TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Patrícia Rehder Galvão - primeira parte - por José do Vale Pinheiro Feitosa

Antes de iniciar gostaria de apontar três coisas:

a) Dedico estas duas postagens ao Carlos Rafael que, talvez há mais de um ano, trouxe o assunto da Pagu para os blogs da região.

b) O material foi compilado na internet, especialmente frases e detalhes da vida desta mulher extraordinária, mas acrescentei alguns traços da minha própria observação.

c) Nos início dos anos 80 existiu uma publicação da Editora Abril chamada Nosso Século e foi lá que vi pela primeira vez a contrastante vida de Pagu, por meio de duas fotos: a beleza singular numa e na outra o seu corpo ferido pela tortura. Aquele abismo deixou-me apaixonado por esta mulher.




- Era uma menina forte e bonita, que andava sempre muito extravagantemente maquiada, com uma maquiagem amarelo-escura, meio cor de queijo palmira, e pintava os lábios de quase roxo, tinha um cabelo comprido, assim pelos ombros, e andava com o cabelo sempre desgrenhado e com grandes argolas na orelha. Passava sempre lá pela faculdade, de uniforme de normalista. E os estudantes buliam muito com ela, diziam muita gracinha pra ela (...) faziam muita piada e ela respondia à altura, porque não tinha papas na língua para responder.

Assim era Patrícia Rehder Galvão, a famosa Pagu, que se casou com Oswald de Andrade, após este ter se separado de Tarsila do Amaral. Poucas mulheres rebeldes dos anos 70 chegaram próximo do que Pagu aprontou. Isso ainda no início da década de 20 numa São Paulo provinciana. Com doze anos de idade ela já circulava pelos eventos da Semana de Arte Moderna de 22 e mais do que uma estética Pagu era a modernidade encarnada numa pessoa. Já naquela altura era famosa na juventude da capital, desde os alunos da Escola Normal onde estudava até os acadêmicos da Escola de Direito do Largo de São Francisco. O amigo Alfredo Mesquita diz dela: fugas, pulando janelas e muros da escola, cabelos cortados e eriçados, blusas transparentes de decotes arrojados, cigarros fumados em plena rua. Escândalos, para a época.

Com 18 anos participa do movimento da Antropofagia e recebe o apelido que marcou sua história de Raul Bopp. Raul, ao lhe apelidar, confundiu-se ao pensar que o nome dela fosse Patrícia Goulart, e depois lhe fez um poema, mostrando os sentimentos que despertava nos homens: “Pagú tem uns olhos moles /uns olhos de fazer doer./ bate-coco quando passa./ Coração pega a bater./ / Eh Pagú eh! / Dói porque é bom de fazer doer (...)” Pagu era uma colegial belíssima que atraiu a atenção do casal Oswald e Tarsila. Ela ousada, excêntrica no vestir-se e pintar-se e foi tratada pelo casal como uma boneca de enfeite: vestiam-na, calçavam-na, penteavam-na, até que se tornasse uma santa flutuando sobre as nuvens – palavras de Flávio de Carvalho.

Quando o movimento se radicaliza com a Revista da Antropofagia, muitos saem, inclusive Mario de Andrade, Pagu é uma das colaboradoras, fazendo desenhos, participando de recitais e sendo muito admirada pela Tarsila. Pagu já famosa no mundo literário e do teatro. Em 1929 começa um romance com o próprio Oswald e vai para o Rio de Janeiro para a primeira exposição individual de Tarsila do Amaral. Vai junto com Anita Mafalti, o pintor Oswaldo Belisário e Oswald. No Rio de Janeiro numa entrevista para o jornal diz coisa que têm muito com aquele espírito antropofágico, que misturava a cultura exterior ao interior brasileiro: - Que é que você pensa, Pagú, da antropofagia?- Eu não penso: eu gosto. / - Tem algum livro a publicar?- Tenho: a não publicar: os “60 poemas censurados” que eu dediquei ao Dr. Fenolino Amado, diretor da censura cinematográfica. E o Álbum de Pagú – vida paixão e morte – em mãos de Tarsila, que é quem toma conta dele. As ilustrações dos poemas são também feitas por mim./ - Quais as suas admirações? - Tarsila, Padre Cícero, Lampeão e Oswald. Com Tarsila fico romântica. Dou por ela a última gota do meu sangue. Como artista só admiro a superioridade dela. / Informações: - Pagú é a criatura mais bonita do mundo – depois de Tarsila, diz ela. Olhos verdes. Cabelos castanhos. 18 anos. E uma voz que só mesmo a gente ouvindo. – Entrevista a Clóvis de Gusmão.

Pagu fica grávida de Oswald e ambos arrumam uma farsa para controlar a situação. Ela se casa com o pintor Oswaldo Belisário de aparência, seguem em lua de mel para Santos, mas na metade do caminho troca de assento com Oswald de Andrade e retorna a São Paulo. Tudo é descoberto, o casamento com o pintor é anulado em 1930 e ambos se casam na frente do jazigo da família do escritor. A reação da conservadora cidade de São Paulo é rápida, especialmente por que atinge um ícone da cultura que é a Tarsila. Ao mesmo tempo a situação financeira de Oswald se complica com a quebradeira de 1930 e eles se refugiam numa ilha no litoral de Santos.

Nasce o filho Rudá que na prática fica aos cuidados do filho mais velho de Oswald. Este vai gastando o seu patrimônio e o do próprio filho esperando que a qualquer momento houvesse a revolução socialista. No início de 31 Pagu vai a Buenos Aires para um festival de poesia e lá conhece Luis Carlos Prestes. Fica impressionada com as idéias revolucionárias e quando volta ao Brasil se filia e puxa Oswald também para as fileiras do Partido Comunista.

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