TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Nas situações-limite - Emerson Monteiro

O primordial não é o limite das situações, mas quem escapará delas, que apresentem por mérito o talento de vencer quando atravessar a correnteza dos extremos, através dos mares da dor, da dúvida, da solidão, etc.
A tudo o que existe corresponde um resultado de ordem prática, real, aquilo em forma de produto ligado às origens, resultante do objetivo que lhe deu início, à primeira vontade, levado ao seu fim derradeiro, nessa empresa chamada vida, existência, ou missão. Não importam as circunstâncias e seus variados matizes, pois, chegado ao final, isso também ficará para trás.
O que pesa, no entanto, vem no jeito de encarar os limites, casamento feito do hífen na palavra (situações-limite), nos moldes de uma ponte resistente. Os demais fatores valem por detalhes ocasionais de menor importância, companheiros de meio de viagem, frieza que se torna fundamental só no trato das circunstâncias, na vala comum das ocorrências.
Assim como o verbo ser representa estado de permanência, as situações fazem ligação do que se acha antes com o que virá depois, do ser que define o circunstancial das situações, ligando-as a sujeitos que permanecem até sumir nas curvas da estrada infinita, enquanto existe algo acontecendo conosco jamais sumirá.
O tempo marcha sempre, parado no mesmo lugar, fonte universal de um tônico invisível, imaterial, sol que a tudo purifica, fazendo e desfazendo, presença intermitente da realidade, luz no fim de todos os túneis por aonde se chegar.
O que vale é o equilíbrio entre as partes, a queda e a coisa que cai, a queda e a coisa que se levanta, para depois, de novo desaparecer e reaparecer noutras formas e oportunidades, essência daquilo que gerou, nas eras silenciosas, infinitas.
A propósito desse aparente estado de indiferença com que a natureza trabalha os seus fenômenos e das pessoas terem de cruzar de algum modo problemas extremos, ditas situações-limite, a história registra que Thomas Morus, filósofo inglês vítima de contradições religiosas na Grã Bretanha do século XVI, já enfermo, sem poder mais se movimentar com das forças pernas, ao chegar no cadafalso para ser decapitado dirigiu-se a um dos guardas que lhe acompanhavam e pediu:
- Amigo, ajuda-me a subir, que ao descer não te darei mais esse transtorno.
Quis dizer, noutras palavras, que dele apenas sobrariam retalhos de lembranças jogadas aos padrões da dignidade com que se opôs a cruéis perseguidores. Depois, então, mais nada restaria dos momentos que fogem, dentro da coerência e dos valores imortais desse chão.
Num gesto simples, contou que o tempo não passa; nós é que passamos, e, conosco, as coisas, pelo movimento provisório dos relógios e dos moinhos, iguais ao brilho das ondas de oceano imaginário, no sopro cadenciado do fole que sobra as brasas na oficina eterna do destino forjando, indivisível, o futuro.

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