TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Em briga de pedra...


Ínvias e tortuosas as veredas do coração. Pascal já se adiantara sobre a relatividade do bom senso e da razão quando diante da imprevisibilidade do sentimento. Entre a sístole e a diástole coexiste todo um universo de percepções desfocadas, como se a realidade sofresse um fenômeno de refração. Talvez tenha sido uma dessas pegadinhas do evolucionismo a cegueira temporária, a loucura transitória, a lombra pontual causadas pelos enlevos da paixão. Defeitos terríveis tornam-se invisíveis, feiúras aterradoras se banham de uma beleza inexplicável , burrices se travestem de ares de inteligência e até a liseira ganha ares de charme e desprendimento. Tentar acordar alguém encantado pelas setas do Cupido é tarefa inglória e perigosa, como se buscássemos despertar a pessoa de um sonho dourado e encantador. Vá lá que é sonho, mas quem diabos prefere a chatice da vigília de todas as horas? Pois aqui vou contar algumas dessas histórias de quem mete os pés pelas mãos e chega carregado de bom senso no terreno pantanoso dos sentimentos, querendo sacolejar e despertar amantes do seu doce e inebriante lombra.
Anos atrás, um querido tio, olhava atravessado para o namoro de um primo. O rapaz se enrabichara de uma coroa meio fuçada e pobre e que ainda carregava do lado o pai velho e cego. O namoro já se arrastava por quase uma década e se prenunciava acabar da pior maneira possível : no altar. Bem, um belo dia correu a notícia que tinham terminado tudo, depois de uma briga de somenos importância. Meu tio se apressou em procurar o primo e abraçá-lo, cumprimentando-o pelo desenlace.
---Parabéns! Finalmente você se livrou daquela coroa enfadada e lisa e , pior, falada na praça , mais rodada que o carrossel do Parque Maia. Não bastasse isso, levava ainda do lado um velho pobre e cego.
Dias depois, para sua surpresa, passa o casal abraçado, do outro lado da calçada. O tio, surpreso, pergunta aos amigos: Oxente, eles voltaram o namoro? Qual não foi o desespero quando ouviu deles a verdade impactante : --- Não , casaram ontem! E aí, como tomar chegada agora , depois das admoestações inconseqüentes?
Outra. Zé Barbosa era casado com Minervina há já uns trinta anos. Trabalhava como um touro no roçado e, como ninguém é de ferro, era chegado a uma caninha nas horas vagas. Num desses dias de feira em Matozinho, voltou a casa mais cheio dos paus que caixa de fósforo. Recolheu-se ao quarto com Minervina e , bêbado como uma cabaça, começou a atacar a esposa, todo infuluído como um garanhão no cio. Minervina o refutava certa do trabalho que teria em realizar o milagre do levantamento de membro anestesiado. Sai Zé! me deixa Zé! O diabo é que casa de pobre não tem lá toda esta privacidade. Paredes baixas e a meio pau, portas finas e semi-abertas. Na sala ao lado, o filho adolescente do casal, Laurentino, ouvia toda a pendenga e começou a se inquietar com o assédio despudorado de Barbosa à sua santa mãezinha. Lá pras tantas, em meio ao “Chega Miné!, Vem cá Minèzinha!” , ele não se agüentou e gritou a todos pulmões:
--- Ei pai, pára com isso ! O Senhor ta querendo é ofender mãe? É , seu tarado?
Laurentino, metia o bedelho em matéria melindrosa. Nem imaginou que estava tentando apagar o fogo que um dia tinha acendido a chama da sua vida.
E , para terminar, vou mandar uma outra história sobre a perigosa arte de meter a colher na sopa quente que envolve homem-mulher. Nos arredores de Matozinho morava Agripino , numa pequena fazenda da sua propriedade. Dessas em que , ano a ano, as roças são tão pequenas que anum atravessa de um só vôo. Casado já quase em bodas de ouro com D. Quitéria, tiveram uma récua de filhos que foram ganhando o mundo e , agora, só restava Isabel com eles, a caçula. A mocinha vinha namorando há uns três anos com Jaime, um gari, funcionário da prefeitura. Agripino começou a se inquietar com o comprimento do namoro e, um dia, colocou o genro na parede, no famoso “é-pra-casar-ou-pra que-é”. Jaime explicou que tinha a melhor das intenções, mas que ainda estava construindo a casinha de morada e , por isso mesmo, ainda não a levara ao altar. O velho, então, do alto da sua experiência, fechou o firo. Ele poderia muito bem marcar o casamento e vir morar, por enquanto, com ele e Quitéria, já que a casa tinha mais de um quarto vazio. Seria até bom para eles que assim teriam alguma companhia por mais algum tempo. As intenções de Jaime para Isabel , de fato, eram as melhores, tanto que o noivo aceitou de bom grado o convite e, dois meses depois, subiram ao altar. Terminada a festinha, Jaime e Isabel se recolheram para a esperada noite de núpcias que naquele tempo ( vejam que coisa mais esquisita) acontecia depois do casamento. Existe coisa mais retrô ? Pois bem, passados alguns minutos, os gemidos de Isabel começaram a ecoar mais forte e se faziam totalmente audíveis através das meias paredes dos quartos. Agripino e Quitéria tentaram conciliar o sono, mas como? Era um ai-ui-ui danado vindo do quarto ao lado , parecia que a lua de mel era de um casal de gatos em cima do telhado. O pai, então, ciente que não conseguiria dormir, resolveu utilizar sua autoridade e acabar, de vez, com a histeria da filha. Levantou-se, dirigiu-se até a porta do quarto ao lado e falou grosso para Isabel:
--- Menina! Que latonia miserável é essa! Se não podia com o pote pra que pegou na rodilha! Acabe com essa besteira, esse ui-ui-ui e resolva logo isso de vez, Zabé!
Lá de dentro, em meio aos soluços e as lágrimas , ouviu uma voz baixinha e chorosa:
--- É... de longe é fácil... num é no cu de pai...!
Como bem dizia D. Quitéria, no dia seguinte, comentando a sinuca de bico de Agripino: Em briga de pedra, garrafa não entra !




J. Flávio Vieira

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