O TÚNEL E A LUZ
( novo e bem fundamentado elogio da loucura)
cito de memória: "para os ricos, só existe um caminho
para a conservação de sua fortuna: é se apoderar do
estado". a frase podia pertencer a Maquiavel mas é de
Lorenzo de Medici, nome de citação obrigatória quando
se fala em príncipe e em Renascença. contemporâneo
de Leonardo, Michelangelo, verrrochio, Rafael,
Savonarola e do próprio Maquiavel, enfim, daquele miolo
da Renascença que fez de Florença a Atenas dos novos
tempos. Lorenzo não era, exatamente, um político. sua
cabeça e, sobretudo, seu coração estavam, direcionados
para as artes, daí seu nome ser hoje sinônimo de mecenas.
aliás, ele exerceu o mecenato de forma bem mais ampla e
eficiente do que o próprio Mecenas. as complicações da
cidade-estado, somadas às rivalidades das grandes
famílias que provocaram, inclusive, o famoso atentado
na Catedral de Santa Maria dei Fiori, obrigaram o jovem
Lorenzo a aceitar o poder aos 20 anos. daí que, para
explicar essa guinada em sua vida, ele teve de enunciar a
frase com que se inicia esta crônica, e que pode parecer
cínica - e é mesmo.
sim, para os ricos é impossível evitar o poder, uma vez
que é o poder que garante a própria riqueza e cria a
possibilidade de ampliá-la. o pensamento não é bonito
mas real, pragmático, elucidador. um pensamento
também cínico mas verdadeiro.
na atual campanha presidencial percebemos a feroz
vigilância do poder econômico sobre poder político.
antigamente - e ao falar "antigamente" não me refiro à
Renascença mas a um passado bem mais próximo -, as
coisas eram veladas; ricos e poderosos disfarçavam mais
e melhor as influências que exerciam sobre o processo
eleitoral. hoje, as coisas estão visíveis; para usar uma
palavra em moda, são transparentes. só para ilustração,
sem com isso pretendermos condenar ou aprovar a atitude
de quem quer que seja, temos o recente episódio em que
grupos de empresários e ruralistas tentaram influir na
Constituinte em defesa de seus patrimônios e interesses.
não se tratava de uma simples questão de mando, pois
esses grupos desprezam as formas adjetivas de poder.
o que eles pretendiam, na verdade, era moldar um estado
de acordo com seus objetivos operacionais que nem sempre
coincidem com os da nação. no fundo, esses grupos até que
desprezam a política como doutrina ou prática, mas sentem
-se obrigados a intervir no processo administrativo e até
eleitoral do país.
a constatação leva à deprimente conclusão de que o estado,
afinal, resulta no instrumento que sempre estará a serviço dos
ricos, dos já poderosos. para derrubar esta situação, as
revoluções são feitas e, vitoriosas, criam elas a nova classe
de ricos (ou poderosos) que continuará a controlar o estado
para uso próprio. por essas e outras, o anarquismo pretende
acabar com o estado - mas até hoje não se criou o equivalente
que funcione. o jeito é continuar tudo como está. aos ricos,
as batatas. aos pobres, o consolo de servir ao estado dos ricos.
e tentar semanalmente a loteca ou a sena - única e rápida
forma de se criar um novo rico. o qual logo tratará de
corromper o estado para melhor servir-se. há, contudo, uma
alternativa de salvação, pelo menos na atual conjuntura
eleitoral: é eleger o Marronzinho para quebrar o poder do
estado, a apatia dos pobres e a influência dos ricos. com
um louco no poder, o que sobrar será lucro.
(carlos heitor cony, revista MANCHETE, meados
da década de '80)
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