As Manadas Humanas
Aonde eu estava com a cabeça, que após 6 dias de jejum da maior festa popular do Nordeste eu decidi fazer esse sacrifício de ir junto ? Pois bem. Telefonei para a "patroa": "Tá afim MESMO de ir à Expocrato?" Ela respondeu com um sorridente SIM. Sabe como são as mulheres, não perdem uma só oportunidade de ir a uma festa, por pior que seja. Eu avisei logo que não poderíamos nos atrasar muito. Nem adianta...Pra começar muito bem, passei o dia pensando se levaria minha câmera nova, valiosa, ou não. Ouvi dizer que por dia, passam cerca de 50.000 pessoas na Expocrato, e que a quantidade de bandidos, assaltantes, picaretas, trombadinhas, pilantras, vigaristas por metro quadrado aumenta bastante no sentido de assaltar os turistas distraídos que vêm para as merecidas férias do meio do ano. Então, pensando no enorme pêso que iria ter que carregar noite adentro, resolvi levar uma câmera compacta, mais leve. Até porque eu tenho tido fortes dores na coluna, e uma possível hérnia que me impede de ficar muito tempo de pé carregando pêso.
Conforme o combinado, cheguei à casa da "patroa" às 18:30. É desnecessário dizer que ela ainda não estava pronta. Mulheres nunca estão. Depois de gastar uma parte da gasolina do tanque parado em frente à residência e buzinando, irritado e irritando a vizinhança, resolvi descer para ver se a dita cuja ainda estava viva. Um olho no gato e outro no peixe, isto é, um na casa e outro no equipamento fotgráfico dentro do carro.
Ao adentrar pela casa, aquele silêncio. De súbito, avisto uma das piores cenas que um homem nunca se habitua: Sentada numa cadeira estava ela, enquanto outra colega escovava os cabelos e tagarelavam sobre 1001 bobagens.
"É só um minutinho", ela me diz."
"Mas o combinado... " - STRESS...
Meia-hora depois, o cabelo estava pronto, ao que me diz "Olha só, o cabelo ficou horrível, tudo por causa dessa sua ( minha ) pressa. Pressa, eu ??? - Foi pegar os sapatos. Mais meia-hora para escolher entre o sapato de salto alto de bico fino prateado, e o sapato ainda mais alto prateado de salto alto de bico fino prateado. Após mais de uma centena de pares testados, me pede opinião:
"É melhor esse ou esse ?"
"Pra mim, todos são bonitos, é tudo igual"
"Tá vendo que homem não sabe dar palpite ? não entende o gosto feminino...bla bla bla...você nunca me compreende, você não procura saber do que eu gosto... bla bla bla"
"Ok, então porque você me perguntou ? Escolhe qualquer um e vamos embora"
Ela escolheu então, o super-hyper-mega sapato de salto alto de bico fino prateado. Quase não conseguia caminhar. Eu falei: "Olha, para o lugar que a gente vai, é muito deselegante andar de salto alto...até a esposa do Tasso Jereissati estava lá com sapatinho baixo..." "Não interessa, eu só sei andar chique". "OK não se fala mais nisso!"
Depois de um atraso de uma hora, e um calor que me transformou numa chaleira ambulante,, depois que o perfume evaporou, conseguimos sair de casa. Apenas sair de casa, porque ainda teve de voltar mais 3 vezes porque esqueceu de por isto e aquilo, e ainda queria trocar o sapato porque achava que não estava bom.
