TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 17 de julho de 2010

pulpifex maximus

UMA FAMÍLIA QUASE HOMOGÊNEA

O bar do Chico Fontes ficava num canto da praça, na
esquina de uma das ruas principais. Todos
frequentavam o seu bar. Os bêbados iam beber
cachaça, as crianças e as mulheres comer os doces
feitos pele Dona Delmira, e o padre - segundo
diziam - também ia lá, comer a própria Dona
Delmira.

Comentários não faltavam. Os amigos pensavem em
avisar o velho Chico, mas não sabiam como. Temiam
que o aviso desencadeasse uma violência, com
consequencias bem piores que a situação em que
estava o amigo, de simples corno mansa.

Alguns, menos amigos, eram irônicos. Não se
limitavam a comentar o romance de Dona Delmira
com o padre. As fofocas estendiam-se aos filhos do
casal. Hugo de doze anos, segundo diziam, era a
diversão da molecada:

- eu arrebentei o cabresto foi no rabo dele - disse
um moleque.

Já a Lili, mocinha, preferia rapazes e homens feitos,
com os quais ia todas as noites para o fundo da
horta.

- Ela já tem até uma cama debaixo da jabuticabeira
- gozavam.

Por muito tempo, Dona Delmira continuou trepando
com o padre, Lili com a rapaziada e Hugo com a
molecada. Enquanto isso, seu Chico vendia doces
para as mulheres e as crianças e cachaça para os
homens.

Um dia, pouco depois do amanhecer, as pessoas que
dirigiam-se ao trabalho paravam em frente ao bar do
Chico e desistiam de chegar no horário, indo juntar-se
a um grupinho que já virara multidão, do outro lado
da calçada.

Todos esperavam o bar abrir , não para beber cachaça
como nos outros dias. Algum gozador havia escrito,
durante a madrugada, uma frase na parede do bar:

NESTA CASA TODO MUNDO DÁ

E o motivo da aglomeração era esse. Ninguém queria
perder a reação de seu Chico, quando abrisse o bar e
saísse à calçada para tomar um solzinho, como fazia
normalmente.

Havia todos os tipos de previsões quanto ao
comportamento do velho ante a frase denunciadora.
Os cochichos e o vozerio baixo cessaram, dando lugar
à expectativa, assim que se começou a ouvir o barulho
de trancas se abrindo.

Seu Chico, vendo a multidão olhando
disfarçadamente para a sua casa, desconfiou. Foi até o
meio da rua, virou-se vagarosamente, leu a frase e
entrou novamente, sem falar nada.

Voltaram os zunzuns e as previsões. Uns achavam que
ele ia dar uma surra na mulher e nos filhos, outros
que ele ia simplesmente apagar a frase xingando todos
os presentes. Até o suicídio foi cogitado. Os cochichos
pararam novamente quando o velho Chico ressurgiu
na porta, dirigindo-se ao local onde estava escrita a
frase, com um giz na mão.

Ele não gritou e nem mesmo deu mostra de irritação.
Pensaram então que ia apenas rabiscar o dístico, mas
nem isso fez. Apenas escreveu algo depois da frase e
voltou calmamente para dentro, deixando na parede a
sentença agora um pouco alterada:

NESTA CASA TODO MUNDO DÁ, menos eu.

(mouzar benedito)

4 comentários:

Domingos Barroso disse...

Tentei (e consegui não ler o final)
até a volta do seu Chico.

Me surpreendi da mesma forma o povaréu.

Seu Chico é um profundo taoista.

Valeu, Lupin.

joão alberto lupin disse...

bem observado, seu domingos.(percebeste que aloprei nas postagens. tinha lá um imenso texto e me vi tentado a postar algo que tivesse (quase) o mesmo comprimento. cheguei perto).

Zé NIlton disse...

Confesso que aqui e acolá eu gosto das presepadas de Lupin. Arre, gente, se não fosse o Lupin, quem nos iria falar desse jeito...
Oblíquo, enviesadado,
Obtuso,
Desfocado,
Doido,
E doído. Tem jeito ele ?

joão alberto lupin disse...

obrigado, zé nilton, por prestar atenção nas minhas postagens humoradas.