de reconhecer.³"
Eis aí algumas recomendações daquele nobre, algumas poderiam fazer parte do discurso de alguns ideólogos do conservadorismo brasileiro nos dias atuais, ou de alguma representação patronal. A classe trabalhadora ainda tem muito o que conquistar em nosso país. Em outro momento abordaremos o "ser escravo", também muitas vezes incompreendido pelos que estudam a questão.
Referências:
1 - GORENDER, Jacob. A Escravidão Reabilitada. São Paulo: Ática, 1991,p.85.
2- CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975, p. 15-16.
3- WERNECK, Francisco Peixoto de Lacerda. Memória sobre a fundação de huma fazenda na província do Rio de Janeiro, p. 37.
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