Finalmente, dei a partida no carro, e saímos em direção à Expocrato. O primeiro engarrafamento que enfrentei foi logo próximo ao parque municipal. Centenas ou milhares de outros loucos iguais a mim tiveram a mesma idéia de ir de carro próprio para a exposição. Resultado: engarrafamentos kilométricos. Depois de muito procurar um lugar para estacionar, e após 45 minutos vagando nas ruas que dão acesso à expocrato, o motor começou a esquentar muito, ponteiro beirando a marca do vermelho. Uma catinga de cão queimado começou a se fazer sentir no carro, e o engarrafamento não andava nem pra frente, nem pra trás. Resolvi desligar para esfriar o motor: Pior ficou, porque o carro não quis pegar mais, e tive de aguentar os palavrões dos motoristas mais estressados. Quase hora e meia depois de sair de casa, estava voltando pelo mesmo lugar que fui sem achar vaga para estacionar. Resolvi parar então na Rua Dr. João Pessoa, certo dos perigos de assalto e da distância. Para as coisas ficarem melhores, assim que parei, uma parte da rua ficou às escuras, dando-nos aquele friozinho gostoso na barriga, ao que uma pessoa com um dedo muito longo me deu um cutucão nas costas. Pensei comigo "Deve ser um assalto". Era um amigo e aquelas brincadeiras mais idiotas do mundo, de cutucar a pessoa de um lado e se esconder do outro. Brincadeira sem graça à parte, fiquei com vontade de mandar o cara à merda, mas estava sem tempo pra isso. Seguimos a pé para a Expocrato, que a essa altura já não tinha mais graça nenhuma. A "patroa" e seu sapato bico fino logo começou a reclamar:
"Ande mais devagar, que eu to de salto alto, tá fazendo calos nos pés, não tá vendo?"
"Ah é, e porque você veio com essa porcaria pra exposição? Pra subir ladeira ? Tomara que atole o pé numa poça de lama lá"
"Meu filho, você não sabe o que é ser chique"
"Sei. Se for chique andar com um salto alto desses e o pé cheio de bolhas, tô fora..."
Nesse instante, a bendita sandália quebrou o rabicho.
"Tá vendo o que você fez ?"
"Eu que fiz ?"
"Sim, com essa pressa besta!"
"Ah é, eu mereço..."
Após dar uma de sapateiro em plena Miguel Limaverde enquanto os outros passaram dando risadas, fomos pela praça da sé e começamos a subir a ladeira que dá acesso à expocrato, quando 2 amigos da "patroa" a abordam e começam a conversar longamente. como se eu não existisse. Boa noite pra mim ? nem de longe. "Ah! Eu devo ser invisível"
"Mulher, como tu tá bonita! ( disse um deles ). "Quando é que nós vamos marcar pra ir lá na tua casa, criatura?" E eu pensando comigo "Que papo besta! olha só esse imbecil, tá fazendo de conta que não tá me vendo"...
Pra cortar caminho resolvi aplicar uma tática infalível: Fiquei entre os dois, dando as costas ao mão de boiola, e disse "Patroa, eu estive pensando...quando a gente chegar lá, eu quero visitar minhas primas na expocrato..." INCRÍVEL - Bom, vocês sabem, o "Bofe" tinha algum simancol e conseguimos seguir em frente. Cheguei ao parque de exposições esbaforido e me recompondo de carregar as câmeras fotográficas ladeira acima. Caminhei 10 metros e uma excelente topada no portão da entrada me deu as boas vindas à expocrato, que quase fui de cara ao chão. A patroa disse apenas "caminhe com classe, meu filho, as pessoas estão nos observando! Boa noite A, boa noite B" "Ora, que as pessoas vão para a Pu......" Nisso passa um fotógrafo meio bêbado por mim, dá aquela cutucada do lado esquerdo e se esconde no direito ( de novo ? )O mundo deve estar cheio desses idiotas, pensei". Quando já ia reclamar o cara se voltou e disse:
"Tá me reconhecendo cara?"
"Deixa eu ver...sua fisionomia não me é estranha, agora sinceramente eu não estou lembrando"
"Arri-Égua, macho, tu já elogiou minhas fotos e não me rconhece ?"
"Sim, meu amigo, ver uma foto é uma coisa. Ver o fotógrafo é outra coisa"
"Cara, mas tu é falso mesmo, hein! Tu não conhece o Sebastião Salgado, o maior fotógrafo do Brasil ?"
"Conheço sim, mas não é você"
"Então, cara, tu conhece o Sebastião Salgado e não me conhece ?"
"Olha, meu amigo, dá licença que eu tenho que ir resolver umas coisas...( e fui saindo )
O cara inda ficou lá atrás gritando: "Você é um falso, viu ? não me reconheceu"
Encontrei o amigo Wilson Bernardo e relatei o caso. Wilson, quem é aquele idiota ? Wilson disse: "Ah! Aquele cara é xarope, véio, sempre arruma confusão com quem encontra..."
