TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Tragado

Amei a Poesia
desvairado
desde o comecinho
quando o caldo
ainda era fino
insosso
só água.

Não troquei a alma por moedas
nem por honradez.

Muitas vezes
trancafiado no quarto
dentro do guarda-roupa
subi ao cadafalso
armei a corda

mas sempre uma bala perdida
esbagaçava meus miolos.

Morto era mais forte
meu abraço de urso
minha mordida
meus uivos.

Agora sem muletas
sem envergadura de asas
reina o milagroso silêncio:

a ferida aberta
o mertiolate que não arde mais
a compressa de gaze
que continua a arrancar a pele.

Amei a Poesia
iluminado
os olhos de fogo
a boca cheia de sapinhos
enquanto o mundo zombava
dos meus ovinhos murchos
das minhas lágrimas transparentes

muitas vezes
mergulhado no odre de vinho
perdia o fio da meada
deixava o balão atravessar a montanha

mas sempre uma bala perdida
estourava meus pulmões

e sem oxigênio
sufocado com o próprio vômito

pensava nos mitos
que viraram cinzas
outros criaram raízes.

Agora sem máscaras
as faces apáticas

o que sei é que as janelas
nunca se fecham

confundem-se as nuvens
dentro do lar

na varanda
no banheiro

...

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