TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Macumba

Certa noite
Painho me disse
após beijar-me a cabeça
que era injusta minha peleja:

"Como pode um pobre mortal
contra as façanhas de uma entidade?"

Painho apiedou-se da minha alma
trêmulo, ofegante
sussurrou aos meus ouvidos:

"A partir de agora teu sofrimento
é a lâmina do meu punhal,
ouro dos meus dentes ..."

Sei que depois daquele sonho
nunca mais acordei ansioso

com a boca espumando
e o coração apertado.

Painho também me dissera
que logo voltaria a ser feliz
do meu jeito:

taciturno,
fora do plano celestial.

E que jamais o vinho
roubaria meus segredos:

cascos de bode,
asas de borboleta,

escamas de peixe,
veludo de urso,

presas de javali,
ventre de tubarão.

De fato,
faz tempo
que não abro
uma garrafa
em alto mar.

Todas enterradas na areia,
após um olhar discreto
dos orixás.

Quanto aos meus segredos:
é difícil guardar um poema
do úmido silêncio das paredes.

7 comentários:

LUIZ CARLOS SALATIEL disse...

É bom demais ler um poema do Domingos numa tardinha de segunda-feira!

LUIZ CARLOS SALATIEL disse...

É bom demais ler um poema do Domingos numa tardinha de segunda-feira!

Domingos Barroso disse...

Um forte abraço,
Salatiel

e que as segundas
venham complacentes
e infernais!

Carlos Rafael Dias disse...

Beleza, Poeta!
Quando os sonhos tem força real.

Domingos Barroso disse...

Rafael,
os sonhos
são as migalhas
que eu pombo velho faminto
bico até os calcanhares das estátuas
a fim de mais milho, mais migalhas, mais sonhos...

Um forte abraço.

Marta F. disse...

Um belo poema elogiável. Um final maravilhoso, a destreza com as palavras, com o que dizer, na verdade. Beijo, desejando mais ventos fertilizantes.

Domingos Barroso disse...

Marta F.,
beito-te carinhosamente
é que brisas fecundas te atinjam...