Saindo desse aperreio, resolvi esfriar a cabeça e tentar pensar somente em coisas boas. Olhar a paisagem, as pessoas conhecidas. Muitos passavam e queriam atualizar a conversa de 10 anos em 10 minutos. Eu não conseguia caminhar por mais de 10 metros sem encontrar um conhecido. Já estava pensando em comprar uma máscara para me disfarçar a fim de pelo menos chegar ao outro lado. Um dizia:
"Hey, cara, cadê as minhas fotos?"
"Você pode mandar as fotos pra meu e-mail ?
"Olha, eu sou um cara meio sem tempo, o Blog já me toma um tempo..."
A essa altura, olhei pra patroa e falei: "Amiga essa sua idéia de vir pra ExpoCrato foi a coisa mais maravilhosa...Parabéns, EINSTEIN ! - No inferno se tem mais PAZ"
Encontrei até uns bons amigos, mas o som das barracas estava tão alto, aquela balbúrdia imensa, que ninguém se entendia. Percebi que estava ficando afônico e surdo de tanto gritar. A poeira era incrível, e a quantidade de bêbados esbarrando em nós, absurda! Ainda brigava com a patroa, quando sem querer enfiei o pé numa lama preta que saía por debaixo de uns currais. O odor era algo assim parecido entre merda de porco e criolina. Tentei esfregar o pé num pedaço de madeira, quando nisso chega um sujeito querendo vender à força aquelas bugigangas luminosas.
"Eu não quero, meu amigo!
"Mas o Sr. pode pagar, custa apenas 1 real"
"Eu não quero, meu amigo"
"Olha, eu faço 2 por 1 real"
"Eu não quero, meu amigo"
"Porque o Sr. tá esfregando esse seu pé aí, por acaso pisou em cocô?"
( Nisso vai passando uma antiga paixão de colégio que eu sempre fui a fim, e a infeliz ouviu apenas a última frase "Pisou em Cocô" ). Ela olha pra mim com uma carinha de riso, e eu penso cá comigo "olha, não é isso que você tá pensando..."
Afinal, consegui me livrar do vendedor e para voltar à paz, chamei a patroa para comer alguma coisa, afinal, naquela pressa de sair, nem jantamos. Chegamos a uma barraca de cachorro-quente.
"Meu amigo, esse cachorro-quente é de hoje?"
"Foi feito agora, patrão!"
"Então, quero 2 cachorros-quentes e dois refrigerantes"
Após sermos assaltados no preço, comemos e saímos. Depois de rodar mais meia-hora junto com a manada que circula em volta do picadeiro, o "famoso" cachorro-quente começou a fazer um efeito purgativo no intestino. "maldita hora, pensei eu". E agora, achar um banheiro por aqui ? Naquela pressa, a solução foi correr para um matinho que havia por ali. O pior foi perceber depois que aquela água que circulava não era água e sim, urina acumulada de muita gente que por ali já tinha passado, e meu sapatinho engraxado e já cheio de poeira, agora estava nadando em pleno rio de mijo.
Saindo da "moita", ainda levantando as calças, e sem mais papel higiênico para limpar as mãos, encontro a patroa com uma turma de amigos finos, todos bem vestidos, que me esperavam para conhecer a "celebridade" do Blog do Crato. Apertos de mãos...( Ah! mal sabem eles aonde essas mãos estavam há poucos instantes e que sufoco! ).
Depois, passando por perto da entrada dos shows, fui surpreendido por diversos vendedores de ingressos: "Vai um ingresso aí, Patrão ? É só 10 reais" "Quero não senhor! Eu não gosto desse estilo." "Mas patrão, se o Sr. quiser eu lhe vendo até de "Aviões do Forró" "Tá louco, meu amigo ? Eu quero lá essa porcaria de aviões do Forró, eu quero é que esse tal de aviões do forró pegue fogo, meu estilo é outro. Eu gosto de Jazz". Ele respondeu "Eu tenho CDs de Jazz, quer comprar ?" - Pensei comigo: Aonde esse cara foi encontrar CDs de Jazz AQUI ?????
Daqui a pouco vem o sujeito com um monte de CDs na mão:
"Eu não disse, patrão, que eu tinha CDs de Jazz, olha aqui:"
Eu olhei e tava escrito: "ZEZO - Forró do ZEZO " - Deixa pra lá...
