Arte para quem?
Em um tempo em que a morte, a finitude, o efêmero, o genérico, o clone, o superficial e toda sorte de de – descartáveis são cultuados pela tábua rasa da massificação, legitimados por um intenso processo de aceleramento da informação e do aniquilamento do espaço, tornou-se comum demais a discussão sobre a validade da obra de arte, bem como a busca pelos verdadeiros signos que cercam a criação e a interpretação do objeto artístico. Vez por outra isso acontece nesse próprio blog, tão repleto de textos e tão vazio de comentários.
Em um tempo de extermínio de fronteiras e constantes aproximações e distanciamentos do outro, através de um jogo perverso de interesses e de trocas simbólicas oportunistas, também vistas disfarçadamente nesse blog, eis que me deparo com uma obra singela e providencial, capaz de quebrar a aparência de cultura inútil, para jogar luz clara e brilhosa sobre o eterno motivo artístico da criação e da interpretação da obra de arte, nesse caso, mais precisamente sobre o fazer literário, suas abrangências, utilidades e interações sociais. Trata-se do livro Interpretação e Superinterpretação, de Umberto Eco, relançado pela Martins Fontes.
Esse livro traz a transcrição de algumas conferências de Eco e de outros autores sobre os problemas da crítica literária e da interpretação de textos, proferidas no Seminário Tanner, em 1990, em Cambridge University. O que parece ser pomposo não é. O que parece ser científico também não é. É claro que algumas teorias são expostas, através da semiótica, do neo-pragmatismo, da história palimpsesta, do estruturalismo e do desconstrucionismo, mas nada que seja pesado ou que tenha a intenção da cretina carteirada de títulos ou postulações inócuas para a explicação científica do óbvio. Mas o legal não está aí, de fato, o grande lance desse livro está nas arestas, nas ventilações, nos rascunhos sobre o que de fato é a arte hoje.
O que me estimulou a fazer esse breve comentário foi a pertinência daquelas entrelinhas, que se façam lidas por você também, sem nenhuma contra-indicação ou efeito colateral à sua saúde cultural de navegante. Sendo assim, eu defendo a opinião de que nem tudo o que se quer arte é artístico, partindo do pressuposto que a arte só é viva enquanto objeto a partir do ponto de vista do sujeito, do seu conhecimento de mundo e das suas interações com a realidade. Acredito que suas interpretações e projeções conceituais diante de um produto artístico nasçam daí, mas sem que esse fenômeno possa realmente criar parâmetros que induzam a juízos de valores, impondo a tradução da supremacia de um fazer artístico sobre outro.
Não acredito que a arte popular, por si só, tenha mais valor do que a arte erudita, ou vice-versa. Muito menos acredito que os números do mercado cultural possam validar ou invalidar qualquer estética. Portanto, é provável que para alguém, aquele canto pleural entoado num reisado não tenha nenhum significado atávico, seja apenas um exemplo de limitações artísticas. Da mesma forma, para aquele outro refletido nos espelhos do figurino do reisado, os ruídos, chiados e intervenções da música pós-moderna – se é que isso existe-, sejam apenas pose e afetação do poder. O que deveras é óbvio é que existem mais coisas entre os signos e os significados, do que possa imaginar nossa vã artificialidade.
2 comentários:
Parabéns, Doutor Leonel!
Estava sentindo falta de algum texto que abordasse esse aspecto, que sempre nos inquieta. Valeu toda a espera. Se comparássemos os escritores a soldados, você seria um atirador de elite. Demora pra atirar, mas quando atira, o tiro é certeiro e fatal.
Abração,
Dihelson Mendonça
Vlw, maestro, grande abraço.
Esse é um assunto cheio de dogmas e posições radicais a respeito. Vez por outra eu vejo esse tema em pauta no blog, muitas vezes de forma sectária.
Fique atento que o próximo disco a ser resenhado no blog peduvido é o seu. Agora que estou de férias poderei fazer todas as resenhas agendadas. Gostaria de saber como posso adicionar uma janela para audição de música em meu blog.
abraços
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