"Patroa, o divertimento nessa expocrato é mesmo maravilhoso, mas minha hérnia está me matando, minhas costas não aguentam mais e eu quero ir pra casa"
Foi o suficiente: "O quê ? Casa ? como é que eu passo o ano inteiro intocada dentro de casa, e na única chance do ano pra me divertir você já quer voltar pra casa ? Você precisa comprar um presente pra mim! vamos ver as bijouterias". Oh meu Deus!
Depois de uma hora contada no relógio olhando bijouterias, e eu com os pés me matando sem um só lugar pra sentar, quase desmaiando, ela volta e diz:
"Não comprei nada. É tão complicado decidir! Você nem me ajuda!"
OK. OK. OK. Minha querida! Eu sei que a expocrato é a maior festa popular do nordeste, que movimenta 50 milhões todo ano, que vem gente do Brasil todo ver esta coisa, mas eu quero uma coisa simples, pode ser ? EU QUERO IR PRA CASA! NÃO AGUENTO MAIS !
Ela diz:
"Ora, deixa de ser mole, eu que to aqui com os pés cheios de bolhas não estou reclamando desse jeito..."
VAMOS EMBORA
Finalmente, após um caldo de cana com recheio de moscas, ela decidiu seguir a minha sugestão e resolvemos descer a ladeira em direção ao carro. Antes, uma parada para aliviar, e sentei numa pedra, ao que passa um amigo e diz "Eita Dihelson Paidégua, tá chegando agora né cara, não deve perder uma só noite, vamos entrar ?" - Dou meia volta e saio correndo, nem me despeço. Vamos, mulher, corra, corra..."
Na descida da ladeira a sandália da patroa quebrou de novo, desta vez sem conserto, teve de caminhar descalça pelas ruas do centro e furou o pé com um prego. Sangue...todo mundo olhando e pensando "Olha aquela mulher, deve estar muito doida...". Sorriso na cara para disfarçar. Enquanto a gente descia, uma multidão subia para os shows: meninas cheias de Vodka e levando mais nas mãos, morenos de chapeu de argentino e corrente grossa no pescoço, bêbados puxando briga, mototaxistas oferecendo corrida, taxistas desrespeitando o trânsito, baianas vendendo dor-de-barriga, guardas de trânsito impacientes, gente que sobe, gente que desce...
Enfim, chegamos ao BENDITO Carro. Quando peguei na maçaneta, um negão pulou não se sabe de onde e disse "Não é assim não, patrão..." Frio na espinha. Pois não, Senhor ? "O Patrão vai pagar pelo "estacionamento" ? "Amigo, mas que estacionamento, isso aqui é a Rua Miguel Limaverde, não tem estacionamento." "Tem sim, patrão, e custa 20 reais". "Ah é ? e se eu não pagar ?" "Patrão, é melhor o senhor me pagar tá ligado?" - Imediatamente tirei os benditos 20 reais e entreguei para o sujeito. Entrei na BELINA, acionei a ignição e nem olhei pra trás.
Ao chegar em casa, meia-noite, na Vilalta, tirei os sapatos - Pés cheios de bolhas - Um hprojeto de homem, um semi-homem, acabado, cansado, morto e sepultado. Dores em cada centímetro do corpo. Caí de ponta na cama e tentei pensar sobre o valor que tem mesmo essa tal de EXPOCRATO. E afinal de contas, cheguei à conclusão de que nesta coisa toda, o errado sou eu mesmo. O mundo, afinal, deve estar certo, e eu não quis seguir a manada que entrava na expocrato como ovelhas para a matança. O que tanto as pessoas procuram? Procuram dar sentido às suas míseras existências ? Acham que o sentido da vida está apenas na busca do prazer fútil e imediato ?
E pensando assim, tentei adormecer ao som estridente, e altíssimo que vinha de lá de longe, da Expocrato até a Vilalta, kilômetros de distância, por uma falta de controle urbano, som que entrava pelos meus ouvidos adentro como uma faca amolada. Mas aí, o cansaço já era tão grande que a esta altura, morrer e matar já não fazia a menor diferença.
Por: Dihelson Mendonça
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